Tratar o Hipotiroidismo: a chave para a saúde da mulher, da mãe e do bebé

Para assinalar o arranque da Semana Internacional da Tiróide, comemorada de 25 a 31 de Maio, e ajudar a sensibilizar a população para o tema escolhido para este ano, o Público organizou um webinar em parceria com a Associação das Doenças da Tiróide (ADTI), a Associação Portuguesa de Fertilidade (APF), a Merck e a Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo (SPEDM). “Tratar o hipotiroidismo: pela saúde da mulher, da mãe e do bebé” deu o mote para mais de uma hora de conversa.

Foto
GettyImages

Sabe-se que uma em cada oito mulheres está em risco de desenvolver problemas da tiróide ao longo da sua vida, estima-se que 1,6 milhões de pessoas vivam com distúrbios da tiróide no nosso País e que 83% destas são mulheres. Mas ainda existe muito desconhecimento acerca dos problemas desta glândula que tem múltiplas funções no organismo. Este webinar procurou esclarecer e sensibilizar para o impacto do hipotiroidismo na saúde materna e do bebé.

Maria João Oliveira, médica endocrinologista e directora de serviço do Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia / Espinho começou por dizer que existem dois tipos de doenças da tiróide: no que respeita à alteração da forma, temos os bócios, ou seja, aumentos do volume da glândula e, os nódulos. Neste caso, sabe-se que cerca de 90% são benignos. Já no respeita às alterações da função da tiróide, surge o hipotiroidismo e o hipertiroidismo. “O hipotiroidismo é cerca de dez vezes mais frequente do que o hipertirodismo”, disse a médica. No primeiro caso, “há um défice de produção das hormonas da tiróide – a T3 e a T4 – e o nosso organismo vai funcionar de forma mais devagar”, acrescentou. Pelo contrário, no hipertiroidismo, “há um aumento de produção das hormonas que vai activar o metabolismo e faz com que os doentes fiquem mais acelerados”.

A principal causa para o hipotiroidismo na mulher e em idade fértil é uma doença autoimune, a que se dá o nome de tiroidite crónica, tiroidite autoimune ou tiroidite de Hashimoto. “Existem depois outras causas associadas, como por exemplo, uma pessoa que tenha sido sujeita a um tratamento de radiação a alguma doença de cabeça e de pescoço, alguns fármacos para o tratamento de doença cardíaca e da depressão e, ainda, o défice de iodo”, alertou Maria João Oliveira.

Desafios no diagnóstico e no tratamento

O facto de esta doença estar associada a sintomatologia variada e, por vezes, inespecífica, surgindo, por vezes, de forma muito lenta, pode levar a um atraso no diagnóstico. É este um dos principais desafios a colmatar. Em consequência, “o tratamento não é feito na altura devida”, explica a médica. “Na mulher que pretende engravidar, é importante solicitar o doseamento das hormonas da tiróide, bem como em outras fases da vida”.

Uma vez confirmado o diagnóstico, e sendo esta uma doença crónica, o tratamento será para toda a vida para a hormona da tiróide, a T4. “É simples: é um comprimido que deve ser tomado em jejum porque os alimentos atrasam a sua absorção e o médico que segue essa pessoa deve solicitar análises ao sangue para ir ajustando as doses da medicação”, explicou a directora de serviço. Durante a gravidez, esse ajuste tem também novas exigências porque “os valores de referência na grávida não são os mesmos do que os de outros doentes”, sublinhou.

Sensibilizar e informar

A ADTI tem oito anos de existência e é uma associação de doentes, de âmbito nacional, e constituída por órgãos sociais e por elementos do Conselho Científico e Consultivo, habitualmente médicos e, todos eles, voluntários. “Temos alguns associados, gostávamos de ter muito mais”, começou por alertar a presidente, Celeste Campinho. “Esta é uma associação que alerta e sensibiliza a comunidade em geral para a necessidade de vigiar a sua tiróide”, afirmou, sublinhando que são enviados para a ADTI “inúmeros pedidos de esclarecimento de dúvidas”. Muitas das questões colocadas são enviadas por mulheres que têm medo de engravidar devido à sua doença, o hipotiroidismo. “No fundo, a ADTI acaba por ser um meio de divulgação das questões ligadas às doenças da tiróide”, assinalou, relembrando a importância de procurar fontes de informação fidedignas.

O impacto antes, durante e após a gravidez

A terceira parte deste webinar foi dedicada ao impacto do hipotiroidismo na gravidez e depois do parto. “A patologia da tiróide pode ser uma das causas da dificuldade em engravidar”, começou por explicar Maria do Céu Almeida, directora do Serviço de Obstetrícia e responsável pela consulta de diabetes e outras endocrinopatias na gravidez da Maternidade Bissaya Barreto. “Podemos dizer que a infertilidade tem múltiplas causas e a parte endócrina é muito importante. O hipotiroidismo, quando não diagnosticado, confere ciclos irregulares, ou seja, não há ovulação.” A médica obstetra lembrou que “só o tratamento medicamentoso do hipotiroidismo permite regularizar a doença”. Ficou claro que, se for apenas esta a causa que impede uma mulher de engravidar, e se não existirem outros factores impeditivos, a solução é relativamente simples. Está na mão de cada doente cumprir todas as recomendações médicas.

A adesão à terapêutica é então essencial, mas quando se consegue a gravidez desejada, as doentes podem enfrentar um novo dilema: a dúvida se a medicação para o hipotiroidismo pode provocar alterações e prejudicar o bebé. “É muito difícil combater a ideia de que nem toda a medicação é má na gravidez e, esta, em particular, é muito importante. O embrião desenvolve-se nas primeiras semanas de gestação e é fundamental ter um ambiente com hormonas da tiróide normais”, enfatizou Maria do Céu Almeida. Logo no primeiro trimestre da gravidez, é importante aumentar as doses da medicação e, consequentemente, podem ser necessários ajustes regulares.

Da experiência da directora do Serviço de Obstetrícia, depois de explicada a relevância da regularização das hormonas tiroideias, “a maioria das mulheres adere praticamente a 100% à medicação. Por vezes, a não adesão tem que ver com o desconhecimento. Uma mulher com um hipotiroidismo tratado tem uma gravidez normal como qualquer mulher sem a doença”, esclareceu. O problema surge com o “não diagnóstico”, o “diagnóstico tardio já numa segunda fase da gestação ou após um mau desfecho durante a gravidez”. São vários os cenários para esta doença.

Existem riscos para o parto?

Durante o parto propriamente dito, não existem riscos acrescidos para as mulheres que têm hipotiroidismo, explicou Maria do Céu Almeida. “Estando toda a doença tiroideia controlada, não há qualquer consequência, nem na duração da gravidez, nem com o parto. Por outro lado, a doença não tratada ou mal controlada pode dar origem a abortos de repetição, logo no início da gravidez, aumentar a probabilidade de surgir hipertensão no decurso da mesma ou a ocorrência de partos prematuros”, explicou.

Uma mensagem chave que a médica obstetra não quis deixar de passar aos leitores foi a de que “a levotiroxina passa a barreira placentar e, ainda bem, porque vai exercer a sua acção no feto numa altura muito importante da gravidez, em que o mesmo se está a formar. O feto, no início, não tem produção própria de hormona tiroideia (a chamada T4) e a medicação que a mãe toma ajuda “a um correcto desenvolvimento neurológico do embrião e do feto”.

Depois do parto, “as necessidades da tiróide descem radicalmente”, pelo que a dosagem deve ser novamente reajustada, salienta a médica. “As mulheres devem retomar as suas consultas com o seu médico assistente logo que possível pois os doseamentos da hormona tiroideia devem ser feitos quatro a seis semanas depois do parto. No pós-parto, a mulher desvia totalmente a atenção para o bebé e pode esquecer-se desta questão.”

Um testemunho na primeira pessoa

Mafalda Ribeiro tem 43 anos e descobriu que sofria desta doença aos 37 anos. “Durante muitos anos, passei a ter cuidados redobrados com a alimentação e ao nível do exercício físico mas nunca conseguia emagrecer”, contou. Estranhava o facto de ser rigorosa e seguidora de uma alimentação saudável e de não conseguir “manter a linha”. Em Setembro de 2014, fez análises sanguíneas, uma ecografia à tiróide e foi-lhe então confirmada a doença. Passados quinze dias, soube que estava grávida da sua terceira filha.

Durante a gravidez, Mafalda tinha consultas de ajuste mensal das dosagens da medicação. Depois do nascimento da filha, esta periodicidade começou a ser mais espaçada. “Actualmente tenho consultas periódicas, de três em três meses, ou de quatro em quatro, para fazer o ajuste da medicação, medicação essa que sei que vou ter de fazer até ao final da vida”, partilhou.

É da simbiose entre o endocrinologista, o médico de família e o médico obstetra que resulta o evoluir favorável de uma gravidez, acrescentou a médica obstetra. Mafalda Ribeiro corrobora. “Nunca tive qualquer tipo de receio em tomar a medicação e sempre assumi como algo natural na minha vida. Senti-me sempre muito segura e tranquila.” A adesão à terapêutica nunca foi uma questão e a filha Marta nasceu bem, sem qualquer problema de saúde.

Como mensagem a deixar a outras mulheres com hipotiroidismo, Mafalda recomenda que “estejam mais atentas a elas próprias” uma vez que só quando percebeu que tinha um problema na tiróide é que ganhou consciência para as inúmeras funções desta glândula. Maria João Oliveira não quis deixar passar a oportunidade sem referir que “a tiroidite de Hashimoto, na mulher em idade fértil, é a principal causa do hipotiroidismo e que os anticorpos anti-tiroideus são muito elevados, na ordem de milhares, mas não vão afectar o feto ou a tiróide do bebé” A médica endocrinologista sublinhou ainda que “não existe qualquer risco de a mãe passar a doença para o seu filho. A mulher não precisa de viver a gravidez com essa angústia”.

Respostas em tempo real

O final do webinar foi dedicado à resposta de perguntas colocadas por pessoas que estavam a assistir, como por exemplo, se a tiroidite de Hashimoto pode ser controlada sem medicação. Maria João Oliveira respondeu que há doentes que têm anticorpos elevados durante toda a vida e que a tiróide funciona normalmente, o que significa que não têm de fazer medicação. No entanto, a médica salientou que as mulheres “devem ter uma especial atenção quando tentarem engravidar e durante a gravidez porque as necessidades da hormona da tiróide são maiores. Muitas vezes, essas mulheres fazem medicação durante a gravidez podendo interromper posteriormente”.

Algumas leitoras, que assistiram ao webinar, tiveram dúvidas acerca da relação entre a alimentação e o hipotiroidismo, questionando se teriam de evitar algum alimento devido a esta doença. “No hipotiroidismo, desde que a pessoa faça a medicação correcta e que a hormona da tiróide esteja controlada, não existem alimentos que perturbem a função da mesma”, salientou Maria João Oliveira. A medicação deve ser tomada em jejum, meia hora antes do pequeno-almoço. A endocrinologista acrescentou ainda que “a soja diminui muito a absorção da hormona da tiróide” recomendando que as pessoas com hipotiroidismo confiram maior atenção ao tempo que medeia entre a toma da medicação e o consumo de soja.

A médica explicou ainda que “o hipotiroidismo não controlado pode diminuir drasticamente a absorção do ferro e da vitamina B12” e que “a vitamina D não tem uma relação directa com a função da tiróide”. Por último, relativamente à pandemia que estamos a viver, e em relação à dúvida se a tiroidite de Hashimoto confere algum risco para a infecção por Covid-19, Maria João Oliveira confirmou que não.