“Vidas em suspenso”: o protesto dos educadores de artes à porta de Serralves

Os educadores da Fundação de Serralves organizaram este domingo uma concentração solidária na Avenida Marechal Gomes da Costa, criticando a instituição pela estratégia de “silenciamento” na crise pandémica e denunciando o “clima de medo” com que se confrontam os trabalhadores.

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A Fundação de Serralves tem sido acusada pelos educadores de cultivar um clima de "represálias e silenciamento" Teresa Pacheco Miranda

Durante a manhã de domingo, 5 de Julho, o grande evento de Serralves aconteceu à porta da fundação. Antes da hora marcada, já se viam os cartazes de papel espalhados pelo passeio da Avenida Marechal Gomes da Costa. Alguns pediam-nos para imaginarmos “um país sem recibos verdes”. Outros, para sonharmos com “uma instituição cultural responsável”. Na concentração solidária organizada pelos educadores de artes da Fundação de Serralves, alguns dos quais estarão com os seus rendimentos “praticamente reduzidos a zero” desde o início da pandemia, os trabalhadores acusaram a instituição de alimentar um “ciclo vicioso de precariedade” e de cultivar um “clima de represálias e silenciamento”.

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Durante a manhã de domingo, 5 de Julho, o grande evento de Serralves aconteceu à porta da fundação. Antes da hora marcada, já se viam os cartazes de papel espalhados pelo passeio da Avenida Marechal Gomes da Costa. Alguns pediam-nos para imaginarmos “um país sem recibos verdes”. Outros, para sonharmos com “uma instituição cultural responsável”. Na concentração solidária organizada pelos educadores de artes da Fundação de Serralves, alguns dos quais estarão com os seus rendimentos “praticamente reduzidos a zero” desde o início da pandemia, os trabalhadores acusaram a instituição de alimentar um “ciclo vicioso de precariedade” e de cultivar um “clima de represálias e silenciamento”.

Inês Soares, educadora presente na manifestação, foi uma das trabalhadoras que, durante o confinamento, acusaram publicamente, através de cartas abertas e comunicados, a fundação de “descartar” os seus trabalhadores a recibos verdes e de manter sem qualquer tipo de vencimento a sua equipa de 25 educadores. Garantindo ao PÚBLICO que “têm decorrido entrevistas” para o recrutamento de novos profissionais e a dispensa daqueles que criticaram a posição de Serralves, a educadora frisa que o grupo chamado para conceber as visitas guiadas da exposição de Yoko Ono – que, inaugurada a 30 de Maio, mantém-se no museu até 15 de Novembro – terá sido “substancialmente reduzido” a três elementos, “quando em todas as exposições a equipa inteira é chamada a colaborar no processo”.

Ouvida pela Lusa em Junho, a Fundação de Serralves avançou que havia contactado os signatários das cartas para que estes pudessem regressar à realização de actividades, sugerindo que terão sido os próprios trabalhadores a manifestar “a sua indisponibilidade para o efeito”, mantendo-se, assim, em casa e sem rendimentos. Inês Soares diz que esta versão dos factos corresponde a uma “mentira”, sustentando que “há educadores que trabalham há mais de 20 anos na fundação e que não ouvem uma única palavra da administração desde o início de Março”.

Todo o diálogo da fundação tem sido forçado pela nossa insistência”, clarifica Inês Soares. Uma posição reforçada por Inês Lopes, educadora em Serralves há um ano e guia na Casa da Música há três. “A instituição só nos chama quando chamamos a imprensa. É puramente uma questão de imagem”, acusa.

“Na minha entrevista de emprego, a administração disse que eu tinha de lhes dar três dias de disponibilidade semanal em regime de exclusividade para poder trabalhar aqui”, lembra Inês Lopes. “Ou seja, nesses dias, independentemente de me marcarem trabalhos ou não, não posso fazer o que quer que seja com outros equipamentos. Todas as sextas-feiras, que é quando recebemos a calendarização da semana seguinte, estou em stress. Se não marcarem trabalhos, fico em casa e não recebo nada”, explica.

“É uma vida sempre em tensão e angústia”, resume a educadora. “Nós aceitávamos este modelo porque pensávamos que, num momento destes, íamos ter apoio”, lamenta. “Pensávamos que havia uma humanidade no meio dos números.”

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Teresa Pacheco Miranda

“No início da pandemia, precisávamos de saber se devíamos tentar recorrer aos apoios da Segurança Social ou se a fundação, de alguma forma, ia dar continuidade aos projectos que estavam em curso, adaptando-se às circunstâncias e permitindo que continuássemos a ter algum vencimento”, conta, por sua vez, a educadora Sofia Santos. “Nunca tivemos uma resposta”, intervém Inês Soares. “Nem que a resposta fosse negativa… Precisávamos de saber quais eram os planos da instituição, para não termos as nossas vidas completamente em suspenso, e ficámos sempre no silêncio.”

Trabalhadores num limbo

Inês Soares diz ao PÚBLICO que, na sequência de um e-mail enviado para “rever o vínculo laboral” dos 25 educadores de Serralves, três representantes foram, “em meados de Maio”, chamados para uma reunião com o conselho de administração. Nela, destaca a educadora, a direcção terá sublinhado que estava a “rever estratégias sobre a estrutura do serviço educativo”, “admitindo inclusivamente que os novos educadores, porque assinaram a carta de denúncia e manifestaram o seu direito à liberdade de expressão, provavelmente não iam voltar a ser chamados” para colaborações com a fundação. “As poucas informações sobre projectos futuros que vamos obtendo são deliberadamente vagas e pouco concretas. Estamos há demasiado tempo num limbo.”

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Inês Lopes lamenta que Graça Fonseca não tenha ainda mostrado disponibilidade para ouvir os educadores de Serralves Teresa Pacheco Miranda

Inês Lopes fala do “clima de medo” em que os trabalhadores de Serralves “constantemente vivem” e critica a falta de “humanidade” de Graça Fonseca, que, a 30 de Junho, na Assembleia da República, disse não terem sido encontrados na inspecção realizada pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) “indícios” de irregularidades laborais e casos de falsos recibos verdes na Fundação de Serralves. “Qual é a inspecção que não ouve os dois lados?”, salientou, frisando que os educadores nunca foram contactados pela ACT. “Como é que a ministra da Cultura pode estar esclarecida se a nossa verdade não é ouvida? Não valemos todos o mesmo enquanto cidadãos?”

À vez, num megafone partilhado, a equipa de educadores expunha testemunhos pessoais com os manifestantes que se concentravam à porta da fundação. “Não sei se ainda faço parte da equipa que insistem em sugerir que não existe”, disse Rita Martins, educadora desde 1992. “A pandemia evidenciou problemas que não são novos na precariedade”, apontou Miguel Teodoro, que chegou a Serralves só este ano e que, neste momento, tem a vida “em suspenso”. “97% dos meus rendimentos de 2019 vieram da fundação”, argumentou Inês Soares. “Isto é um trabalhador independente?”

“É importante que se perceba que, enquanto precários e falsos recibos verdes que somos, pouco temos a perder neste momento”, partilha com o PÚBLICO a educadora Raquel Sambade. “Uma vez que a instituição continua a manter esta atitude de ‘Não devemos nada’, sentimos que não há alternativa senão darmos continuidade a esta luta”, conclui. “A única certeza que há neste momento é a de que não vamos ficar por aqui.”

Em resposta à concentração, a Fundação de Serralves afirmou que “a manifestação não estava suportada em pressupostos verdadeiros”, acusando os organizadores de quererem “lesar a reputação e o bom nome de Serralves”, e desmentiu também as acusações de “retaliação”. “À medida que fomos retomando as actividades relacionadas com os serviços educativos, ainda em número muito reduzido, convidámos, como é habitual, prestadores de serviços a colaborarem connosco nesse âmbito. Alguns aceitaram as nossas propostas, outros não as aceitaram, como também é normal. Não encontramos motivos para as acusações”, escudou-se a instituição.

Notícia actualizada às 18h21 com a resposta da Fundação de Serralves.