Sofia Teillet já não odeia orquídeas e fez disso um espectáculo

A Vida Sexual das Orquídeas é um espectáculo-conferência em que a actriz francesa cita a Wikipédia e Darwin com a mesma seriedade – ou falta dela. Até domingo, esta proposta singular aterra no D. Maria II, em Lisboa.

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ANNA BASILE

Sofia Teillet sempre detestou orquídeas. Via nelas uma flor com um simbolismo demasiado vago à qual se associam elegância e refinamento quando, na verdade, estão à venda – e em promoção – “à entrada de qualquer supermercado, nas montras de restaurantes chineses, em bancos, consultórios médicos” e tantos outros lugares públicos. Mas quando a actriz francesa arregaçou as mangas para começar a trabalhar num espectáculo em que não fossem a voz e a vontade de um encenador a ditar-lhe os caminhos e as escolhas, por alguma razão que não sabe exactamente explicar desatou a investigar a reprodução no mundo vegetal e apostou tudo na criação de um espectáculo-conferência dedicado ao tema. “E então, durante a minha pesquisa”, conta ao PÚBLICO, “descobri que as orquídeas eram citadas o tempo todo e percebi que são as rainhas da reprodução vegetal. Porque são muito antigas e muito espertas na estratégia que usam para se reproduzirem”.

Desse processo de investigação nasceu uma pequena peça de dez minutos que estreou sem grandes ambições. Só que A Vida Sexual das Orquídeas, que agora chega ao Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa, para ali se apresentar desta sexta-feira até domingo, foi-se expandindo a cada convite para uma nova apresentação. Em grande parte porque o conhecimento de Teillet sobre o tema não parava de acumular-se e a actriz francesa cada vez tinha mais pormenores a partilhar com o público, num ritmo acelerado pelo entusiasmo de estar a discursar sobre algo que se tornara tão central na sua vida sem ter de obedecer a uma estrutura fixa. Em todas as versões, Sofia Teillet partia da sua investigação, de umas quantas coisas que queria mesmo dizer – como, por exemplo, o facto de detestar orquídeas e as encontrar por todo o lado, ou a falta daquela humildade que se detecta, por exemplo, numa margarida –, sem um texto fixado, numa verborreia de informação que, amiúde, resvala para o humor.

O tema, rapidamente o percebeu, é “inesgotável”, porque é “algo que está vivo”. E, portanto, sempre observável. E tornou-se ainda mais observável porque quis o acaso, aliado a um erro grosseiro na recolha de informação por parte de um antigo namorado, que Sofia Teillet se tornasse “cuidadora” de uma orquídea, quando o rapaz, tendo percebido tudo ao contrário, lhe ofereceu uma destas flores julgando que era a sua preferida. Com uma orquídea nas mãos, a actriz constatou que não nutria, afinal, ódio suficiente para se desfazer da pobre planta, acabando por dedicar-se a esta flor “extremamente caprichosa”. Eis que tinha a protagonista do seu futuro espectáculo a viver em sua casa, como que numa provocação do destino.

Wikipédia e Darwin

A pesquisa revestiu-se, portanto, de interesse duplo: Sofia lia sites, blogues e fóruns na Internet para aprender a cuidar da orquídea, ao mesmo tempo que acumulava para o espectáculo as fontes mais diversas e sem hierarquia clara – tanto valorizava informação avulsa recolhida nessa rigorosa publicação chamada Wikipédia (embora fizesse questão de confirmar os factos em duas ou três fontes distintas) quanto um livro infantil dedicado às orquídeas ou o pesado volume de 300 páginas que Charles Darwin escreveu sobre A Fecundação das Orquídeas pelos Insectos. “É um livro muito específico, o único que tem mesmo muitos pormenores sobre o tema”, diz-nos. “Ainda tentei encontrar outros, mais recentes, mas parece que mais ninguém realizou este tipo de trabalho.”

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ANNA BASILE

A curiosidade da actriz alastrou a todos os materiais que falassem de orquídeas, tendo passado os olhos, naturalmente, por Inadaptado, filme de Spike Jonze em que Nicolas Cage veste a pele do argumentista Charlie Kaufman, na sua tentativa de adaptar ao cinema o livro de não-ficção The Orchid Thief. “Estava muito aberta a tudo o que tivesse que ver com orquídeas e nunca sabia quando algo me ia dar uma nova ideia”, diz Sofia Teillet. Aos poucos, a investigação acabou por suscitar-lhe comparações entre a vida sexual das orquídeas e a dos humanos, mas também, em traços mais gerais, acerca da relação que as pessoas estabelecem com as outras espécies e da forma como habitam o mundo e comunicam e se encontram com os outros.

Em Lisboa, pela primeira vez, Sofia Teillet vai apresentar A Vida Sexual das Orquídeas sem elementos de improvisação. Para poder ser legendado em português, o texto teve de ser fixado e escrito. Será um novo desafio. Tal como no início, quando nada sabia sobre orquídeas, vai sentir-se de novo em perigo. E esse é, talvez, o melhor rastilho para um espectáculo.

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