Covid-19: o doente oncológico no centro do debate

Como é ser doente oncológico em tempos de pandemia? Esta foi a questão que deu o mote para o webinar “Cancro em Debate”, uma iniciativa do Público em parceria com a MSD e a Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC), com o objectivo de ajudar os doentes oncológicos e os seus cuidadores.

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O debate, que durou cerca de uma hora, focou os desafios dos doentes oncológicos nestes dias em que a Covid-19 tem ameaçado o mundo, e contou com o contributo de Filipe Froes, médico pneumologista e coordenador do gabinete de crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19; Vítor Rodrigues, presidente da Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC); Luís Costa, coordenador da Comissão de Coordenação Oncológica e director do Departamento de Oncologia do Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHLN) e Sandra Ponte, enfermeira e membro da direcção da Associação de Enfermagem Oncológica Portuguesa (AEOP).

Filipe Froes começou por confirmar que os doentes oncológicos têm maior risco de contrair a doença e que a taxa de mortalidade também é maior. “Com base em estudos publicados na China e com disseminação na Europa, cerca de 5,6% de doentes com neoplasia e com infecção por Covid-19 acaba por falecer”, afirmou, reforçando que as medidas de prevenção deste vírus são ainda mais importantes para pessoas com cancro.

Concomitantemente, Sandra Ponte alertou para as medidas que os doentes oncológicos em tratamento activo devem assegurar. Além da importância de monitorização do estado de saúde, a higienização das mãos é fulcral. Relativamente às máscaras – que devem ser usadas por todos os doentes oncológicos, sem excepção – é crucial saber utilizá-las de forma correcta. “O mais importante é ensinar os doentes a colocarem bem a máscara, a cobrir o queixo, o rosto e o nariz e a retirá-la adequadamente”, explicou. Os doentes oncológicos que se desloquem a uma instituição de saúde recebem uma máscara e “devem permanecer com a mesma até à sua saída”, disse a enfermeira, sublinhando que o uso exclusivo de viseira, por si só, “não é suficiente nem seguro”.

E será que ir ao hospital actualmente é prudente? Sandra Ponte sugeriu a teleconsulta como uma alternativa viável, nos casos em que tal seja possível. Luís Costa acrescentou que “a teleconsulta é possível para consultas de seguimento e de revisão”. No entanto, em casos em que os doentes tenham queixas ou sintomas suspeitos, “há que complementar com uma consulta presencial”. O médico oncologista reforçou a ideia de que foi preciso reorganizar os serviços, mas mantendo o funcionamento: “nós não cessámos a nossa actividade. Todos os doentes oncológicos que precisavam de tratamento, não deixaram de o fazer”. Em simultâneo, passou a haver um rastreio clínico prévio à chegada e todos estão a ser testados antes e durante o tratamento. Por último, outra das medidas dos hospitais passou por concentrar exames e consultas de um mesmo doente num único dia para evitar várias visitas ao hospital.

Para Vítor Rodrigues, foi clara “esta adaptação dos serviços hospitalares em todo o País e a respectiva articulação com os cuidados de saúde primários”.

O caminho a seguir

O grande desafio, neste momento, é preparar o período pós-Covid. “Como é que os doentes podem retomar a sua vida normal?”, questionou Luís Costa, afiançando que “há uma série de situações para as quais ainda não temos resposta”.​

Alguns leitores questionaram o painel sobre dúvidas que se colocam no dia-a-dia, enquanto doentes ou cuidadores. Relativamente às visitas de pessoas internadas, Sandra Ponte reforçou que “para segurança do próprio doente, dos seus familiares e dos profissionais, foi preciso restringir a circulação de pessoas”. A enfermeira antevê, no entanto, que a retoma das visitas venha a acontecer nesta fase de maior desconfinamento, ainda que de “forma faseada e com algumas limitações”.

Filipe Froes compreende a preocupação relativamente às restrições de visitas durante o internamento, mas explicou que “houve a necessidade de intercalar este período com medidas temporárias que promovam a maior segurança dos doentes. Mal a situação o permita, tendencialmente iremos caminhar para a maior humanização dos serviços”.

Os doentes oncológicos que estejam devidamente controlados e com a doença estável podem visitar familiares ou trabalhar? Esta foi uma das questões mais colocadas pelos leitores que assistiram ao webinar. Dependendo do tipo de trabalho, Luís Costa considera que é possível retomar a rotina desde que sejam salvaguardadas as medidas de protecção contra a Covid-19.

Recomeçar em segurança

Com quase 80 anos de existência, a LPCC dedica-se a múltiplas actividades de apoio a doentes e cuidadores. Entre elas, o Programa de Rastreio do Cancro da Mama, implementado em 1986 e que se encontra temporariamente suspenso. Vítor Rodrigues anunciou que é provável que a iniciativa seja retomada em Junho, assegurando, para tal, todos os cuidados necessários a nível de segurança e de protecção individual dos técnicos e dos utentes. “Temos tudo preparado para recomeçar os rastreios de cancro da mama a partir do momento em que seja seguro fazê-lo. Numa fase inicial, o número de pessoas a rastrear será menor do que o habitual.”

Sandra Ponte concluiu o webinar a elogiar um dos projectos da LPCC que consiste no “fornecimento de medicamentos em casa evitando que os doentes tenham de o fazer na farmácia hospitalar”. Luís Costa terminou reforçando que “o maior investimento deve ser feito em recursos humanos e na reformulação de espaços no hospital para promover um maior distanciamento físico entre os doentes em tratamento.

A situação de calamidade não traz menos desafios do que o estado de emergência. Pelo contrário. “A pandemia está agora a testar-nos, em tempo real, nesta dualidade de Covid e não Covid”, rematou Filipe Froes.