O concerto imaculado dos The Cure na abertura do Nos Alive

Os ingleses eram a grande atracção e não desiludiram: coroaram com uma actuação exemplar a primeira de três noites do festival, que teve em Ornatos Violeta, Mogwai, Linda Martini ou Jorja Smith outros destaques.

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Esteve tudo no sítio. A definição do som. A presença cénica eficaz. O desempenho dos músicos. E o alinhamento, capaz de agradar aos admiradores mais dedicados e aos que só querem ouvir os sucessos. Não foi daqueles concertos transcendentes, que criam espanto, mas foram imaculados os The Cure na primeira das três noites do festival Nos Alive.

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Esteve tudo no sítio. A definição do som. A presença cénica eficaz. O desempenho dos músicos. E o alinhamento, capaz de agradar aos admiradores mais dedicados e aos que só querem ouvir os sucessos. Não foi daqueles concertos transcendentes, que criam espanto, mas foram imaculados os The Cure na primeira das três noites do festival Nos Alive.

O público, esse, percebeu-se desde o primeiro momento, quando começaram a ser exibidas nos grandes ecrãs imagens da assistência das primeiras filas, era transgeracional, com pais e filhos aliados na devoção. Não se viram magotes de pessoas com indumentárias pretas, de olhos pintados de negro, colares e penteado gótico, a imagem de marca de Robert Smith, mas percebeu-se que os Cure eram os mais desejados da noite.

Mais de 40 anos depois de terem começado, são a típica banda que faz do palco a sua razão de existir. E apesar de serem cabeças-de-cartaz de grandes festivais mantêm um certo estatuto de culto. É isso que lhes permite criar um espectáculo sem cedências de gosto duvidoso, acreditando no potencial das canções e no lastro que foram deixando.

Logo à primeira, Shake dog shake, mostraram ao que vinham, com o som robusto, o balanço rítmico persuasivo, o baixo puxado para cima e a voz reconhecível de Smith a dominarem as operações. Depois veio uma mão cheia daquelas canções densas que não estão lá para se exibir (Burn, Fascination street, Never enough ou Push) mas para instituir o ambiente de exigência que se iria seguir; apareceram entrecortadas por dois daqueles momentos de sensibilidade pop (In between day e Just like heaven) que os Cure foram sendo capazes de arquitectar ao longo da carreira.

Ao longo de duas horas e dez minutos, foi quase sempre assim, com a banda a alternar quadros de maior complexidade com as canções que quase toda a gente conhece –​ sempre numa postura empática, mas não efusiva. O baixista Simon Gallup é o único que percorre o palco de lés-a-lés. O guitarrista Reeves Gabrels e o teclista Roger O’ Donnel mantêm-se estáticos. E Smith é igual a si próprio, representando as canções com a voz e os trejeitos inocentes de sempre, enquanto toca guitarra de forma criativa. Apenas por duas ou três vezes caminha pela amplitude do palco, sem guitarra, para satisfação de quem se encontra nas extremidades.

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Robert Smith, o líder dos The Cure ANDREIA GOMES CARVALHO

Há também momentos mais atmosféricos, como From the edge of the deep green sea e o crescendo sensível de uma das melhores da noite, Pictures of you, do álbum Disintegration, que faz agora 30 anos, com muita gente emocionada na assistência e os ecrãs a mostrarem lágrimas nas primeiras filas. Just one kiss, Lovesong ou A night like this, foram outras das que provocaram maior satisfação entre o público, com muitos ingleses e espanhóis misturados na multidão. Depois, os Cure mostraram alguns dos temas que perduram da sua fase mais sombria e climática, com destaque para o excelente A forest, com o minimalismo rítmico de bateria e baixo em evidência, e essencialmente para One hundred years, voz, teclados e ritmo sincopado num crescendo emocional, num dos momentos mais intensos da noite.

O encore, como seria de esperar, serviu para fazer a festa com a multidão, com Lullaby, Caterpillar, Friday I’m in love – toda a assistência em delírio –, Why can’t I be you? e, na conclusão, Boys don’t cry, que se canta a plenos pulmões em uníssono.  Foi assim. Sem histrionismos, nem facilitismos estéreis. Um concerto exemplar de um grupo que continua a confiar no poder de comunicação da sua música. E com muita gente a acreditar nela.

O alvoroço dos Linda Martini, o carisma dos Ornatos Violeta

Cerca das 2h30 da madrugada, quando os The Cure deram por encerrado o seu concerto, corria uma aragem agradável no recinto. Mas às 18h, quando os portugueses Linda Martini abriram o palco principal, o ar quente era quase irrespirável. Ainda assim, foram de uma generosidade inquebrantável, mostrando a energia, o nervo e o alvoroço emocional de sempre. Já o dissemos antes e voltamos a repetir: não se percebe por que é que não são alvo de maior aposta nos grandes festivais (a excepção, vénia seja feita, aconteceu no ano passado em Paredes de Coura). Esta quinta-feira, em Algés, mereciam ter tocado numa hora mais favorável. Têm tudo. Vão da quase introspecção ao embate colectivo num ápice, para além de terem também canções de ressonância geracional como Amor combate ou 100 metros sereia

Esperemos que não lhes aconteça o mesmo que aos Ornatos Violeta, que precisaram de duas ressurreições – em 2012 e em 2019 – para beneficiar desse tipo de desafio. Agora estão a desfrutar do momento, e fazem bem, celebrando os 20 anos do álbum O Monstro Precisa de Amigos, que marcou quem os acompanhou nessa altura, mas não só, porque nitidamente existe uma geração mais recente que se mostra persuadida por eles.

Começaram por homenagear os Xutos & Pontapés, com uma versão de Circo de feras, instituindo de imediato uma relação de proximidade com o público, mas não foi um concerto fácil, o de Manel Cruz e companhia. O álbum-efeméride foi tocado na íntegra, notando-se a influência que os Radiohead detinham na sonoridade do grupo nessa época, e, se é verdade que algumas canções conquistaram (de ChagaCapitão romance), outras mais sofisticadas parecem ter-se perdido um pouco, talvez por serem menos imediatas. O que se sente, isso sim, é o enorme prazer que têm em estar em palco juntos, com Manel Cruz a revelar o carisma de sempre, na interpretação de temas como Há-de encarnar ou Pára-me agora, cantados em conjunto por um público que sabe as letras de cor.

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Manel Cruz revelou o carisma de sempre com os seus Ornatos Violeta ANDREIA GOMES CARVALHO

Outros veteranos, os escoceses Mogwai, dividiram as hostes. Muita gente aproveitou para deambular por outros palcos ou jantar. Mas quem ficou não se arrependeu: som alto e potente, vagas de ruído ondulante e figuras rítmicas minimalistas na senda do krautrock (não por acaso, um dos músicos tinha uma t-shirt dos alemães Neu!), numa acumulação de elementos instrumentais que para alguns resulta em bocejo, e para outros – estamos com estes – instaura um espaço de celebração hipnótico que contém elementos clássicos do rock mas cria um ambiente que vai além deste.

Para um público mais adolescente, dois nomes se destacaram: o da americana Jorja Smith e da sueca Robyn. A primeira navega pelos meandros da soul, do R&B e do hip-hop, com uma voz quente e sedosa, surgindo acompanhada por excelentes músicos. Falta-lhe maior arrojo, ir além de modelos reconhecíveis; de resto, está lá tudo. Tem voz, presença e um já alargado grupo de fiéis que lhe presta vassalagem. O mesmo acontece com Robyn, autora de uma vitaminada pop electrónica que foi conquistando o globo. Só vimos um pouco do seu concerto, o suficiente para percebermos que foi uma das vencedoras do primeiro dia de um festival em que ainda se destacaram o jazz segundo Ricardo Toscano, ou a americana Sharon Van Etten, bem mais próxima da impetuosidade rock do que da tranquilidade folk que também se lhe reconhece dos discos.

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Jorja Smith, acompanhada por excelentes músicos, exibiu a sua voz quente e sedosa ANDREIA GOMES CARVALHO

Esta sexta-feira o festival prossegue com Vampire Weekend, Gossip, Primal Scream, Grace Jones, Perry Farrell, Johnny Marr ou a banda que recria canções de António Variações, a única que se apresenta em todos os três dias do evento.