O Cerco do Porto
Nem todos os lisboetas são benfiquistas. Nem todos os portuenses são portistas. Costuma-se até dizer que os “piores” adeptos do “Glorioso”, isto é, os mais ferrenhos, estão a 300 quilómetros a norte do “ninho das águias”. Há bastante verdade nisto: a proximidade do rival acicata antipatias. Perto da vista, perto da desconsideração. Há 200 anos, permitam-me o atrevimento, nem todos os que habitavam no Porto seriam liberais, mas a revolução, essa, fez-se à mesma, a partir da Invicta, aceite depois pelo país inteiro e consolidada com a conversão de Lisboa. Há 212 anos, mais coisa, menos coisa, os absolutistas cercaram o Porto durante um ano, com bombas a cair pela cidade, com a cólera, tifo e a perspectiva da fome a pairarem nas ruas, preparando o caminho da morte aos adversários, com as apostas na derrota dos ideais de 1820 em alta. Com a convicção do regresso do absolutismo. Pois bem, isso não viria a acontecer. Decerto que nem todos os que habitavam em Lisboa eram absolutistas, mas era no Porto que se sofria e foi o Porto que, depois de um ano de inferno, viria a liderar o país num dos momentos mais dramáticos e importantes da sua História.
É para mim bastante claro que o dramatismo ou a importância do futebol não pode, nem deve ser comparado ao da História de Portugal. Feito o aviso, posso então afirmar que o cerco ao Porto no que toca à “bola jogada” durou muito mais que um “simples” ano de inferno. Só foi levantado porque Pinto da Costa, em tom de desafio, se pôs a imitar a História, auxiliado pelos seus marechais de campo, como Pedroto, Artur Jorge ou Mourinho. Findo o cerco, escreveu-se assim uma nova Magna Carta, uma nova Constituição, uma nova maneira de se viver o futebol em Portugal (e lá fora, porque o FC Porto é um clube, acima de tudo, internacional). Retirava-se assim o poder ao senhor absoluto do futebol português: o Benfica. Ora, este atrevimento, esta revolução não agradou, nem agradará nunca, a quem queria para sempre manter o statu quo “absolutista” do rei Benfica, que, tal como D. Miguel, esperava vitória rápida, fácil e que a “festa” durasse por essa eternidade desportiva afora.
Facto: o FC Porto não tem estado bem esta época. As razões são muitas, nem sempre gerando o consenso dos portistas que estão, outro facto e de facto, desunidos. Mas ganhar, esmagar o absolutismo benfiquista que teima em diminuir os feitos do seu maior rival - sim, é o FC Porto, há dúvidas? -, a vitória neste clássico pode muito bem ser o tónico de que se necessita para a carga vitoriosa que relance a liberdade da verdade no futebol português, que não se pode, nem deve jogar a solo. Pode muito bem ser esta a inspiração de que Sérgio Conceição necessita para se encher de brio, desde que esse brio seja inteligente, com fair-play e digno do clube e do conceito que representa
Que esse exemplo tenha o condão de instilar a coragem, inspirar os seus lanceiros para derrotar o exército lisboeta que, neste momento, se apresenta mais motivado, mais forte, mais alimentado que o nosso. E assim queira a sorte, a táctica, as pernas e o talento que se repita a história de há 200 e tal anos, quando D. Miguel partiu o óculo com que observava a batalha, que achava já ganha, a partir da Senhora da Hora. Mas que este D. Miguel tenha bigode, o sobrenome Vieira e que o seu regresso a Lisboa, se for derrotado, pois que o FC Porto não tem outra hipótese senão a vitória, seja tão triste, desanimador e responsável activo por uma “revira-revolta” no campeonato que anda tão triste, tão cinzento, tão sensaborão, tão enganador sem o azul e branco vibrante.
Sem a nossa coragem para vencer, dar novos mundo ao mundo do futebol português, sem o medo mas com o profissionalismo vitorioso que deve sempre caracterizar o meu FC Porto. A sua história é evidente, a nossa psique ganhadora também e, mesmo que andando nebulosa por estes dias, tem aqui oportunidade de ouro para renascer e se multiplicar em golos neste clássico que vai ser nosso, num desporto que é de todos os portugueses e não só de alguns. Às armas!