Cuidado com os sabichões

Nada pior do que alimentar expectativas irrealistas com base na necessidade urgente da recuperação económica

Quanto mais o tempo passa e perduram as incertezas ou as contradições sobre a evolução da pandemia da covid-19, maior é a tentação de encontrar receitas mágicas para ultrapassar os efeitos desta crise sem precedentes – ou que nos remete para a Grande Depressão dos anos 30 do século passado ou da «gripe espanhola» dos tempos da primeira Grande Guerra. Percebe-se que os níveis inéditos de ansiedade e preocupação de encontrar saídas para o labirinto onde estamos confinados suscitem as mais variadas intervenções, divagações, propostas e palpites por parte de uma multidão de comentadores que vem engrossando todos os dias nos canais de TV e nos jornais (muitos deles pronunciando-se, de forma muitas vezes definitiva, sobre assuntos de que não são especialistas mas apenas aprendizes de oráculos).

Ora, esta tendência que ameaça crescer para além do que seria minimamente razoável acaba por influenciar também o discurso político, levando os responsáveis governamentais e partidários – senão o próprio Presidente da República (PR) – a formular propostas de sentido difuso e aparentemente antagónico sobre as medidas a adoptar para responder às crises sanitária e socioeconómica, arriscando criar com isso um clima de ainda maior desorientação entre uma população já naturalmente desorientada.

Assim, enquanto se avançam datas possíveis para o fim do estado de emergência – que não parecem ser exactamente as mesmas para o Governo e para o PR – assistem-se a sinais contraditórios relativamente à evolução da covid-19, entre o relativo optimismo que pressupõe o reatamento das aulas dos anos finais do secundário e o pessimismo manifestado pelo primeiro-ministro sobre a hipótese quase certa de uma segunda vaga da pandemia. Aliás, esta segunda vaga de que sabemos ainda muito pouco – como aconteceu, aliás, com a primeira vaga do coronavírus – está a suscitar uma onda suplementar de preocupações um pouco por todo o mundo, incluindo países que supostamente já teriam ultrapassado o problema e parecem vê-lo regressar, como é o caso da China.

Dito isto, nada pior do que alimentar expectativas irrealistas com base na necessidade urgente da recuperação económica, como fazem alguns dos nossos sabichões e aprendizes de oráculos ao compararem o carácter relativamente benigno – é-o, sem dúvida – da situação portuguesa com a de países como a Itália e a Espanha. Sim, é verdade que quanto mais tarde regressarmos à normalidade pior será para a economia (pelo menos, para esta economia que temos). Mas pior ainda do que isso será criar falsas ilusões que poderão ter consequências gravíssimas a nível sanitário – e, também, económico.

É certo que é mais fácil aceitar o confinamento do que sair dele. Por outro lado, para uma maioria de portugueses as condições desse confinamento são muito insatisfatórias e até deploráveis – devido à exiguidade e estado precário das habitações e ao número de familiares que nelas se aglomeram –, provocando situações de stress e violência potencial (ou efectiva). Mas perante o cenário de uma segunda vaga da pandemia resta saber o que será pior: prolongar o estado de confinamento actual ou correr o risco de expor os cidadãos a um surto de infecção cuja amplitude ninguém é capaz de prever.

O que esta crise global nos tem ensinado é que continuámos a saber muito pouco sobre a sua natureza até à descoberta de uma vacina eficaz contra a pandemia (o que só deverá acontecer daqui por um ano). Significa isto que, entretanto, teremos de nos submeter à paralisia e à impotência? De modo nenhum. O inconformismo e a busca persistente de soluções devem fazer parte da nossa agenda diária, mas não esquecendo o sábio conselho de que mais vale prevenir do que remediar – sobretudo aquilo que pode não ter remédio. Daí a oportunidade de outro conselho: cuidado com os sabichões.

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