Gisela João, amor ao comércio tradicional: “lembrem-se do senhor Vítor, da dona Alice, do senhor João, da dona Júlia…”

“Trabalhei muitos anos no comércio tradicional”, escreve a fadista. “Hoje fui à rua e dói-me, mas dói-mesmo, ver o senhor dentro do café com os braços prostrados sobre o balcão com ar de derrotado.”

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Gisela João no Porto, fotografada em 2015 fernando veludo/nfactos

Trabalhei muitos anos no comércio tradicional, foram quase 13 anos da minha vida dos quais me orgulho muito. E que saudades. Sei, por isso, a luta que todos os dias se travava para se manter os negócios abertos.

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Trabalhei muitos anos no comércio tradicional, foram quase 13 anos da minha vida dos quais me orgulho muito. E que saudades. Sei, por isso, a luta que todos os dias se travava para se manter os negócios abertos.

Deu-me a capacidade de sentir na pele o olhar no horizonte das pessoas que estão à porta de lojas, cafés, restaurantes, retrosarias e por aí fora, à espera de clientes.

Hoje fui à rua e dói-me, mas dói-me mesmo, ver o senhor dentro do café com os braços prostrados sobre o balcão com ar de derrotado. Fui às retrosarias, vazias, com as pessoas que lá trabalham sedentas de atender alguém.

Lembrei-me do senhor Vítor e da dona Alice. Os donos do café na Rua de Santa Catarina, no Porto, onde almocei muitas vezes. O senhor Vítor ao balcão e nas mesas e a dona Alice na cozinha. Praticamente viviam ali e a preocupação deles era linda, não falhar nada à filha.

Eu sei que estamos todos assustados, e que por isso as compras online nos fazem sentir de alguma forma mais seguros, mas, se forem à rua, lembrem-se do senhor João, que já sabe qual será o vosso pedido mal passam a soleira da porta, e da dona Joana, que sabe as maçãs que vocês gostam, e vos oferecem sempre dois rebuçadinhos para os filhos.

Lembrem-se da dona Júlia, que vos guarda uma camisola que recebeu na loja porque vos conhece os gostos. Lembrem-se das conversas que tiveram com muitas dessas pessoas, dessa troca dos que vos chamam pelo nome e não pelo número da senha.

Muitas destas pessoas têm resistido a propostas de compra dos seus espaços por números ‘xuxurudos’, mantendo assim os seus negócios e não dando espaço a mais uma loja da moda. Preocupo-me com todas as áreas, não me entendam mal, por favor, mas lembrem-se destas pessoas.

Recebo muitas mensagens a perguntar onde compro materiais para os meus trabalhos manuais e por isso venho aqui dizer que, em Lisboa, as retrosarias da Rua da Conceição estão abertas. No resto do país não sei dizer ao certo, mas sei que conhecem o comércio das vossas terras, lembrem-se deles, estão abertos.

Comércio tradicional,

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