Não corte já as ervas daninhas. As abelhas agradecem

Investigadores desaconselham o corte da vegetação espontânea que cresce nos relvados ou entre os muros da cidade porque assim se retiram recursos a insectos importantes para o equilíbrio dos ecossistemas.

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Carla Rego diz que em Portugal são conhecidas 680 espécies de abelha, mas as pessoas reconhecem apenas a existência da abelha do mel "e pouco mais” LUIS MAIO / PUBLICO

Mal começa a Primavera, há uma tarefa que se repete por todo o lado: cortar ou atirar um químico para aniquilar as ervas daninhas e as flores selvagens que delas rebentam entre os passeios de casa ou as pedras e muros das cidades, ou florescem nos relvados citadinos. E se, com esta rotineira acção, estivéssemos a prejudicar insectos polinizadores como as abelhas? E se, com isso, nos estivéssemos também a prejudicar? Algumas das plantas favoritas destes insectos, que ajudam na reprodução da flora, são as mal-amadas ervas daninhas. É por isso que entomólogos (estudiosos dos insectos) desaconselham que se cortem estas plantas mal começam a florescer. Dessa forma, estão a retirar-se recursos a estes bichos tão importantes para o equilíbrio dos ecossistemas.

“É muito comum vermos uma zona relvada e nesta altura do ano começam a aparecer algumas flores espontaneamente e são imediatamente cortadas porque as pessoas querem ver um relvado e não um prado”, diz Carla Rego, investigadora do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

No entanto, sustenta Carla Rego, é preciso não pensar nesta vegetação como ervas daninhas: “Eu não gosto do termo ervas daninhas. É vegetação espontânea e tem o seu papel a cumprir nos ecossistemas, mesmo num meio urbano”, sublinha. 

Segundo a investigadora, que é também membro da Sociedade Portuguesa de Entomologia, “cerca de 80% dos alimentos de origem vegetal” que se ingerem dependem do processo de polinização. “As pessoas não têm consciência disso. Cada vez mais estamos a tirar recursos destes insectos que são bastante importantes para os ecossistemas”, nota. 

O alerta ganha outra dimensão se se tiver em conta que o mundo atravessa “um momento de grande crise em termos de perda de biodiversidade de insectos, sobretudo também de polinizadores”, diz a investigadora. 

Declínio dos insectos 

A perda de biodiversidade de polinizadores, não está a acontecer a uma escala local, nem sequer europeia. É uma “crise” que se está a verificar a nível mundial independentemente do tipo de habitat. “É um aspecto bastante preocupante porque nós vivemos dentro de um ecossistema e estamos todos muito interdependentes. Dependemos das plantas, dos insectos. Esta perda que estamos a observar pode ter consequências muito grandes para o nosso futuro”, nota Carla Rego.

Este declínio do número de insectos é causado, em grande parte, pelas alterações climáticas mas tudo depende de uma conjugação de factores: a intensificação da agricultura, o crescimento das áreas urbanas e a perda de área verde e a utilização intensiva de herbicidas e pesticidas

“Quando começamos a aplicar um produto químico, o fabricante escreve os efeitos que considera benéficos contra as pragas agrícolas, mas cada vez há mais indicações de que existem efeitos secundários que vão afectar outros insectos e organismos”, explica a investigadora. “Há menos insectos porque acabam por ser sensíveis aos pesticidas aplicados”, diz. E se há menos insectos, também vão existir, por exemplo, menos aves.

Apesar deste cenário, as cidades podem ter o seu papel e criar pequenos redutos para estes bichos.

Num estudo publicado em Janeiro na revista Nature Ecology and Evolution, cientistas compararam a presença de abelhas e de outros insectos polinizadores em quatro cidades do Reino Unido — Bristol, Reading, Leeds e Edimburgo — em 2012 e 2013, em hortas urbanas, cemitérios, jardins domésticos, superfícies construídas (como parques de estacionamento), parques públicos, passeios, reservas naturais, bermas de estrada e outros espaços verdes.

O estudo conclui que as hortas urbanas, apesar da área reduzida que possam ter, são lugares bons para os insectos polinizadores dentro das cidades uma vez que têm variedade de flores, frutos e vegetais, além de plantas nativas.

O dente-de-leão (Taraxacum sp.), tão comum em Portugal, foi uma das espécies de plantas que se destacou pela forma como atrai os polinizadores, por ser um importante fornecedor de néctar e pólen, concluíram os cientistas. “As pessoas tendem a pensar nestas plantas como ervas daninhas, mas estas são realmente importantes para os polinizadores”, notou a investigadora que liderou o estudo, Katherine Baldock, da Universidade de Bristol, ao jornal britânico The Guardian.

Por outro lado, as hortênsias, as miosótis e as margaridas mostraram ser as plantas menos procuradas pelos “visitantes das flores” por oferecerem baixos ou muito baixos recursos de pólen e néctar. 

O estudo mostrou ainda que há uma maior presença destes insectos em bairros onde há mais poder económico, o que pode ser justificado pela existência de maior diversidade de flores.

O que fazer?

Se cada um pode ter um papel importante cuidando do jardim ou da varanda lá de casa, os investigadores recomendam também uma maior atenção dos serviços municipais em relação aos parques urbanos e a outros espaços públicos das cidades.

Carla Rego diz que há autarquias que estão sensibilizadas para esta questão, ainda que lhes seja difícil contornar a opinião pública: “Mesmo quando querem fazer algum esforço para deixar alguma vegetação disponível, as pessoas queixam-se porque isso é um indicador de desleixo. As coisas ficam menos bonitas e as pessoas não gostam”, repara. 

O que não quer dizer que se deixe ficar tudo em estado selvagem. “É apenas importante deixar ficar sempre mais umas semanas enquanto há o ‘boom' da floração para que os nossos insectos nas cidades possam usufruir dessas plantas”. 
Quando as plantas começarem a secar poderão então ser cortadas porque já terão ajudado esta fauna citadina invertebrada a cumprir o seu papel. 

Quando as plantas começarem a secar poderão então ser cortadas porque já terão ajudado esta fauna citadina invertebrada a cumprir o seu papel. 

Se as hortas urbanas e os jardins domésticos são dos melhores refúgios para bichos como as abelhas, a verdade é que ter jardins com uma grande quantidade de flores não significa que isso seja benéfico para estes bichos. Diz a investigadora que a maior parte das espécies de flores que se vêem num horto, por exemplo, não têm um grande valor para os insectos polinizadores. As rosas, por exemplo, como têm uma flor fechada, acabam por não ser muito úteis para estes animais. Assim como outras plantas ornamentais que são usadas em jardins públicos ou privados que não são nativas, o que faz com que não façam parte do leque de alimentação normal destes insectos. 

O que é que cada um pode fazer? Em ambientes urbanos, pode, por exemplo, optar-se por ter vasos com plantas — as aromáticas como o rosmaninho, lavanda, basílico (manjericão) são boas opções — para na época de floração as abelhas e outros polinizadores se alimentarem. “Se houver uma parte de plantas que sejam úteis para estes animais já se está a dar uma grande ajuda”, diz Carla Rego.

Nas áreas ajardinadas públicas, nota, é importante que os serviços municipais que as gerem tenham em atenção a utilização de plantas atractivas para estes visitantes com asas, que não sejam plantas invasoras ou não nativas, conjugando com as que consideram ser esteticamente apelativas para agradar aos seus munícipes. 

As autarquias podem também construir abrigos para abelhas solitárias e ter “mais paciência” com a gestão de espaços baldios onde existe vegetação espontânea e “estar mais consciente dos efeitos negativos de tudo o que é produtos químicos e tentar limitar a sua utilização”, alerta a investigadora. 

E, claro, “sensibilizar as pessoas para que esperem um bocadinho mais para cortar a sua vegetação espontânea”. Os insectos (e nós) agradecem.

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