Inspecção encontra “indícios” de falsos recibos verdes na Casa da Música

Inquérito da Autoridade para as Condições do Trabalho ainda está a decorrer, mas haverá falsos recibos verdes pelo menos entre os assistentes de sala e técnicos de palco.

Foto
Paulo Pimenta

A inspectora-geral da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), Luísa Guimarães, disse esta quarta-feira numa audição no Parlamento que, apesar de a acção de inspecção estar ainda a decorrer, “foi possível concluir em alguns casos pelo indício da existência de trabalho dissimulado”, os chamados “falsos recibos verdes”, nomeadamente no caso dos assistentes de sala e de técnicos de palco, mas não foram identificados, para já, casos desses entre os músicos e animadores musicais.

A inspectora-geral foi ouvida sobre a situação de trabalhadores da Casa da Música nas comissões parlamentares de Trabalho e de Cultura, na sequência de um requerimento apresentado pelo grupo parlamentar do Bloco de Esquerda (BE).

O deputado Eduardo Barroco de Melo, PS, considerou que são “boas notícias” o facto de a inspectora-geral da ACT ter afirmado na audição parlamentar que “há indícios de que haverá falsos recibos verdes”. O deputado disse que essa “cultura laboral” de recorrer a recibos verdes “não é de agora” e mostra que a Casa da Música aposta num modelo que é “fomentador de trabalho precário”. O deputado elencou uma série de casos do seu conhecimento que estariam, ou estiveram, nesta situação, como “designers gráficos a cumprir oito horas de trabalho diário, com cartão de acesso, computador da empresa, durante cinco anos a trabalhar a recibos verdes”. Em conversa posterior com o PÚBLICO, citou “um testemunho particularmente grave de um gestor de recursos humanos que intentou um processo contra a Casa da Música para evitar a prática de contratação de prestadores de serviços para cumprir funções de necessidade permanente”.

Na semana passada, nas mesmas comissões parlamentares os deputados já tinham ouvido a administração e um grupo representando os precários, na sequência de requerimentos do BE e do PCP.  José Pena do Amaral, presidente do conselho de administração da Casa da Música, garantiu que “não existe uma situação de falsos recibos verdes” na Casa, e que a instituição está a “respeitar a lei”.

O conflito laboral existente na Casa da Música ganhou visibilidade pública a 28 de Abril quando foi revelado que um grupo de 92 funcionários e trabalhadores independentes tinha subscrito um abaixo-assinado contestando o modo como a instituição tratava os profissionais com vínculo precário, nomeadamente técnicos de palco, assistentes de sala e músicos formadores do serviço educativo, e que a pandemia tinha deixado sem trabalho.

Luísa Guimarães disse aos deputados que a ACT iniciou a “acção inspectiva” em início de Maio, “com o foco de verificar se um conjunto de situações configuram contrato de trabalho dissimulado”. Nessa primeira visita em Maio não foi possível aos três inspectores da ACT que acompanham as diligências falar directamente com “os prestadores de serviços”, mas foi obtida “documentação para análise”. Numa segunda visita, realizada a 16 de Junho, quando a Casa da Música já tinha retomado alguma actividade, começaram a ouvir um “grupo extenso de trabalhadores”, mas “as diligências ainda não estão concluídas”.

Em resposta às questões do deputado do BE José Soeiro, a inspectora esclareceu que em relação ao primeiro grupo, que inclui músicos de agrupamentos da Casa da Música como Remix Ensemble, “não foram detectados indícios de trabalho dissimulado”.​

A inspectora-geral disse que os trabalhadores estão divididos em quatro grupos — músicos, animadores e formadores musicais; técnicos de palco, de luz e som; assistentes de sala; guias —, acrescentado que só no segundo e terceiro grupo foram encontradas falsas situações de recibo verde, mas que mesmo em relação a este grupo não quantificado a situação ainda se pode alargar porque as diligências não terminaram. “Vamos prosseguir com audições entre os técnicos e assistentes de sala.” O grupo em que a inspecção está mais atrasada é o dos guias que fazem visitas à Casa.

Luísa Guimarães explicou aos deputados que podem daqui ser deduzidos “autos” relativos a contra-ordenações laborais contra a Casa da Música, ao abrigo do artigo 15.º do Código de Trabalho, mas que a entidade empregadora “pode regularizar a situação, mostrando contratos de trabalho”. “Não o fazendo, inicia-se uma acção do reconhecimento do contrato de trabalho”, participando-se ao Ministério Público os respectivos autos. No âmbito dessa acção, normalmente, são ouvidos os trabalhadores, a Casa da Música e, muitas vezes a ACT, “para determinar se há ou não um contrato de trabalho”.

Em resposta às questões da deputada do PCP Ana Mesquita, a inspectora explicou que, por norma, a Autoridade “actua quando existe um pedido de inspecção, vindo de quem vier, e proactivamente”. “O nosso objectivo é actuar cada vez mais proactivamente.” Luísa Guimarães já tinha esclarecido a deputada do PSD Carla Barros de que tinha havido um pedido de intervenção relativo à Casa da Música em 2017, mas que este não tinha tido seguimento.

Na audição da semana passada, o administrador José Pena do Amaral afirmou aos deputados que quaisquer irregularidades detectadas pelo inquérito da ACT seriam “corrigidas sem qualquer problema”. 

O PÚBLICO ainda não conseguiu obter uma reacção da Casa da Música.

Notícia alterada às 16h, corrigindo declarações do deputado do PS, a seu pedido: o gestor de recursos humanos citado no texto não teve um contrato a recibos verdes durante nove anos​

Sugerir correcção