Antigo advogado da Casa Branca pode ser obrigado a testemunhar no Congresso

Don McGhan foi uma das principais testemunhas nas investigações do procurador Robert Mueller. Democratas acreditam que o seu testemunho no Congresso pode levar à abertura de um processo de destituição contra o Presidente Trump.

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O Partido Democrata quer reforçar os seus argumentos a favor da destituição do Presidente Trump Reuters/YURI GRIPAS

O Partido Democrata norte-americano pediu a um tribunal federal que obrigue o antigo principal advogado da Casa Branca, Don McGahn, a testemunhar no Congresso sobre as suspeitas de obstrução da Justiça contra o Presidente Donald Trump.

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O Partido Democrata norte-americano pediu a um tribunal federal que obrigue o antigo principal advogado da Casa Branca, Don McGahn, a testemunhar no Congresso sobre as suspeitas de obstrução da Justiça contra o Presidente Donald Trump.

A acontecer, a audição de McGahn na Comissão de Justiça da Câmara dos Representantes pode ser fundamental para que a liderança do Partido Democrata abra um processo de destituição contra o Presidente norte-americano.

No pedido que enviaram ao tribunal, na quarta-feira, os congressistas do Partido Democrata argumentam que a audição de McGahn é importante para uma tomada de posição sobre o futuro do Presidente norte-americano, e segue-se a um outro pedido, feito na semana passada, para terem acesso às provas analisadas por um grande júri durante as investigações sobre a interferência russa nas eleições de 2016 nos EUA.

“Don McGahn é o John Dean de Donald Trump”, disse aos jornalistas um dos advogados dos congressistas da Comissão de Justiça da Câmara dos Representantes, numa referência ao advogado da Casa Branca dos tempos do Presidente Nixon – nessa altura, o testemunho de John Dean perante o Congresso foi fundamental para a posterior queda de Nixon.

 Nos últimos dois anos, Don McGahn foi fundamental para as investigações da equipa do procurador Robert Mueller, sendo visto como a principal testemunha do relatório entregue em Março ao Departamento de Justiça.

Os congressistas do Partido Democrata querem que o advogado diga perante milhões de telespectadores, numa audição no Congresso, o que disse em segredo aos investigadores: que o Presidente Trump o pressionou várias vezes a afastar Robert Mueller e que depois o pressionou a negar essa ordem.

Em Maio, McGahn recusou-se a cumprir uma intimação do Congresso para testemunhar, depois de a Casa Branca o ter instruído a não colaborar com a Comissão de Justiça da Câmara dos Representantes.

Obstrução da Justiça?

Em causa estão as suspeitas de que algumas das decisões de Trump durante as investigações sobre a interferência russa nas eleições de 2016, lideradas pelo procurador especial Robert Mueller, tiveram como objectivo sabotar o trabalho dos investigadores.

Sabe-se que o Presidente norte-americano despediu o director do FBI que liderava essas investigações, James Comey, em Maio de 2017; que discutiu o possível afastamento do então responsável pelo Departamento de Justiça, Jeff Sessions, por este ter cedido a supervisão das investigações ao seu adjunto – que depois nomeou o procurador especial Mueller contra a vontade de Trump; e sabe-se também que o antigo principal advogado da Casa Branca diz que foi pressionado a demitir Robert Mueller.

O que não se conseguiu provar, até agora, é se todos ou algum daqueles passos do Presidente Trump foram dados com a específica intenção de sabotar a investigação – um crime de obstrução da Justiça que deixaria o Presidente exposto a um processo de destituição no Congresso.

No Verão de 1974, o então Presidente Richard Nixon foi acusado de obstrução da Justiça pela Comissão de Justiça da Câmara dos Representantes (e também de abuso de poder e desrespeito pelo Congresso), e só escapou ao afastamento do cargo numa votação final porque renunciou antes disso.

O Governo da Rússia desmentiu sempre qualquer interferência na campanha eleitoral para as presidenciais dos EUA em 2016, perante as conclusões em sentido contrário de todas as agências de serviços secretos norte-americanas, das investigações do procurador Mueller e das comissões da Câmara dos Representantes e do Senado. E o Presidente Donald Trump diz que as investigações do procurador Mueller são uma “caça às bruxas” lançada pelos políticos e funcionários do Departamento de Justiça, da era do Presidente Obama, que não aceitaram a sua vitória nas eleições.

No relatório final que enviou ao actual responsável pelo Departamento de Justiça, William Barr, o procurador especial Robert Mueller chega a duas conclusões: não encontrou provas de que alguém na campanha de Donald Trump tenha colaborado activamente com agentes russos para prejudicar a campanha da candidata do Partido Democrata, Hillary Clinton; e apresentou dez casos que, no seu entender, podem configurar crimes de obstrução da Justiça.

Mas essas duas conclusões têm duas ressalvas, porque a investigação do procurador especial é criminal – ou seja, as suas conclusões têm de ser apoiadas por provas que resistam a um julgamento nos tribunais comuns.

Nesse sentido, seria preciso encontrar, por exemplo, documentos em que as duas partes se comprometiam a colaborar para interferir nas eleições, gravações áudio ou vídeo, ou denúncias dos intervenientes, sustentadas com outro tipo de provas. E, mesmo que isso acontecesse, a equipa de Robert Mueller sabia que não poderia sugerir uma acusação criminal contra o Presidente dos EUA: segundo a interpretação do Departamento de Justiça, nunca desafiada no Supremo Tribunal, um Presidente em exercício não pode ser levado a tribunal, pois isso poderia limitar de forma desproporcional a sua capacidade para desempenhar o cargo.

Quanto às suspeitas de obstrução da Justiça, o relatório do procurador Mueller limita-se a apresentar dez casos em que a intervenção do Presidente Trump pode ter prejudicado as investigações, mas diz que deles não pode tirar nenhuma conclusão sobre se são suficientes, ou não, para uma acusação criminal. Também neste caso foi fundamental o facto de estar em causa um Presidente dos EUA – Mueller disse que a sua equipa decidiu, logo à partida, que não iria recomendar uma acusação formal contra o Presidente em nenhuma situação, em cumprimento da posição do Departamento de Justiça sobre a imunidade dos Presidentes em exercício.

Decisão política

As discussões sobre a possibilidade de um processo de destituição passaram então para o Congresso, que não precisa de apresentar provas concretas em tribunal para remover um Presidente do cargo. Como é um processo político (o Presidente é acusado na Câmara dos Representantes e julgado no Senado), é preciso que haja um sentimento no país de que o Presidente tem de ser afastado, para que os congressistas se sintam legitimados para dar início ao processo.

Neste momento, as sondagens indicam que a maioria dos eleitores norte-americanos não apoia a abertura de um processo de destituição, pelo menos com os indícios disponíveis até agora.

Para que um Presidente dos EUA seja removido do cargo, é preciso que a Câmara dos Representantes aprove, por maioria simples, um processo de acusação, e que depois o Senado o condene com uma maioria de dois terços.

Olhando para a actual configuração do Congresso, é difícil que isso aconteça: o Partido Democrata tem votos suficientes para lançar um processo de destituição, mas enfrenta uma derrota mais do que certa no Senado, onde o Partido Republicano está em maioria.

É por isso que a possível audição do antigo advogado principal da Casa Branca pode ser essencial para essa decisão, e é vista como a última grande hipótese do Partido Democrata para convencer a opinião pública de que o Presidente Trump tem de ser afastado.

A outra grande hipótese foi a audição, em Julho, do próprio procurador especial. Mas as respostas de Robert Mueller, coladas ao relatório e sem nenhuma grande novidade, não fizeram mexer os ponteiros do impeachment.