Já se pode andar pela primeira casa do imperador Nero, entre fontes e latrinas

Palácio foi construído no Monte Palatino há quase 2000 anos e sucumbiu ao grande incêndio de Roma, para muitos ordenado pelo próprio Nero, certamente uma das figuras mais controversas do império romano. As suas ruínas não eram, até aqui, visitáveis.

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Visitantes no espaço comunitário com as 50 latrinas EPA

Sentado num trono de mármore sob um toldo de seda, embalado pelo rumor das águas que correm de uma série de fontes alinhadas à sua frente. Em volta, colunas e paredes ricamente decoradas marcam uma sucessão de espaços concebidos para fugir ao calor do Verão. Alguns dos tectos adornados com cenas saídas da Guerra de Tróia lembram a quem chega que o dono da casa acredita ser descendente de Eneias, um dos heróis lendários deste conflito.

É assim que os arqueólogos hoje imaginam o imperador Nero na sua primeira residência em Roma, um palácio com 800 m2 cujas ruínas foram agora abertas, depois de intensamente restauradas ao longo dos últimos dez anos.

A Domus Trasitoria, assim se chamava por permitir que Nero atravessasse (“transitasse”) a área entre o monte Palatino, a mais antiga das sete colinas da cidade, com vista para o Fórum e onde a partir do tempo de Augusto passaram a ser construídos os palácios imperiais, e o Esquilino, a mais alta de todas elas.

Este palácio extremamente luxuoso mesmo para os padrões de Roma, já de si elevados no que à opulência dos seus governantes dizia respeito, tinha, de acordo com relatos próximos da época, paredes decoradas a folha de ouro, com pedra preciosas e madrepérola, mosaicos, mármores embutidos de várias cores e frescos, muitos frescos (algumas das pinturas dos tectos estão hoje no Museu Palatino, ali ao lado).

Há quase dois mil anos, esta residência foi construída de forma a que o imperador pudesse resguardar-se das altas temperatura de Verão, dizem os arqueólogos. E foi precisamente numa noite de Verão — 18 de Julho de 64 — que ficou destruída. Esta é a data do grande incêndio de Roma, que reduziu praticamente toda a cidade a escombros, enquanto, reza a lenda a que agora a Agência France-Presse (AFP) faz referência, Nero (37-68) tocava violino ou lira.

O imperador não perdeu tempo e, de imediato, idealizou um palácio ainda mais sumptuoso, entre vinhas e pastagens, a que não faltavam, sequer, um bosque e um lago artificial — a Domus Aurea, um verdadeiro complexo.

Uma das áreas mais bem conservadas do palácio agora reaberto destinava-se, muito provavelmente, aos escravos e outros trabalhadores encarregados da construção da nova casa do imperador, ali bem perto. Trata-se de uma casa-de-banho comunitária com 50 latrinas. O espaço, atravessado por um pequeno canal por onde correria água que era usada para molhar as esponjas que cumpriam a mesma função que hoje tem o papel higiénico, tem as paredes pintadas de vermelho, descreve a AFP.

“Pode parecer estranho, mas estas áreas comunitárias com latrinas eram vistas como espaços de socialização, onde as pessoas conversavam”, disse ao diário britânico The Telegraph o arquitecto Stefano Borghini, um dos membros da equipa de restauro.

Lembram os jornais que agora dão conta da reabertura que a rapidez com que Nero, imperador aos 16 anos, se empenhou na construção da Domus Aurea ajudou a consolidar os rumores de que teria sido ele a ordenar que incendiassem Roma. Nero, por seu lado, usou o incêndio para castigar a comunidade cristã, que perseguiu. Os que foram dele considerados culpados acabaram executados de formas violentíssimas, como seria de esperar em se tratando de um dos mais sanguinários imperadores romanos (terá estado envolvido na morte da mãe, do meio-irmão e da primeira e segunda mulheres, por exemplo): uns foram crucificados, outros queimados e outros ainda desmembrados para alimentar os cães.

O palácio é recriado em duas instalações vídeo a que os visitantes têm acesso, assim como numa reconstituição 3D em realidade virtual. “O visitante vai experimentar, graças à realidade virtual, o génio arquitectónico do imperador”, garantiu aos jornalistas a directora do complexo arqueológico que inclui este palácio e o Coliseu, entre outros equipamentos, Alfonsina Russo. “Nero quis criar aqui uma atmosfera que espelhasse a sua ideologia, a de um governante absoluto, a de um monarca absoluto”, acrescentou, aqui citada pelo Daily Mail e pela agência de notícias Associated Press. “É um reflexo da personalidade daquela que é uma das figuras mais controversas do império romano”, disse ao Telegraph.

Mais tarde quase todas as colunas e o mármore do chão desta Domus Transitoria foram reutilizados para construir as termas de outro imperador, Trajano. Os vestígios da primeira casa de Nero foram descobertos no século XVIII, mas não eram, até aqui, acessíveis ao público.

As visitas guiadas à Domus Transitoria, de sexta a segunda-feira, são para 12 pessoas de cada vez.

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