Onde param os sindicatos?

Este inexplicável silêncio prende-se em muito com a crise do sindicalismo em Portugal e no Mundo. Os sindicatos aburguesaram-se, ficaram dependentes das máquinas partidárias, estão instrumentalizados.

“No dia seguinte nenhum sindicato se manifestou. O facto, por absolutamente contrário às normas da vida, causou nos espíritos uma perturbação enorme…”

Se adaptássemos estes estranhos tempos à primeira frase de uma das mais curiosas obras de José Saramago – As Intermitências da Morte – o resultado seria ainda válido, mas sem que respondesse à pergunta que muitos por estes dias deveriam estar a fazer: o que é feito dos sindicatos?

Uma coisa é certa: em greve não estarão, muito por conta da decisão inédita do Presidente da República que, ao decretar o estado de emergência, suspendeu o exercício do direito (fundamental) à greve, pelo menos quando esse exercício possa colocar em causa o funcionamento das infra-estruturas essenciais do país, designadamente as unidades hospitalares e os sectores económicos vitais. Evidentemente, na situação de absoluta excepcionalidade que vivemos, uma greve nestes sectores, seria não só abusiva, como totalmente incompreensível e imoral, daí que a proclamação do Presidente da República não passe de um simbolismo, na medida em que dificilmente assistiríamos a uma greve, porque, sempre se diga que, e em abono da verdade, pura e simplesmente os trabalhadores não o permitiriam.

Ora, a suspensão do direito à greve se, formalmente, só se aplica aos serviços essenciais, acaba, na prática, por se estender às restantes actividades, em linha com a paragem generalizada da economia portuguesa e com a suspensão de muitos contratos de trabalho.

Perante um país em lockdown, em que quase toda a gente está em casa e em que o teletrabalho é obrigatório, poderíamos cair na tentação de supor que os abusos e as ilegalidades por parte de algumas entidades empregadoras haviam cessado ou se tornaram de menor monta. Quem “está” no Direito do Trabalho sabe, todavia, que não é assim. Pelo contrário, mais do que nunca, a circunstância em que vivemos tem dado origem (a lamentáveis) aproveitamentos e grosseiras violações da lei. As antigas e as novas. Os exemplos são vários e vão desde os despedimentos ilícitos, aos usos ilegítimos dos regimes de flexibilização do tempo de trabalho, à violação das novas imposições em matéria de segurança e saúde no trabalho, à ultrapassagem do período normal de trabalho sem a devida compensação (principalmente no teletrabalho, onde está provado que fica desfocada a linha que separa o tempo de trabalho do tempo de fruição pessoal), a atrasos no pagamento de salários e subsídios, aos lay-off e despedimentos colectivos no limite daquilo que a lei admite. Para já não falar nas “propostas” que muitos trabalhadores receberam para prestar teletrabalho em regime de lay‑off ou até aos “convites” para gozar férias antecipadas…

Maus patrões sempre existiram (embora, os bons patrões sejam muito mais). Mas em tempos de crise, aumenta a miríade de abusos. A sua denúncia por parte dos sindicatos nem tanto. Quando mais eram precisos, os sindicatos desapareceram, hibernaram.

Sabemos bem que uma das suas principais formas de luta no direito colectivo é a greve, que está, digamos assim, de quarentena. Por outro lado, o direito de reunião e manifestação, ainda no âmbito do estado de emergência, encontra-se seriamente comprimido, visto que estão proibidos os ajuntamentos, com o consequente fim das manifestações. Mais ainda, e desde 2 de Abril, ficou suspenso o direito das comissões de trabalhadores, associações sindicais e associações de empregadores participarem na elaboração da legislação laboral.

Tudo isto cria obstáculos ao sindicalismo. Mas será que a suspensão das greves e das manifestações resulta no fim dos sindicatos? Os sindicatos só sabem afirmar-se com manifestações de rua e greves? Em face da sua falta de presença no espaço mediático dir-se-ia que sim. Mas esta resposta é inaceitável!

Que fique claro: este é o momento em que o sindicalismo é mais necessário. As ofensas que os direitos dos trabalhadores sofrem e vão continuar a sofrer precisam de ser denunciadas. Os representantes dos trabalhadores têm de continuar, mais do que nunca, a defender os direitos dos seus representados. Têm de lutar para que, mesmo na pior das calamidades, a sua voz seja ouvida e os abusos denunciados.

Este inexplicável silêncio prende-se em muito com a crise do sindicalismo em Portugal e no Mundo. Os sindicatos aburguesaram-se, ficaram dependentes das máquinas partidárias, estão instrumentalizados. Hoje, não vemos os sindicatos verdadeiramente ao lado e na defesa dos trabalhadores. A falta de inovação e a incapacidade de adaptação à voragem destes tempos comunicacionais das redes impede as associações de se apresentarem airosas, modernas e operantes. Este imperativo de adaptação deixou, com a pandemia de covid-19, de ser uma questão de moda para passar a ser uma necessidade de sobrevivência.

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