Distanciamento social e tempo livre: a fórmula para o aumento nas vendas de produtos eróticos?

Fechados em casa, os portugueses compraram mais brinquedos sexuais, vestuário erótico ou poppers. Pelo menos é o que contam as sex shops e empresas ouvidas pelo P3: o confinamento coincidiu com um aumento nas vendas online. Mas esta não é a resposta para toda a gente — até porque nem todos estão “virados para o sexo”.

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Ana Sousa Nelson Garrido

Para quem o tem ou teve, o tempo de isolamento social chegou com horas de sobra para fazer pão, experimentar novos planos de treino ou consumir todos os episódios daquela série de uma vez só. E, quem sabe, para “descobrir o corpo”. Certo é que, numa altura em que muitos negócios afundam, outros ganham um fôlego inesperado quando meio mundo se fecha em casa: tanto na Dinamarca como na Austrália, o mercado dos produtos eróticos triplicou, dizem as maiores sex shops daqueles países. No mercado português, a tendência parece ser a mesma — pelo menos, segundo os entrevistados pelo P3. 

“É curioso. Sem termos feito nenhuma comunicação, começámos a ter mais clientes portugueses, o que não era tão habitual, e notámos que coincidiu com o início do isolamento social”, conta Elsa Viegas, uma das fundadoras da Bijoux Indiscrets, empresa de produtos sensuais sediada em Barcelona. A Maleta Vermelha de Cláudia Sousa já não viaja país fora; mesmo assim, há novos clientes a visitar o site da empresa: “O que sentimos, aos poucos, é que as pessoas que nos estão a visitar não são tanto as clientes com quem tínhamos estado.” Por outro lado, as vendas da Mister Cock aumentaram “progressivamente desde o início do confinamento”. Susana Peixoto, directora de vendas da loja virada para o público gay, diz mesmo que “houve um pico bastante grande na venda de brinquedos”.

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Cláudia Sousa é a directora d'A Maleta Vermelha Nelson Garrido

Outras lojas portuguesas que o P3 contactou via e-mail observaram o mesmo. O departamento de marketing da Vibrolândia conta que o volume de vendas de brinquedos sexuais “para serem usados a solo” subiu, como estimuladores de clitóris ou masturbadores (os fleshlights). E os brinquedos que podem ser controlados a partir de uma aplicação e “a qualquer distância” tornaram-se mais populares no confinamento — são os teledildónicos, produtos que também ganharam fama na Rapidinha Sex Shop. Os estimuladores clitorianos de sucção juntam-se à gama de produtos que ajudaram a loja a notar um aumento nas vendas online “na ordem dos 20%”. Já a clientela da LX Sex Shop está mais virada “para o BDSM”. “Parece que as pessoas estão mais disponíveis para novas experiências”, escreve Rui Brito, daquela loja, que notou um aumento de 30% nas vendas online. 

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Elsa Viegas é a fundadora da Bijoux Indiscrets DR

A Maleta Vermelha não registou grandes alterações na venda de “produtos de saúde sexual, como as bolas pélvicas e os dilatadores”; assim, Cláudia Sousa crê que os compradores habituais se mantêm, não descartando ter conquistado nova clientela. Já Susana Peixoto esperava um decréscimo nas vendas de vestuário (cuecas, harnesses ou jockstraps, por exemplo), mas os clientes continuam interessados. Notou, porém, “um aumento [de vendas] a nível de brinquedos, como masturbadores, estimuladores de próstata ou dildos”, que ocupariam um terceiro lugar caso estivéssemos a imaginar um pódio. Nas duas primeiras posições estão agora produtos de rápido consumo, que obrigam a novas compras: os lubrificantes e os poppers, os actuais campeões de vendas da Mister Cock. Na Bijoux Indiscrets, Elsa Viegas deduz que os clientes agora são, sobretudo, casais — as compras de produtos como vibradores para clitóris ou cremes estimulantes estão a ser realizadas, na maior parte das vezes, por homens. “Vendemos muita cosmética erótica, mas também o vibrador Twenty One [em forma de diamante] e um mais pequenino e mais barato, um dos produtos que começamos a vender mais”, indica.

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Nelson Garrido

Um lugar de maior importância?

Em Espanha, quando o quadro da covid-19 começou a agravar-se, Elsa tentou perceber o que o futuro reservava à sua empresa: “Achei que era uma situação tão diferente do habitual que a última coisa em que pensei foi em vendas. Mas, depois, questionei-me: ‘O que é que nos vai acontecer como negócio?’” A fundadora da Bijoux Indiscrets não esperava poder dizer, agora, que a empresa “continua a vender e a funcionar com uma certa normalidade”. “Neste momento, não nos podemos queixar e temos clientes que compram mais vezes ao mês”, acrescenta a empresária. Susana Peixoto salienta que, neste momento, os produtos que a Mister Cock e outras sex shops vendem podem ter conquistado “outra importância que não tinham”. Elsa Viegas concorda: “Neste momento, a sexualidade é um ponto muito importante do nosso equilíbrio. Se lhe dedicarmos um bocadinho mais de atenção, vai contribuir para o nosso bem-estar.”  

A masturbação, aponta o Departamento de Saúde do Estado de Nova Iorque, “não propagará a covid-19”.“Você é o seu parceiro sexual mais seguro”, lê-se no documento partilhado pela autoridade de saúde, que também aconselha a reforçar a higiene no que toca aos brinquedos sexuais, lavando-os pelo menos durante 20 segundos. Mas existirá alguma justificação para a maior procura por brinquedos sexuais ou cosméticos eróticos? A resposta contempla várias camadas — e todas se desenham em função do potencial comprador. Primeiro, viver sozinho e “descobrir o corpo” com recurso a estes produtos pode ser um bom antídoto para contornar as saudades do contacto físico que deve ser evitado, explica Rui Soares, médico e sexólogo clínico.

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Para Ana Sousa, é importante que os produtos "sejam de qualidade" Nelson Garrido

Ou, então, compra-se agora porque há “mais tempo para perceber e para procurar” exactamente o que se quer. É o caso de Ana Sousa, produtora cultural de 27 anos, que acabou de adquirir um novo vibrador. “Não é o primeiro que compro. E não é bem que tenha sido por ser esta altura, mas talvez estar mais tempo em casa e estar mais desocupada ajudou”, diz. Para Ana, é importante que os produtos “sejam de qualidade”. “E que vão ao encontro do que preciso”, sublinha. A viver com a irmã e o namorado desta, Ana nota estar “mais condicionada” no que à sua privacidade diz respeito; contudo, acrescenta, “a mesma coisa” acontece com os seus companheiros de casa. E numa altura em que nota que a sua libido “é mais oscilante, de extremos”, confessa que o isolamento social acaba por ser, “de certo modo, frustrante”.

Nenhuma solução é para todos

Para Cláudia Sousa, “as pessoas que estão sozinhas não estarão muito viradas para o sexo”. E o mesmo acredita aplicar-se aos casais: “A sensação que eu tenho é que a maior parte dos casais não deve ter uma vida sexual muito activa neste momento. Já havia dificuldade. Não há privacidade, as pessoas estão cansadas, os miúdos estão em casa.” Contudo, produtos como brinquedos, cosméticos ou vestuário podem ser aliados, como explica Rui Soares. “Estando o casal em contacto durante 24 horas pode existir uma quebra na sensualidade, no mistério, na surpresa. E os brinquedos sexuais podem ser uma forma de enriquecer a relação, de saber lidar com o espaço do outro mantendo a novidade e a descoberta a partir de algo novo”, diz. Para além disso, em casos onde exista “uma patologia de base”, a mesma pode ser “esquecida” e o “brinquedo acaba por ter mais valor”.

A directora d’A Maleta Vermelha aponta, também, o quadro económico que começa agora a clarificar-se e a tirar rendimentos a muitas famílias. É o que Carmo Gê Pereira utiliza como factores para pedir “calma” no que diz respeito a generalizações: “Há um discurso neste período de superação e de aprendizagem. A nível mundial, há a possibilidade de este ser um momento traumático e difícil.” Também é proprietária de uma sex shop, mas apenas online, que foi actualizada no início do isolamento social; por isso, não consegue aferir “se houve ou não um aumento de vendas”. E recusa afirmar que a compra de um destes produtos seja “a solução para todos”: “Algumas pessoas irão reagir com mais desejo. Mas outras têm as suas fontes de rendimento em risco e não irão reagir dessa forma”, defende a formadora e educadora sexual.

Susana Peixoto prefere acreditar que não haverá “regressão” na venda dos produtos da Mister Cock. “Acho que as pessoas vão continuar a comprar. Quando alguém compra um brinquedo mais barato, fica ansioso para experimentar um mais caro”, perspectiva. Elsa Viegas indica outros motivos que podem contribuir para o crescimento de negócios como o seu: “Acho que isto vai mudar muita coisa. É uma suposição, mas penso que vamos dar mais importância ao prazer e à descoberta a sós.”

Sem previsões para a duração da pandemia de covid-19, haverá outros produtos que ganharão importância agora que o desconfinamento se inicia? Numa previsão a médio prazo, Cláudia Sousa aponta para os “brinquedos sexuais usados à distância” como uma das respostas que possibilitarão “algumas brincadeiras em conjunto e, ao mesmo tempo, à distância”. De volta ao presente, Rui Soares frisa que é importante, “mesmo em contexto de confinamento sexual”, respeitar “a vontade própria e os direitos de cada pessoa”. O mesmo conclui Elsa Viegas: “Sexualidade não é só relacionar-se com o outro, mas também connosco mesmos.”

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