Helicopter money”, a terceira via para a União Europeia

Entre o endividamento isolado de cada país ou a emissão dos apelidados “coronabonds”, vários economistas reabilitam uma terceira via controversa e cheia de tabus. Dar sem pedir de volta.

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Reuters/DADO RUVIC

Impressão e injecção de fundos monetários a “fundo perdido” para colmatar as perdas financeiras ocorridas devido à crise pandémica. Entre o endividamento isolado de cada país ou a emissão dos apelidados “coronabonds", vários economistas reabilitam uma terceira via controversa e cheia de tabus. Dar sem pedir de volta. E porque não? 

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Impressão e injecção de fundos monetários a “fundo perdido” para colmatar as perdas financeiras ocorridas devido à crise pandémica. Entre o endividamento isolado de cada país ou a emissão dos apelidados “coronabonds", vários economistas reabilitam uma terceira via controversa e cheia de tabus. Dar sem pedir de volta. E porque não? 

As primeiras previsões do Banco Mundial, pós-covid-19, com análise a incidir apenas nas regiões afectadas da Ásia, demonstram quebras assustadoras. No caso chinês, a economia que cresceu 6,1% no ano passado pode situar-se no final de 2020 entre 0,1% a 2,3%. FMI alerta que cada mês de quarentena deve representar uma perda de 3% do PIB. Em Portugal, tal impacto pode ascender a mais de 6 mil milhões de euros. 
 
Os condicionalismos financeiros, atrás mencionados, exigem uma resposta dura, rápida e profícua, que se espera que seja dada a uma voz única na Europa. Com a relutância de economias dominantes como a alemã a transfigurar-se em abertura ao diálogo, os “coronabonds", dívida emitida em dimensão europeia diminuindo a assimetria de encargos e impacto, particularmente nos países mais frágeis, são hoje publicamente apoiados como a única solução justa e de futuro para uma relação comunitária harmoniosa e equilibrada (equilíbrio esse não verificado nas últimas crises).  

No entanto, a solução tabu conhecida na gíria por “helicopter money” pode ser parte da discussão. Entre muitos, o economista Jordi Galí defendeu recentemente a sua utilização. Mas o que é afinal o “helicopter money”? 

A premissa, complexa em teoria e ultra complexa em execução, passa pela atribuição de crédito por parte do Banco Central Europeu (BCE), que detém possibilidade de criar moeda, para cobrir o custo do programa de financiamento/estabilidade em causa. Esse crédito não é reembolsável (não tem pagamento ou juro associado), sendo assumido por parte do banco central como perda no seu capital próprio ou como uma anotação permanente nos gastos do mesmo. 

Numa explicação linear, sobre o total de cálculos de apoios necessários em cada país para reabilitar a economia após a crise pandémica, seria concedido por parte do banco central ao país um crédito, sem qualquer necessidade de retorno ou endividamento (uma impressão de moeda destinada a esse acto isolado).

A solução milagrosa é perigosa devido aos precedentes que abre. Todavia, se nos debruçarmos sobre as principais problemáticas, entendemos que o timing ideal para a sua aplicação pode ser este: 

Como calcular o montante necessário de forma correcta e justa?
A dúvida prende-se acima de tudo, numa primeira fase de pós-implementação, na capacidade política e organizacional de cada nação de perceber o impacto das suas medidas e o necessário para não colapsar as contas públicas. A questão não deveria ser tão pertinente numa comunidade (europeia) com diversos mecanismos reguladores isolados (de cada país) e comuns. 

Legalidade da acção
Compreendendo-se que o quadro legal pode dificultar a implementação da medida, convém entender que ordem é dada pelos decisores (seja banco central, seja os líderes da zona euro). Por diversas vezes, leis inflexíveis tornaram-se maleáveis devido a momentos excepcionais de resposta a crise. Ainda recentemente o BCE suspendeu os limites de compra de dívida, justificando a medida (e bem) com o actual quadro/contexto.  

Precedente para crises futuras 
Se esta crise se distancia de outras por não estar relacionada directamente com gestão desmedida de contas estatais, abrir a caixa de Pandora do “cheque em branco” como solução para crise pode potenciar comportamentos financeiros irresponsáveis futuros e pressões para utilização de uma ferramenta que pode provocar uma inflação exacerbada e um colapso económico. Mas mais uma vez à sua aplicação está dependente um parecer global, excepcional, justificado e coordenado dos decisores centrais. 

A controversa proposta vê na sua consensualidade o seu maior inimigo. Mas a sua janela de oportunidade está aberta. Haja união para a executar.

* Este texto não é vinculativo à estrutura partidária a que pertenço.