Foi uma pena ter-lhe enviado um pedido de amizade

Com este leitor, caí num erro terrível. Enviei-lhe um pedido de amizade pelo Facebook. Agora, já não recebo emails na minha caixa de correio, depois de as crónicas serem publicadas. Em vez disso, recebo um simples like no Facebook. Não é a mesma coisa.

Os primeiros emails que trocámos eram cuidados e nada vazios. Falávamos sobre a vida, sobre literatura, sobre os filhos, sobre nós. Eram emails longos e cheios, embora reservássemos uma certa distância, porque, afinal, não nos conhecíamos pessoalmente. Ele conhecia-me por ler estas crónicas e eu conhecia-o por receber aqueles emails na minha caixa de correio.

As crónicas, mais do que as notícias, permitem abrir-nos a essa intimidade, mesmo que seja encenada ou, pelo menos, filtrada, reflectida. Prestam-se a isso. Levam-nos a partilhar, a falar de nós, a enviar um olá, a lembrar uma memória perdida. Depois, um email leva a outro que leva a outro e a outro.

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É já com uma vontade curiosa que abro a caixa de correio à segunda-feira e que respondo a cada um dos leitores. De história em história, já aconteceu, mais do que uma vez, acabarmos a trocar livros pelo correio. Pelo correio mesmo, com moradas que correspondem a ruas e lugares e com nomes escritos à mão.

Com este leitor, em particular, caí num erro terrível. E fui eu que dei esse passo. Enviei-lhe um pedido de amizade pelo Facebook. Agora, já não recebo emails na minha caixa de correio ao domingo ou à segunda-feira, depois de as crónicas serem publicadas. Em vez de um email — o mais próximo de carta que temos hoje em dia — recebo um simples like no Facebook. Não é a mesma coisa, é muito menos. Os emails que trocávamos tinham mais fôlego e simpatia. Sentia-me mais próxima deste leitor naquelas cartas do que em todas as publicações que já fizemos, entretanto, no Facebook.

Agora, ao domingo e à segunda-feira, abro a minha caixa de correio virtual e deste leitor, nada. Talvez de outros — e, com estes, não cairei no mesmo erro. Aprendi a lição: amigos, amigos, “facebooques” à parte.

Acima de tudo, no tempo das redes sociais, em que toda a gente sabe tudo sobre toda a gente, mas ninguém se conhece, quero preservar mais estas cartas, é bom tratar cada leitor pelo nome, responder-lhes, agradecer-lhes as atenções. São gestos muito mais inteiros do que simplesmente deixar, ou receber, um like rápido, distraído e automático no Facebook.

As páginas de um jornal ainda são outra coisa, mais bonita do que uma rede social; uma troca de palavras numa caixa de correio, mesmo que virtual, ainda é outra coisa, com um rosto mais definido ou mais autêntico do que uma rede social. Um leitor atento não merece ser posto no meio da confusão e do barulho das redes sociais. E eu atirei o meu, tão atencioso, educado e interessado, para lá. A esse leitor, as minhas desculpas. Voltaremos a falar sobre tudo e sobre nada, sem ninguém a ouvir ou a meter-se na conversa.

Quando comecei a trabalhar, ainda no meu estágio, disseram-me que se quisesse fazer amigos, o melhor era não escolher esta profissão. Na altura, deixava-me abater muito pelas polémicas que me envolviam ou aos meus textos. O conselho não envelheceu com o tempo. E eu, se calhar, também não. Continuo a deixar-me abater pelas polémicas, embora já saiba distinguir uma crítica construtiva de um incêndio de proporções cósmicas nas redes sociais. Mas continuo a acreditar que os amigos fazem-se por acaso. Nem sempre por tudo, na maior parte das vezes por nada. Como estas crónicas.

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