É como se a UE tivesse um país inteiro de cuidadoras

Aos 25 anos de Pequim – Plataforma de Acção para e Igualdade, Desenvolvimento e Paz, a igualdade entre homens e mulheres continua longe de alcançada na União Europeia. A disparidade de distribuição de trabalho não pago é o grande entrave

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Uma idosa cuida de outras duas idosas Paulo Pimenta

Pode ser uma criança pequena, um adulto com uma condição ou uma doença incapacitante, um idoso mais ou menos dependente. Na União Europeia, há 7,7 milhões de mulheres e meio milhão de homens que estão fora do mercado de trabalho porque precisam de cuidar de alguém. Chegariam para formar a população de um país.

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Pode ser uma criança pequena, um adulto com uma condição ou uma doença incapacitante, um idoso mais ou menos dependente. Na União Europeia, há 7,7 milhões de mulheres e meio milhão de homens que estão fora do mercado de trabalho porque precisam de cuidar de alguém. Chegariam para formar a população de um país.

Esses números ressaltam no balanço que o Instituto Europeu de Igualdade de Género (EIGE na sigla inglesa) fez dos 25 anos da Pequim – Plataforma de Acção para e Igualdade, Desenvolvimento e Paz, adaptada por 189 países, incluindo Portugal. E servem de base à actual discussão sobre o que devem ser as prioridades e as orientações nesta matéria nos próximos cinco anos.

Uma das tarefas da EIGE é prestar assistência às presidências do Conselho da UE na avaliação e desenvolvimento dos indicadores estabelecidos no âmbito da Plataforma de Acção de Pequim. Desde 2010, já publicou cinco relatórios. Este último reconhece avanços (por exemplo, na participação das mulheres na política e nos conselhos de administração das grandes empresas), mas salienta que nenhum Estado-membro conseguiu alcançar os objectivos traçados. E que há novos desafios relacionados com o envelhecimento, as migração, as mudanças climática e o progresso tecnológico.

Disparidade laboral

Hoje, como há 25 anos, as mulheres tendem a correr maior risco de pobreza e exclusão social do que os homens. E há umas mais vulneráveis do que outras – por encabeçarem famílias monoparentais, por serem migrantes, por já terem atingido a idade da reforma, por exemplo.

Nos últimos 25 anos, cresceu de forma significativa a participação das mulheres no mercado de trabalho pago. Subsistem, todavia, grandes diferenças de género a esse nível. No espaço comunitário, o fosso é de 11%.

A origem dessa disparidade económica não é secreta: o trabalho (não pago) relacionado com a casa e com a família continua a penalizar muito mais as mulheres. Elas fazem, em média, mais 13 horas por semana. Para além de 7,7 milhões de mulheres e meio milhão de homens estarem fora do mercado de trabalho para cuidar de alguém, há 9 milhões de mulheres e 0,6 milhões de homens a trabalhar a tempo parcial por causa disso.

 “Não é uma opção”, enfatiza Ana Sofia Fernandes, secretária-geral da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres e vice-presidente do Lobby Europeu das Mulheres, a maior organização de mulheres do espaço comunitário “Elas vêem a sua carreira condicionada por os homens não assumirem a sua responsabilidade e pela impossibilidade de recorrerem a estruturas de apoio”, salienta.

Ao apresentar o relatório, Virginija Langbakk, que no próximo mês deixa de ser directora da EIGE, tem apontado para os estereótipos e os papéis tradicionais de género, mas também para a insuficiência de protecção social e para a escassez ou a carestia de serviços destinados a crianças, idosos e pessoas incapacitadas. Dentro da União Europeia, tem repetido, um sexto das famílias não vêm satisfeitas as suas necessidades com serviços para a infância. E um terço não tem o serviço de apoio ao domicílio de que precisa.

O problema não se esgota na exclusão total ou parcial do mercado de trabalho. As mulheres que o integram também não encontram igualdade. A disparidade nos salários alcança uma média de 16% na União Europeia. E cresce ao longo da vida, mais do que duplicando quando chega à altura de receber a pensão (34,8%).

Do princípio ao fim da vida

Tudo começa na infância. Embora os rapazes tendam a abandonar a escola mais cedo e as raparigas sejam mais susceptíveis de terminar um curso superior, elas continuam a estar sobre-representadas nas áreas associadas à prestação de cuidados, isto é, educação, saúde e trabalho social. Na tentativa de conciliar a vida profissional com a vida familiar e pessoal, amiúde as mulheres optam por trabalhos temporários, precários, que garantem pouca ou nenhuma protecção social e pior remuneração. E isso tem custos até ao fim da vida.

No documento que prepararam para a consulta sobre a estratégia europeia para a igualdade de género que há-de ver a luz do dia este ano, Philippe Seidel Leroy e Maciej Kucharczyk, da Age Platform Europe Policy Statement, lembram que as mulheres vivem mais tempo do que os homens e ganham menos pelo que são ainda mais afectados pelo elevado custo da prestação de cuidados, o que agrava de isolamento e a solidão. “Onde a saúde e os sistemas de cuidados de longa duração não estão acessíveis, é muitas vezes a família, incluindo pessoas idosas, que cuidam dos familiares dependentes”, referem, pedindo protecção social para os cuidadores informais, como apoio financeiro, créditos para o sistema de pensões, formação, acompanhamento, apoio ao domicílio. Em Portugal, só a partir de Julho os cuidadores informais deverão poder pedir que a sua condição seja reconhecida.

 “Os cuidados são a cola humana que faz as sociedades funcionarem” diz Ana Sofia Fernandes. “Cuidar e ser cuidada devia ser considerado um direito humano! Não é. Nós vivemos numa sociedade que também não nos deixa cuidar!”, insurge-se, referindo-se às longas jornadas de trabalho e à disponibilidade permanente exigida a diversos profissionais. 

A avaliação realça o contributo da prestação de cuidados para a economia. O problema, torna Ana Sofia Fernandes, é que “há uma transferência de recursos das mulheres para a economia que é invisível porque não entra nas contas públicas”. “Sabendo que o cuidado tem um valor económico, sabendo que é pernicioso para a participação das mulheres no mercado de trabalho, sabendo que se as mulheres participassem mais no mercado de trabalho a economia como um todo beneficiaria, é fundamental que haja um investimento, não só no que chamamos a infra-estrutura física, mas também na infra-estrutura social.”

Novas ameaças associadas à tecnologia  

Ana Sofia Fernandes esteve na conferência de alto nível organizada pela presidência finlandesa da União Europeia em Outubro e noutros eventos destinados a olhar para os últimos 25 anos. E saiu de lá convencida de que “este processo de revisão da implementação da plataforma de Pequim pela União Europeia é feito num momento-chave para o futuro da realização da igualdade entre mulheres e homens”. Para lá de uma nova Estratégia Europeia para a Igualdade entre Homens e Mulheres, está em cima da mesa o novo quadro financeiro plurianual (2021-2027).

A avaliação reconhece que as atitudes têm estado a mudar, mas reconhece que as gerações mais novas não estão imunes à desigualdade. Persistem desigualdades na educação. As raparigas inclinam-se pouco para as áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática. O alerta mais estridente deixado pelo relatório do EIGE prende-se com o reduzido número de mulheres que opta por estudar tecnologias da informação e da comunicação e para o ainda menor número que acaba por desenvolver uma carreira nesses sectores – só 17% dos especialistas desta área são do sexo feminino. 

Mas nem só de economia trata este olhar retrospectivo. Também de alterações climáticas, média e violência contra as mulheres. As velhas formas de violência doméstica e de género continuam a fazer vítimas. E emergem novas formas através da internet sobretudo quando ocupam posições de relevo – 80% das deputadas sabem bem o que é violência psicológicas, metade das jovens até hesita em participar em debates nas redes sociais com receio de abusos, um quinto das mulheres são afectadas pelo assédio online.