Escândalo de pedofilia marca centenário de João Paulo II na Polónia

Bispo de Kalisz acusado de dar cobertura a abusos sexuais de padre católico em documentário exibido no YouTube. Primado polaco pediu à Santa Sé para iniciar “procedimentos”. Realizador, Tomasz Sekielski, diz que o próximo filme irá falar do papel de João Paulo II na dissimulação dos crimes.

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O papa João Paulo II, aqui com o fundador dos Legionários de Cristo, Marcial Maciel, que abusou sexualmente de 60 rapazes Tony Gentile/Reuters

O centenário do nascimento do Papa João Paulo II, celebrado solenemente este fim-de-semana na Polónia, foi ensombrado pela exibição este sábado de um documentário sobre actos de pedofilia na Igreja católica a que o actual bispo de Kalisz, Edward Janiak, terá dado cobertura.

Pouco após a difusão do filme Zabawa w Chowanego (Jogo de escondidas), seguido em directo no YouTube por cerca de 80.000 pessoas, o primado da Polónia, arcebispo Wojciech Polak, apelou à Santa Sé para “iniciar procedimentos” sobre os casos citados.

Esta manhã o vídeo já tinha sido visualizado por 2,7 milhões de pessoas.

O documentário, o segundo do género realizado pelo jornalista independente Tomasz Sekielski, refere-se em detalhe à história de dois irmãos, vítimas entre outros de abusos sexuais cometidos por um padre que beneficiava da protecção tácita, mas evidente, de Edward Janiak, que é hoje bispo de Kalisz, no centro da Polónia.

“O filme Zabawa w Chowanego, que acabo de ver, demonstra que as normas de protecção das crianças e dos adolescentes em vigor na Igreja não foram respeitadas”, reagiu o primado da Polónia em mensagem vídeo difundida pela agência noticiosa católica KAI.

“Na minha qualidade de delegado do episcopado para a protecção das crianças e dos adolescentes, solicito à Santa Sé, através da sua nunciatura, que abra um procedimento em virtude du motu proprio [uma carta apostólica] do Papa Francisco sobre a omissão de uma reacção legalmente obrigatória”, insistiu.

Financiado por colecta pública, o documentário acusa o procurador de proteger sistematicamente os representantes da Igreja, ao entregar dossiers de inquérito aos eclesiásticos interessados, durante o seu exame, de acusações desde logo rejeitadas pela procuradoria nacional.

Em comunicado, o procurador indica ter indiciado formalmente o padre Arkadiusz Hajdasz por abusos sexuais sobre menores, em Setembro de 2019. Mas os procuradores não citam em qualquer parte do processo o nome do bispo Janiak.

O anterior documentário de Tomasz Sekielski, Tell No One (Não digas a ninguém), divulgado há um ano, foi visto 23,5 milhões de vezes no YouTube.

Na ocasião provocou choque e reacções ao mais alto nível da hierarquia eclesiástica e do poder, mas de seguida o tema quase desapareceu do espaço público.

Mas, em Outubro do ano passado, um tribunal polaco associou a “tortura” aos actos de pedofilia perpetrados na década de 1980 por um padre católico, implicando a prescrição do crime de acordo com a lei polaca, uma decisão sem precedentes na Polónia.

As indemnizações às vítimas pagas pela Igreja católica enquanto instituição ainda são raras na Polónia.

Os dois filmes de Sekielski questionam a responsabilidade da hierarquia católica, mas sem abordarem a ausência de reacção durante o pontificado do Papa João Paulo II, que continua a ser venerado na Polónia.

No entanto, Tomasz Sekielski já anunciou um próximo documentário sobre “o papel de João Paulo II na dissimulação dos crimes perpetrados por padres”.

Diversas manifestações, missas e concertos difundidos na internet estão incluídos nas celebrações em memória de João Paulo II, que nasceu a 18 de maio de 1920 em Wadowice, no sul da Polónia.

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