Tempo de rigor científico: por favor, não deitem tudo a perder!

Não sabemos de onde surgiu a afirmação fantasiosa e de paternidade não assumida de que o pico de infectados já teria sido atingido. Além de errada, ela parece-nos extremamente perigosa.

Foi com grande consternação e extrema preocupação que assistimos ao grande destaque dado na comunicação social à reunião de ontem no Infarmed, onde estiveram presentes os altos dignitários da Nação com os “peritos” da Direcção-Geral da Saúde (DGS), e na qual foi afirmado que o pico de infectados activos poderia ter ocorrido em Março.

Queremos dizer de forma muito clara que se trata de uma afirmação errada e extremamente perigosa que pode deitar a perder todo o esforço e sacrifício que a população tem vindo a fazer ao longo das últimas semanas.

É muito fácil compreender que é errada. O leitor pode detectar no conforto de sua casa quando é atingido o pico no número de infectados activos: tal ocorre quando o número de novos casos confirmados passar a ser inferior ao número de novos recuperados e novos óbitos. Basta comparar boletins da DGS de dois dias consecutivos e fazer as diferenças. Ontem, no dia 7 de Abril, houve 699 novos casos, 12 novos recuperados e 35 novos óbitos. O saldo de novos infectados activos foi de 652, muito longe de zero. Ainda estamos muito longe do pico.

Não sabemos de onde surgiu a afirmação fantasiosa e de paternidade não assumida de que o pico de infectados já teria sido atingido. Qualquer pessoa que faça modelação, como a equipa coordenada por um de nós (JB), ou mesmo que faça um simples fit aos dados, como há tantos cidadãos a fazer em Excel, sabe que a curva dos infectados activos passou o ponto de inflexão, deixando a fase exponencial, em 31 de Março/1 de Abril, e está agora na fase sigmóide de subida para o pico. A manterem-se os parâmetros actuais este será atingido nunca antes da segunda quinzena de Abril

A afirmação de que teríamos atingido o pico, além de errada, parece-nos extremamente perigosa, pois induz uma falsa sensação de segurança na população, levando-a a pensar erradamente que “já conseguimos”, afrouxando os comportamentos que tão bons resultados têm dado, alterando os parâmetros e pondo em risco a evolução futura das curvas. E, nesta semana de Páscoa, isso pode ser determinante.

Ficamos pois muito preocupados quando este tipo de análise, profundamente errada, possa ter sido passada para os decisores políticos. Tal vem reforçar a nossa insistência para que haja um maior envolvimento da comunidade científica, nomeadamente das Escolas Médicas e dos especialistas matemáticos reconhecidos, que através dos seus peritos de reconhecida competência e independência possam ser chamadas a dar o seu contributo num momento de emergência nacional.

A situação que vivemos é demasiado grave e com implicações potencialmente muito gravosas para a população, caso não sejam tomadas as medidas mais adequadas, as quais devem reunir o consenso dos melhores e não apenas dos escolhidos. Não é tempo para birras ou teimosias, mas para uma verdadeira coesão nacional, reunindo os melhores e mais bem preparados para dar a resposta mais adequada a uma crise sem precedentes.

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