Guiné-Bissau: Cipriano Cassamá desiste de ser Presidente interino e diz ter sido ameaçado

Político do PAIGC disse ter recebido ameaças da parte de militares “fortemente armados”. Aristides Gomes diz que há ministérios ocupados por militares, assim como a Assembleia Nacional e o Supremo Tribunal.

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Ciprano Cassamá (à esquerda) com Domingos Simões Pereira (centro) Paulo Cunha

Cipriano Cassamá, que na noite de sexta-feira assumiu a presidência interina da Guiné-Bissau, perante 52 dos 102 deputados da Assembleia Nacional, desistiu de ocupar o cargo. Na declaração em que anunciou a decisão, disse ter sido alvo de ameaças por parte de “homens fortemente armados”.

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Cipriano Cassamá, que na noite de sexta-feira assumiu a presidência interina da Guiné-Bissau, perante 52 dos 102 deputados da Assembleia Nacional, desistiu de ocupar o cargo. Na declaração em que anunciou a decisão, disse ter sido alvo de ameaças por parte de “homens fortemente armados”.

Cassamá tinha marcado para as 11h deste domingo uma declaração ao país, feita a partir da Assembleia Nacional. Porém, falou aos jornalistas na sua casa em Bissau. 

“Tem havido fortes ameaças à integridade física ao corpo de segurança que me foi afecto por homens fortemente armados e que põe em perigo a minha segurança e da minha família”, disse. Prosseguiu dizendo que a decisão se prende ainda com a sua postura de homem de Estado, que quer salvaguardar os “interesses maiores” e evitar derramamento de sangue. 

“Pedindo desculpa ao meu partido e ao povo”, Cassamá renunciou, “para que haja paz e a felicidade de todos”. 

Deputado do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), que não reconhece Umaro Sissoco Embaló como Presidente, Cassamá tinha assumido a presidência interina, invocando a Constituição na alínea que diz que quando há vazio de poder o cargo é ocupado pela segunda figura do Estado, ou seja o presidente do parlamento.

O anterior Presidente, José Mário Vaz, passou os poderes a Sissoco Embaló, depois da tomada de posse deste, na presença dos deputados que o apoiam, na quinta-feira num hotel de Bissau.

Cipriano Cassamá afirmou que vai voltar ao cargo de presidente do parlamento.

Umaro Sissoco Embaló (do Madem G-15) foi declarado vencedor das eleições presidenciais de Dezembro pela Comissão Nacional de Eleições, mas o seu adversário, Domingos Simões Pereira (PAIGC) recorreu do escrutínio para o Supremo Tribunal, que é também Tribunal Eleitoral, argumentando que houve irregularidades. O Supremo ainda não se pronunciou sobre o recurso.

Segundo a legislação, a tomada de posse do novo chefe de Estado só deveria ter lugar após o contencioso eleitoral estar resolvido. 

Após a tomada de posse e a passagem dos poderes no palácio presidencial, Sissoco Embaló exonerou o Governo de Aristides Gomes e deu posse a Nuno Nabiam (o vice-presidente do parlamento que apoiou a sua candidatura). 

Nabiam pode ainda neste domingo nomear o seu Governo, com tomada de posse segunda-feira.

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Ministérios tomados

Se já não tem dois presidentes, a Guiné-Bissau ainda tem dois primeiro-ministros. A equipa de Aristides Gomes continua em campo. Este domingo, estão a surgir, nas respectivas páginas no Facebook, comunicados de ministérios que dizem estar a ser alvos de ataques.

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O Ministério da Agricultura, chefiado por Nelvina Barreto, emitiu um comunicado a dar conta de que alguns dos seus funcionários foram atacados. E que carros da Direcção Nacional de Florestas e Fauna foram vandalizados. O documento não atribui responsabilidades.

O Ministério da Saúde Pública, também em comunicado, diz que “um grupo de militares” entrou nas instalações “e forçou a equipa da Direcção-Geral de Epidemiologia e Segurança Sanitária que estava a trabalhar sobre a epidemia do coronavírus a “abandonar as instalações”.

Aristides Gomes, em declarações feitas hoje, citadas pela agência Lusa, disse que o país está a assistir a uma “expansão da violência” e que há um “bloqueio total” do país com investidas contra membros do seu Governo.

“O ponto da situação da Guiné-Bissau é caracterizado por uma expansão da violência. Da violência institucional, da violência contra as instituições, que está a ser concretizada pela ocupação do espaço governamental e do Estado”, disse aos jornalistas na sua residência em Bissau.

Segundo o primeiro-ministro, vários ministérios localizados no centro da cidade estão ocupados por militares, assim como o Supremo Tribunal e a Assembleia Nacional Popular.

“Estamos face a uma situação de bloqueio total. Agora há uma segunda fase caracterizada por investidas contra membros do Governo, pessoal, sob pretexto de confiscação de viaturas do Estado”, afirmou, acrescentando que elementos do Ministério do Interior estiveram em sua casa a confiscar duas viaturas utilizadas pela sua guarda pessoa.

“Esta manhã apareceram cá indivíduos que disseram que vinham com ordens do Ministério do Interior para levarem as duas viaturas que os meus guardas nacionais utilizam, depois disso estão a ameaçar prender e neutralizar os meus guardas nacionais, pelo que sei, aconteceu a mesma coisa com o presidente da Assembleia Nacional”, disse.