Deputados estrangeiros na Assembleia da República? Já!

A ideia seria garantir que não acontecem novas golpadas de última hora, como a que ocorreu no lobbying.

A ideia não é propriamente minha. Inspirei-me nas declarações de Rui Santos na SIC Notícias, quando afirmou, na terça-feira passada, que "o campeonato português precisava de árbitros estrangeiros nesta fase final".

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A ideia não é propriamente minha. Inspirei-me nas declarações de Rui Santos na SIC Notícias, quando afirmou, na terça-feira passada, que "o campeonato português precisava de árbitros estrangeiros nesta fase final".

Na Assembleia da República também me parece que precisamos de deputados estrangeiros na fase final da aprovação dos diplomas legislativos. Não seria para estarem em S. Bento todo o ano. Seria muito caro. A ideia era chamá-los quando nos aproximássemos das votações em projectos de lei que tocassem, ainda que ao de leve, nos interesses dos nossos deputados.

A ideia seria só a de garantir que não aconteciam golpadas de última hora, como recentemente ocorreram nos projectos de lei relativos ao lobbying e às incompatibilidades dos deputados, esvaziando de significado todo o trabalho – pouco, é certo... –​ que tinha sido feito, ao longo de anos, no sentido de responder a um vago desejo de moralização da vida pública.

Como recentemente dizia um lobista ao PÚBLICO, lobbying define-se na sua essência como a capacidade de influenciar o poder político numa fase prévia à decisão política. Pode, assim, dizer-se que o lobbying é inerente à existência de decisões políticas. Como é evidente, nenhuma decisão política, desde o tempo das cavernas, terá sido tomada de uma forma absolutamente pura, imune a quaisquer influências, pressões, sugestões ou opiniões. E mau era que assim fosse.

Claro que esse influenciar dos decisores políticos pode ser – e é muitas vezes – perverso mas, sendo inevitável, parece conveniente ser regulamentado a bem da transparência das relações políticas e sociais, a bem de um pouco mais de informação e clareza na vida pública. É melhor sabermos quem são as pessoas que representam os interesses, por exemplo, da indústria da panificação ou dos transportes e quando essas pessoas se reúnem com os decisores políticos do que esse trabalho ser feito, de forma oculta, por advogados e deputados num estatuto não assumido de facilitadores.

Esta regulamentação da actividade de lobbying foi agora aprovada na Comissão de Transparência mas extirpada de qualquer sentido: não vamos saber quem representam os lobistas nem os contactos que vão ter com os eleitos!

Assim, relativamente à obrigação de divulgarem as instituições ou grupos que representam, que incumbia às entidades lobistas e que constava no projecto inicial do diploma, a mesma foi rejeitada com os votos contra do BE, PCP e PSD. O PCP e o BE, como são contra a regulamentação da actividade do lobbying, votaram contra todas as disposições do diploma permitindo assim que fosse rejeitada esta obrigação básica na regulamentação da actividade de lobbying. Uma coerência inequivocamente nefasta...

Por outro lado, foi aprovada, também na Comissão de Transparência, a possibilidade de os decisores políticos manterem sigilo sobre os contributos e os contactos com lobistas até ao fim do processo legislativo. Isto é, podemos não saber se o deputado A ou B, antes de votar sobre um determinado projecto de lei, reuniu ou não com os representantes dos interessados na aprovação ou rejeição do mesmo. Desta vez, a aprovação contou com os votos a favor do PS e do CDS.

Importa dizer que estas vergonhosas alterações de última hora não são definitivas, já que os projectos de lei têm de ser aprovados em plenário. E é importante que as pessoas, na medida das suas possibilidades, mostrem a sua indignação com estas jogadas dos deputados. Mas, à cautela, proponho a contratação de deputados estrangeiros para a votação na expectativa do chumbo deste projecto de lei absolutamente inútil. Como já aqui escreveu a vice-presidente da Transparência e Integridade, “pior que a falta de regulação é esta má regulação”.

Não contentes com esta falta de transparência, os nossos deputados, ao mesmo tempo que afirmavam prepararem-se para aumentar as incompatibilidades entre o exercício das funções de deputados e o exercício da profissão de advogado, no final aprovaram a redução de tais incompatibilidade! Talvez, também aqui, uns deputados estrangeiros nos venham a ser úteis...