Sim, sou daqui. Podemos conversar?

Quando dizemos que Portugal é um país racista, não estamos a invalidar aqueles que lutam constantemente pela igualdade. Estamos a afirmar que o racismo está presente em grandes estruturas que movem a sociedade.

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Daniel Rocha

Se não fosse o trabalho, o esforço e a diversidade, o que seria de Portugal? Se não fosse pelo “diferente” e “estrangeiro”, como é que Lisboa seria tão Lisboa? A famosa Lisboa que é quente, cheia, diversa e necessária para que o país não caia.

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Se não fosse o trabalho, o esforço e a diversidade, o que seria de Portugal? Se não fosse pelo “diferente” e “estrangeiro”, como é que Lisboa seria tão Lisboa? A famosa Lisboa que é quente, cheia, diversa e necessária para que o país não caia.

Quando dizemos que Portugal é um país racista, não estamos a invalidar aqueles que lutam constantemente pela igualdade e nem estamos a recusar que existem excelentes pessoas neste país. Estamos a afirmar que o racismo está presente em grandes estruturas que movem a sociedade e o nosso posicionamento é claro: queremos que estas estruturas sejam desmanteladas para que possa haver maior inclusão e maior espaço para a projecção da voz de quem é constantemente oprimido.

A defesa de que portugueses possuem brandos costumes e de que a força colonial não foi tão violenta tenta apaziguar o clima tenso que actualmente se vive. A tentativa de manipular para depois invalidar a voz de um negro dentro de Portugal tem tido muito sucesso porque há estruturas que apoiam estas tentativas e há um grupo massivo de pessoas racistas com acesso às grandes redes de comunicação e informação.

Não há quem possa devolver o golo do Éder, porque Portugal é tão nosso quanto vosso. Porque mesmo sendo negros e estrangeiros, carregamos histórias neste país e fazemos dele a nossa casa, quer queiram, quer não. Porque respeitamos e queremos ser respeitados, porque falamos e queremos ser ouvidos, porque gritamos e somos constantemente invalidados.

Para que possamos passar desta explicação primária para uma conversa madura e com escuta activa de quem é privilegiado, há feridas que precisam ser tocadas e há sujidade que precisa ser retirada. Para que possa haver uma mudança e para que possamos parar de falar “dos problemas do passado”, alguém vai ter de sofrer ouvindo a verdade e uma grande parte da sociedade vai ter de estar disposta a colocar de lado aquilo que aprendeu desde cedo.

Mudanças relevantes não são, e nem nunca serão, levadas a sério por todos. Elas são duras e exigem resistência. É sobre resistência que o movimento de empoderamento de negros e estrangeiros residentes em Portugal tem falado. É sobre lutar por algo melhor, mas o maior impedimento é que a maioria das pessoas não se dão ao trabalho de se educar.

Falamos de uma era onde a tecnologia está avançada e onde tudo é “de ponta”. Eu prefiro falar do racismo que virou cada vez mais eficaz, que parece que evoluiu com as tecnologias e toma conta de situações sem deixar grandes marcas e grandes explicações.

Eu prefiro também falar do acesso à informação que está a ser ignorado. Ao invés de comunidades se educarem relativamente ao seu papel na sociedade, os indivíduos estão preocupados em evoluir para um patamar onde a justiça social é moda, vende e é subjectivo. Não falo dos insultos, dos comentários, nem dos olhares e muito menos das “preferências”. Tudo isto é tão grave, mas negros em Portugal lidam com isto dia e noite.

O que nos impede de alcançar aquilo que tanto falam e tanto simplificam, são as barreiras institucionais que existem. O que impede o negro da periferia de chegar onde toda gente chegou “com trabalho duro”, é a nacionalidade que lhe é negada mesmo quando nasce em Portugal e não conhece outra terra. É a violência policial que o persegue e que arrebenta a sua porta e depois diz que é por engano. O que impede o negro estrangeiro em Portugal de chegar mais longe é a foto que tanto analisam no currículo e a aparência que tanto odeiam entre dentes. O que nos impede de chegar onde queremos chegar é a ignorância? Sem dúvida! Mas se fosse de alguns, poderíamos até simplificar a luta, mas ela vem de quem toma decisões, inventa murros e implementa padrões.

Se fosse pela vontade das senhoras e dos senhores que nos chamam de “pretos” nos autocarros, a nossa existência terminaria naquele segundo. Se não fosse pela vontade de “jovens bêbados agressivos, mas sem ódio racial”, Giovani Rodrigues ainda estaria connosco. Então para que barreiras possam ser destruídas, estas pessoas não precisam de ser paradas, elas precisam de ser desprotegidas pelo sistema que as ampara quando magoam o próximo e ainda levam a taça dos mais brandos desta liga.