O nosso regime privado chinês

Por mais campanhas covid-19 que a EDP procure promover, a que mais interessará ao país é exatamente a que se recusa a cumprir.

Há poucos dias, quando a EDP anunciou a distribuição dos 694 milhões de euros de dividendos pelos acionistas, grande parte da esquerda e alguma direita queriam que o Governo interviesse na empresa. Em nome de um princípio público, era suposto ignorar a privatização a dezembro de 2011 e deixar que a mão do Estado influenciasse ou decidisse sobre aquilo que não considerava aceitável. Uma espécie de regime que desqualificaria ou influenciaria a iniciativa privada quando conviesse, era o que se pretendia. Ou que agisse assim sempre que fosse moralmente bem-visto pelo povo português. Sem ir mais longe, e toldados pela ética do caso concreto, a génese pretendida do que soprava dos dois extremos políticos nacionais era praticamente a mesma do Partido Comunista chinês.

Mas, como a essência do Governo português é democrata, a pressão não colheu e o bom senso imperou. Dificilmente se pôde dizer o mesmo da administração da EDP. Pouco satisfeita com o seu primeiro show-off de mau gosto e desnecessário em tempos excecionais, lá se aventurou agora num outro tipo de fado bem conhecido no formato de comunicado.

E o que nos disseram?

Em suma, que apesar do contexto atual e do que se avizinha, do facto de grande parte do país ter passado os últimos dois meses forçosamente em casa e os gastos com a luz terem triplicado, os preços da eletricidade não vão baixar. Isso mesmo, conforme anunciado por António Mexia. Ou seja, para lá dos lucros e dividendos anunciados e de um negócio em grande parte sustentado pelos contribuintes portugueses, este não é o momento de baixar contas. (Nenhum será, portanto!)

Eu não sei se uma parte dos acionistas e administradores da maior empresa privada portuguesa, que até há nove anos era pública, encontra inspiração no regime comunista chinês, se gostam pouco dos portugueses, ou se simplesmente querem dar cabo da ideia de quem ainda procura que se acredite no equilíbrio da iniciativa privada através dos mais variados incentivos. Sei é que quando uma empresa deste estatuto age como age a nível nacional, mais vale pôr essas ideias de lado para dar razão aos que pediam a mão do Estado ainda antes do recente anúncio.

Que as mais variadas almas se lembrem deste desenlace antes de vir com qualquer lenga-lenga, dos políticos isto e aquilo, procurando elevar outras áreas como se vivessem num patamar acima. Por aqui, é o que se vê. E por mais campanhas covid-19 que a EDP procure promover, a que mais interessará ao país é exatamente a que se recusa a cumprir.

Mesmo que os lucros e dividendos anunciados o aconselhem, pouco importa. O que vigora por lá é um sentido de Estado chinês.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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