PS quer discriminação positiva para negros e ciganos

Partido não descarta a hipótese de vir a ter quotas étnico-raciais, admite Rui Pena Pires, membro da comissão permanente. Medida é polémica entre socialistas. Listas do PS deverão ser mais diversas, com a presença de várias pessoas afrodescendentes, ciganas e de outras origens em lugares elegíveis para deputados.

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ricardo campos

O Partido Socialista tem no seu projecto de programa eleitoral para as legislativas de 2019 a adopção de medidas de discriminação positiva para combater o racismo e a xenofobia. Isto significa que não descarta a hipótese de vir a ter quotas étnico-raciais, admite Rui Pena Pires, membro da comissão permanente que contribuiu para o documento. Entre os socialistas a possibilidade de quotas é polémica, referiu.

As medidas são propostas pela primeira vez num programa eleitoral do PS – que ainda está em preparação e discussão pública – em que se elenca, de também de forma inédita, o objectivo de combater o racismo e a xenofobia separado das questões das migrações.

Entre as várias medidas concretas, e algumas mais generalistas, os socialistas escrevem que irão “desencadear processos de discriminação positiva que corrijam a falta de diversidade no espaço público”. Rui Pena Pires afirmou: “Não implica quotas, mas também não as inviabiliza”. As listas do PS deverão ser mais diversas do que até agora, com a presença de várias pessoas afrodescendentes, ciganas e de outras origens em lugares elegíveis para deputados, acrescentou.

Neste caso, “em rigor”, trata-se de “quotas”, exemplificou, embora não administrativas, porque o princípio não está na lei, apesar de ser aplicado. “Todos os partidos estão a discutir como vão fazer as listas. Quando um partido diz que não podemos deixar de ter pessoas de Viana do Castelo está a introduzir uma quota informal. Os partidos já têm que assegurar a paridade de género e começam a perceber que têm que assegurar a representatividade das diferentes origens étnico-raciais” que existem em Portugal.

Pena Pires foi um dos membros do Grupo de Trabalho que estiveram a estudar a introdução de uma pergunta sobre origem étnico-racial no Censos 2021, mas sempre se manifestou contra. A medida foi chumbada pelo INE recentemente.

O sociólogo não defende necessariamente as quotas administrativas para corrigir as desigualdades étnico-raciais, mas admite que elas sejam usadas nos casos em que não existam alternativas. “Devem ser usadas com parcimónia e com prazos de validade”.

As medidas de discriminação positiva sugeridas no programa eleitoral do PS são, por enquanto, genéricas, porque “ninguém discutiu” como é que se concretizam, algo que só poderá ser especificado no programa do Governo, afirmou. 

Quotas não implicam grandes mudanças

Algumas quotas não implicam sequer grandes mudanças, acredita, precisam apenas de “decisão” política. É o caso de um modelo testado em outros países, como a obrigatoriedade de os melhores alunos de cada escola, independentemente da sua nota final, terem acesso à universidade. “Isto tem tido um impacto muito grande, sabemos que há populações que estão territorialmente segregadas e isso tem consequências. Se fizermos uma política de alargamento de acesso ao ensino superior já resolvemos parte do problema. Não faz sentido ter um ensino público virado para os melhores alunos mas sim para todos os que têm as condições mínimas para entrar.”

Outros exemplos passam por medidas que “permitam uma visibilidade pública da diversidade”, que “não existe na política nem nos media” — e na televisão em particular, afirma. A “pressão” pública sobre os partidos será “fácil” de executar afirmou, pois neste momento “os que ignorarem este assunto serão penalizados”, acredita. “Como a escolha de candidatos é feita dentro dos partidos, têm que ser os próprios a decidir. A direita tem um dilema, porque é mais fácil fazer estas escolhas quando os partidos estão a crescer”, analisa.

O sociólogo acredita que as mudanças deste nível, como em relação à paridade de género, não acontecem por causa de “preconceitos”, mas porque “quem está não quer sair”. “É preciso encontrar formas que facilitem a resolução deste problema.”

Para Pena Pires esta preocupação dos partidos deve-se ao facto de hoje o “racismo ter uma visibilidade maior”, por isso “há uma maior disponibilidade da parte dos partidos da esquerda em responder aos problemas que estão para além da desigualdade social”. “Na prática, até hoje houve programas que atacaram a sobreposição entre racismo e desigualdade, mas deram pouca atenção àquilo que é especificamente discriminatório e que passou a ter uma visibilidade.” 

A medida não surge da constatação de um crescimento destes fenómenos, mas de uma “maior intolerância” para com a discriminação, acredita. “Hoje o debate sobre racismo e xenofobia tem um impacto na vida social e política que não tinha”, afirma. Para isso, acredita, contribuíram os vários debates que emergiram ou a ocupação do espaço público por várias associações de afrodescendentes.

Racismo em organismo à parte

O combate ao racismo e xenofobia aparece, assim, no capítulo do combate às desigualdades: “Portugal continua a ter problemas de racismo e xenofobia que precisam de ser mais bem conhecidos, enfrentados e combatidos. De facto, (…) persistem comportamentos discriminatórios na sociedade portuguesa, por vezes em contextos institucionais. Por outro lado, existe uma sobreposição entre desigualdade e racismo, em especial em territórios marginalizados, que facilita e naturaliza o preconceito e que contém um potencial grave de corrosão da coesão social e nacional.”

O partido propõe-se, então, “promover, sem hesitações, o princípio da igualdade e não discriminação, assegurando o seu cumprimento no plano legal e, sempre que necessário, acelerando a sua aplicação efectiva com a aplicação de medidas de discriminação positiva”. “Particularmente importante neste domínio é a criação de condições para uma maior visibilidade e intervenção dos portugueses de origem africana e cigana.”

O PS quer que o combate à discriminação seja tratado no mesmo plano das questões da igualdade de género, explica o sociólogo, e que seja criado um observatório do racismo e da discriminação junto a uma universidade. Outras medidas: combate à segregação “directa e indirecta” das crianças afrodescendentes e ciganas dentro do sistema educativo, “criando critérios que garantam o fim de escolas ou turmas exclusivamente com crianças de minorias étnico-raciais” e do seu “encaminhamento” para percursos escolares alternativos; criar apoio a jovens ciganos para continuarem o percurso escolar no ensino secundário; desenvolver, na habitação, apoios às comunidades ciganas e afrodescendentes para contrariar fenómenos de guetização étnico-racial; fazer projectos no âmbito da “polícia de proximidade” nos bairros onde existe “grande diversidade étnico-cultural. 

Certo é que o tema do racismo e da xenofobia vai estar na agenda durante estas eleições. Também o Bloco de Esquerda terá um “capítulo” dedicado ao racismo, embora não queira ainda avançar com pormenores. 

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