Machado de Assis, Rubem Fonseca e Franz Kafka censurados em estado brasileiro (que entretanto recua)

A Secretaria de Educação de Rondónia, no Brasil, ordenou que fossem recolhidas das escolas públicas 43 obras de autores clássicos e contemporâneos por considerarem conter “conteúdos inadequados às crianças e adolescentes”.

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O escritor Rubem Fonseca, quando esteve em Portugal para participar no Festival Correntes d'Escritas PP PAULO PIMENTA

Muitos em Portugal nunca terão ouvido falar do estado de Rondónia, no Brasil. Mas depois do que lá aconteceu nesta semana, não o vão esquecer. Na passada quinta-feira, dia 6 de Fevereiro, um documento da Secretaria de Educação de Rondónia mandava recolher 43 livros de escolas públicas do estado, entre os quais clássicos da literatura brasileira como Macunaíma, de Mário de Andrade, Os Sertões, de Euclides da Cunha, ou Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, por considerarem conter “conteúdos inadequados às crianças e adolescentes”.

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Muitos em Portugal nunca terão ouvido falar do estado de Rondónia, no Brasil. Mas depois do que lá aconteceu nesta semana, não o vão esquecer. Na passada quinta-feira, dia 6 de Fevereiro, um documento da Secretaria de Educação de Rondónia mandava recolher 43 livros de escolas públicas do estado, entre os quais clássicos da literatura brasileira como Macunaíma, de Mário de Andrade, Os Sertões, de Euclides da Cunha, ou Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, por considerarem conter “conteúdos inadequados às crianças e adolescentes”.

Mas da lista fazem também parte obras de autores como Franz Kafka (O Castelo) e Edgar Alan Poe (Contos de Terror de Mistério e Morte). E contemporâneos como Carlos Heitor Cony, Nelson Rodrigues, Caio Fernando Abreu ou os Prémios Camões Ferreira Gullar e Rubem Fonseca.

O memorando, que começou a circular nas redes sociais antes de chegar aos jornais, além de pedir aos coordenadores regionais de educação que procedessem à recolha dos livros, referia ainda “a importância dos senhores coordenadores estarem atentos às demais literaturas já existentes ou que chegam às escolas para uso nas actividades, a fim de que sejam analisadas e assegurados os direitos do estudante de usufruir do mesmo com a intervenção do professor ou sozinho, sem constrangimentos e desconfortos”.

À frente do Governo do estado de Rondónia está Marcos Rocha, um ex-coronel da Polícia Militar que se filiou no PSL quando este ainda era o partido de Jair Bolsonaro, agora Presidente do Brasil.

Da lista de 43 livros, 19 eram obras do escritor brasileiro de 94 anos, Rubem Fonseca, como Diário de Um fescenino, Bufo & Spallanzani, Secreção Excreções e Desatinos, Os Prisioneiros, Agosto, Amálgama, O Doente Moliére, A Coleira do Cão, O Seminarista, Histórias de Amor, O Buraco na Parede, Feliz Ano Novo, Calibre 22, Mandrake, A Bíblia e a Bengala, Lúcia Maccartney e Romance Negro e Outras Histórias. O Prémio Camões 2003 está editado em Portugal pela Sextante.

Só outro autor é alvo de uma censura ainda maior. É referido no fundo da lista: “Todos os livros do Rubem Alves devem ser recolhidos.” 

Havia oito obras de Carlos Heitor Cony (entre elas O Irmão Que Tu Me Deste, A Volta Por Cima, O Ventre, Rosa Vegetal de Sangue) e três obras de Nelson Rodrigues, editado em Portugal pela Tinta da China: A Vida como Ela É…, O Melhor de Nelson Rodrigues e Beijo no Asfalto.

“Missão abortada”

Num primeiro momento, o secretário de Educação do estado, Suamy Vivecananda Lacerda Abreu, disse à Folha de S. Paulo tratar-se de “fake news”, mas o jornal brasileiro confirmou que os documentos eram oficiais e estavam disponíveis no sistema de processos da Secretaria de Educação de Rondónia.

O secretário explicou depois, numa entrevista ao site G1, que foi devido a uma denúncia da existência de “palavrões” num dos contos de Rubem Fonseca no livro Amálgama que o caso estava a ser analisado pela área técnica do gabinete. Apesar de o seu nome constar no memorando, Suamy Lacerda de Abreu disse que não tinha conhecimento da ordem para recolher os livros. O documento é assinado electronicamente, mas pela directora Irany de Oliveira Morais.

Segundo a Folha de S. Paulo, circula uma nova mensagem para os coordenadores regionais de educação: “Missão de recolhimento dos livros abortada. Caso façam contacto com vocês sobre o tema, por favor, peçam que entrem em contacto com a CRE – Coordenação Regional de Educação”.

“Repúdio à censura”

A Academia Brasileira de Letras (ABL), através de um comunicado publicado no seu site, manifestou publicamente o seu “repúdio à censura” que atinge, uma vez mais, a literatura e as artes. “Trata-se de gesto deplorável, que desrespeita a Constituição de 1988, ignora a autonomia da obra de arte e a liberdade de expressão. A ABL não admite o ódio à cultura, o preconceito, o autoritarismo e a auto-suficiência que embasam a censura”, afirma a ABL no comunicado.

“É um despautério imaginar, em pleno século XXI, a retomada de um índice de livros proibidos. Esse descenso cultural traduz não apenas um anacronismo primário, mas um sintoma de não pequena gravidade, diante da qual não faltará a acção consciente da cidadania e das autoridades constituídas.”

Por sua vez, ao El País Brasil, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Antonio Dias Toffoli, disse: “Se um caso desses chegar ao Supremo, cai na mesma hora. É absolutamente inacreditável que no século XXI alguém tente censurar livros como esses”.

Depois da polémica o estado decretou-os como documentos sigilosos. E na sexta-feira, segundo o Estadão, o Ministério Público Federal brasileiro disse estar a investigar o caso e quer saber quem determinou o sigilo dos documentos.