O Verão e o cio

Eu própria sentia desejo pelo meu corpo. No meu quarto, ainda com a cama cor-de-rosa e branca que vinha da infância, gostava de me ver nua ao espelho, com os cabelos soltos, pintados de preto azulado, quase pela cintura.

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Na adolescência, o Verão e a literatura despertavam em mim um cio animalesco, impossível de ignorar. Na praia, se me punha a ler de barriga para baixo na toalha, logo sentia um formigueiro no meu sexo que me impossibilitava de ter o sangue necessário a circular no cérebro para prosseguir com a leitura. Todos os meus pensamentos se concentravam em dar conta daquela excitação inexplicável que me traziam o calor e as palavras dos livros. Claro que o tipo de leitura também ajudava à festa: ler Henry Miller e Anaïs Nin, praticamente despida sob um sol abrasador, não incitava propriamente à intelectualidade, mas antes ao corpo sobrestimulado pelo clima favorável e pelas leituras picantes. 

Não sei dizer o que realmente me excitava, se as histórias bem escritas e com passagens obscenas, se a consciência do meu próprio corpo belo, jovem, na força da atracção dos olhares dos homens. Bambolear-me até ao mar e sentir os olhares masculinos de várias idades dava-me uma sensação de poder. Não era propriamente uma brasa, mas tinha a noção de que o meu corpo semi-despido despertava interesse.

Eu própria sentia desejo pelo meu corpo. No meu quarto, ainda com a cama cor-de-rosa e branca que vinha da infância, gostava de me ver nua ao espelho, com os cabelos soltos, pintados de preto azulado, quase pela cintura. Dava-me prazer ver-me despida, ver-me ao espelho nua; era algo que antecedia uma longa sessão de prazeres solitários. Além do calor e da literatura, também me acompanhava a música da Billie Holiday: um CD com os melhores hits, que veio de oferta com uma revista.

Certa vez, no Algarve, onde costumava passar todos os Verões sob o sol forte do Sul que não brinca às temperaturas, ao ler uma edição de contos eróticos de autores portugueses num daqueles suplementos de Verão, senti uma necessidade irreprimível de me satisfazer. Fui até ao mar, nadei o mais que pude, até ficar sem pé e, bem distante da praia, coloquei a mão direita dentro da parte de baixo do biquíni, acariciei o clitóris com imensa dificuldade, uma vez que tinha de dar às pernas e ao outro braço para continuar à tona da água. É claro que a situação, além de patética, tornou-se frustrante e não durou mais do que alguns segundos sem satisfação alguma. E ainda bem que assim foi; caso tivesse funcionado, teria corrido o risco de me afogar em plena síncope orgástica.

O episódio de cio desencadeado pelo calor e pela leitura ficou-me, contudo, marcado. Não há vez que aterre os pés numa praia algarvia e não me lembre daquela rapariga que fazia o que lhe apetecia, por mais inútil ou tolo que fosse.

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