O gelo da Islândia é um íman que atrai cada vez mais portugueses

Em 2018, houve menos gente a emigrar para a Islândia. Em sentido oposto, o número de portugueses a chegar à ilha glaciar aumentou pelo oitavo ano consecutivo. À boleia do boom turístico, os portugueses procuram trabalhos na hotelaria e restauração — muitas vezes com formação superior exigida. Porque “compensa”.

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Luciano Braga/Unsplash

Não é mentira: há um pouco de Alentejo no Sul da Islândia. O frio e o vento glaciares podem trocar as voltas a por quem lá anda, mas, diz João Vinte e Um, há mesmo um fundo de verdade nisto: “Faz-me lembrar a cultura da aldeia. É tão remoto viver no campo, aqui na Islândia, como em alguns sítios do Alentejo.” A “semelhança social” que o chef de 32 anos aponta pode “ser um pouco moldada pela paisagem”. Vive em Reiquejavique há um mês e meio, mas chegou àquele país há dois anos. Até à mudança para a capital, a vida na ilha do gelo tinha como pano de fundo “o campo” — mais precisamente Hof — onde era guia turístico e conduzia um barco no lago glaciar Fjallsárlón, um postal ao vivo com icebergues a olhá-lo de frente.

Não é o único dos entrevistados pelo P3 (já os vamos conhecer) que reconhece parecenças entre dois países tão distantes, mas as diferenças também se fazem notar. E todos realçam: apesar de não ser “assim tão fácil”, viver na Islândia é bom. Porque algo terá de justificar as estatísticas relativas à emigração lusa para a ilha nórdica em 2018: 332 portugueses entraram no país em 2018, sendo este o “valor mais elevado dos últimos 12 anos”, como se lê num relatório do Observatório da Emigração, fundamentado nos dados da Statistics Iceland.

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João Vinte e Um, na Islândia Rui Dias Monteiro

E os portugueses “remam” em direcção ao Mar da Noruega, deslizando sobre uma corrente em sentido contrário: a percentagem de imigração total na Islândia desceu (e isso já não acontecia “desde 2011”), mas, “no caso da originária de Portugal”, cresceu 23%. É o oitavo ano consecutivo que a percentagem sobe. Nas três centenas de novos emigrantes, encontra-se Inês Pereira. Está a leste, em Höfn, aonde chegou pela primeira vez em Julho de 2018, “dez dias depois do último exame” da sua vida. Licenciou-se em Jornalismo e decidiu que era tempo de tirar um ano “de pausa, mas à portuguesa”: trabalhar no estrangeiro “com um salário digno para poupar o suficiente”. Regressou a Portugal três meses depois, mas em Fevereiro último voltou à Islândia.

“A trabalhar num serviço, aqui, consigo ter poupanças que nunca conseguiria em Portugal. Compensa. Não era uma opção para mim estar em Lisboa num estágio”, explica a portuense de 21 anos. Serve às mesas, é recepcionista e ajuda nas limpezas numa guesthouse. Tal como João, quando este era guia turístico, não paga “casa nem comida no horário de trabalho”. É que em zonas mais remotas, nos ‘Alentejos’ gelados da Islândia, há “falta de trabalhadores” e os imigrantes são aposta certa.

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Inês Pereira

Resposta definitiva para o fenómeno em pequena escala não há, mas alguns factores ajudam a explicar o “charme” islandês para lá da beleza natural da ilha. Helga Lára Guðmundsdóttir, do Consulado Honorário de Portugal na Islândia — não há “representação diplomática portuguesa permanente” —, traça, primeiro, o perfil: “Quase todos são jovens, com idades entre os 25 e os 40 anos.” Hoje, há 1380 portugueses a viver na Islândia. Vão por “motivos laborais” e trabalham, sobretudo, “no negócio das viagens, hotéis, restaurantes, engenharia, pesca e construção”. Inês refere que a “maior parte dos emigrantes do Sul da Europa têm cursos superiores” e, mesmo assim, apostam noutras áreas que não as da sua formação. “Penso que a área da restauração e hotelaria seriam as melhores para encontrar trabalho na Islândia nos dias de hoje. No entanto, tivemos um decréscimo de 20% de turistas entre 2018 e 2019”, aponta a fonte do consulado, algo que pode contrair a economia islandesa. O colapso da companhia aérea Wow Air agravará o cenário. Ainda assim, os trabalhos de Verão contribuem para aumentos nas vagas: estima-se que existam “6200 vagas de trabalho” de Maio a Agosto deste ano, face às 3500 dos primeiros quatro meses de 2018, refere um relatório da Statistics Iceland.

Falar inglês chega?

“O Verão aqui não passa dos 20 graus, mas para os islandeses é óptimo”, aponta Ana Paiva. O tempo tem vindo a aquecer. Por isso, as estradas não estão cortadas e o isolamento — a influência da paisagem e do terreno que João vê nos costumes de cada povo — derrete com a neve. Seguimos para a capital, onde Ana aterrou em 2017. “O maior choque foi o vento. É gélido, mesmo”, diz, recordando o dia da chegada. “Vim para o Verão e levei com neve em Maio!” Neste momento, está desempregada e “à procura de outra coisa”. “Emprego não falta, a questão é encontrar o que nós queremos”, ressalva a vimaranense de 34 anos, formada em Comunicação Empresarial. Foi uma das afectadas pela falência da Wow Air, onde trabalhou “nas operações de voo”.

Na empresa, reparava que os “postos de direcção e as promoções eram para os islandeses”, ou, pelo menos, para quem falasse a língua, que não é o seu caso. Mesmo assim, Ana, João e Inês não têm dúvidas: “Na Islândia, toda a gente fala inglês.” Contudo, num país com pouco mais de 350 mil habitantes, faz-se para que a língua não caia no esquecimento. “Há projectos de manutenção e incentivo”, indica Ana, que acrescenta: “Eles tentam passar a sua cultura e acolhem bem. Só que, por vezes, dizem que vão ao supermercado e não há quem fale islandês.” João nota que a língua “é muito complicada”, tendo vindo a ser simplificada pelos islandeses mais jovens: “É muito por causa da Internet. Os mais velhos falam um islandês perfeito, mas os putos não.”

“Muitas das pessoas que decidem ficar aqui aprendem islandês através de cursos”, diz Helga Lára Guðmundsdóttir, uma vez que “é obrigatório frequentá-los caso queiram candidatar-se à cidadania islandesa”. Só é possível fazê-lo passados sete anos, mas, até lá, utilizam o Kennitala, o documento de identificação para estarem “inseridos no sistema”. “Aqui as coisas não são nada burocráticas”, repara Inês. “Pensei que ia andar três meses a tratar de tudo, mas numa semana estava resolvido”, acrescenta.

Hugo Borges, de 39 anos, seguiu os passos à namorada, Maria Costa, e foi para a Islândia. No segundo dia naquele país, conseguiu emprego. “Foi bastante fácil, mas tivemos sorte”, conta Maria, de 30 anos, a viver na capital desde 2015. Natural da Trofa, trabalha numa empresa farmacêutica. Não emigrou pelo trabalho, mas sim para fazer o doutoramento na área da Microbiologia. Quando começou a trabalhar, reparou que, na empresa, a comunicação deixou de ser em islandês. Uma prova de simpatia: “Se não conhecerem a pessoa, [os islandeses] são um pouco distantes. Demoram a ser mais calorosos, mas são muito simpáticos.”

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Maria e Hugo

Este é um país feliz

O casal divide casa no centro de Reiquejavique, “onde os preços são altos”. Mais barato, só na periferia. “Não posso dizer que ganho bastante, mas é o suficiente para nunca ter tido problemas financeiros.” Num país movido a energia hidroeléctrica e geotérmica, a água das torneiras sai quente na capital — e não se paga. O valor das restantes facturas “é consideravelmente barato”. Ainda assim, Maria avisa: “Não se podem comparar, por exemplo, os preços do supermercado. O nível de vida e os salários são superiores a Portugal, logo, os produtos serão mais caros.”

João, que deixou o Sul da Islândia, onde não pagava contas nem casa, também é da opinião de que a renda na capital é cara. E, ainda assim, recebe menos em Reiquejavique do que em Hof. “Com o salário que eu ganho, no campo, fazemos o que queremos. Na cidade, dá para ter uma vida fixe. Se quisermos juntar dinheiro, não aproveitamos tanto; caso contrário, fazemos uma boa vida.” E, segundo o Relatório Mundial sobre a Felicidade da ONU, este é o quarto país mais feliz do mundo. Também é apontado como pioneiro no combate à desigualdade de género: é a primeira nação a multar empresas que paguem mais a homens do que a mulheres. Ana reconhece-o: “Nota-se muito. Mesmo em aspectos como ver homens e mulheres a trabalhar em escolas e creches, que não existe tanto em Portugal.” 

Com vontade de seguir a tendência e emigrar para a ilha dos vulcões e dos géisers imprevisíveis? A representante do consulado honorário adverte: “Não acredito que a Islândia mantenha este crescimento de imigrações por muito mais tempo”. “Estamos a enfrentar uma subida do desemprego pela primeira vez em um ano, com 2,8% em Fevereiro”, acrescenta. Mas há quem não se deixe assustar. Como Ana Nakov, de 23 anos, de Lisboa, que estudou na Islândia por três meses. “Apaixonei-me pelo país aos poucos, sem sequer pôr lá os pés”, conta. Foi através de documentários que descobriu os encantos da ilha gelada. Gaba-lhe “a tecnologia de ponta dos laboratórios da universidade” por onde andou, já que estuda Ciências Farmacêuticas.

Ana Nakov
Vista da casa de Ana Nakov, em Breiðholt
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Ana Nakov

“Quando estive lá, fui realmente feliz. Não senti o stress que sinto em Lisboa.” Sente falta das piscinas municipais, local de convívio pós-trabalho, do frio e até da hora de autocarro que fazia de casa para a universidade. Em 2020, após apresentar a tese, gostaria de voltar. Não para encontrar um pouco de Portugal por lá, mas para se encontrar. “Estou na idade certa para fazer isso.” Deixa escapar algo que lhe saltou à vista: “Não fazem tantos pratos de bacalhau como os portugueses”. Para quem for fã das mil maneiras de se confeccionar o peixe e quiser mudar-se para lá, fica o aviso.

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