No Salão Erótico, há quem queira falar da vida sexual de pessoas com deficiência “como se fala de alimentação”

O especialista Nuno Teixeira critica médicos e cuidadores informais por tratarem as pessoas com deficiência “como assexuadas” e por estarem “impreparados” para falar abertamente sobre direitos sexuais.

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“Sexualidade das pessoas com deficiência” é o tema que se discute em Matosinhos. Bruno Lisita

“Sexualidade das pessoas com deficiência” é o tema que se discute até este domingo no Salão Erótico, na Exponor, em Matosinhos, Porto. Nuno Teixeira, coordenador regional da Associação para o Planeamento Familiar (APF), considera que a sociedade ainda não reconhece a sexualidade a pessoas com deficiência e endurece as críticas aos médicos e cuidadores informais, que precisam de “mais formação e informação”.

“São os próprios profissionais, que lidam directamente com pessoas com deficiência, que muitas vezes nos dizem que não têm conhecimentos nem competências para lidar com a questão da sexualidade nestes casos”, explica, ao PÚBLICO, Nuno Teixeira. O especialista está desde quinta-feira no gabinete de atendimento individualizado a pessoas com deficiência do Salão Erótico, onde faz a distribuição de preservativos (masculino e feminino) e gel lubrificante.

É nas formações de educação sexual que a APF dá a profissionais de saúde que Nuno Teixeira se apercebe “do desconhecimento e impreparação” dos médicos e cuidadores informais, que tentam “esconder algo que se sabe perfeitamente que existe”. “Se os médicos não falarem do tema da sexualidade com o utente, a questão pode não surgir por iniciativa da pessoa”, por sentir vergonha ou desconforto. “Como não se fala, toma-se por garantido que as coisas estão bem, e não estão”. O que se deve fazer é precisamente o contrário. “Tal como os médicos perguntam questões relacionadas com a alimentação, também deve ser natural perguntar questões relacionadas com a sexualidade”, avisa Nuno Teixeira.

A falta de resposta médica no tema da sexualidade faz com que “muitos jovens tenham grande desconhecimento em relação a factores sobre a vida sexual que tomamos como adquiridos”, como dúvidas sobre o desejo, o controlo dos impulsos sexuais, as limitações de cada utente ou até sobre a masturbação. O primeiro passo a dar, segundo o especialista, é começar a falar abertamente sobre a sexualidade. “As pessoas com deficiência não são assexuadas. É óbvio que também têm desejo, que precisam de viver a sua sexualidade, que precisam de algum suporte de pessoas que estejam informadas”, crítica o especialista.

Para tornar a vida sexual das pessoas com deficiência “mais digna e saudável” é também necessário levar a cabo um conjunto de mudanças nos serviços médicos, “ainda padronizados para responder à maioria”, conta Nuno Teixeira. “Os clínicos têm de ter tempo para abordar estas questões. É muito difícil um médico conseguir, com tempo cronometrado e com um modelo médico que se centra em sintomas, estar a abordar questões de uma área mais invisível, que implica investimento de tempo e de relação”, conta.

Para o coordenador regional da Associação para o Planeamento Familiar, é necessário apostar na formação permanente dos profissionais relativamente ao tema da sexualidade. “Fazer com que os médicos e cuidadores percebam que a questão da sexualidade deve fazer parte da análise que se faz do processo clínico dos utentes”.

Além dos profissionais “pouco preparados”, também as famílias recebem o alerta do especialista. Nem sempre a família e os amigos adoptam as melhores práticas para promover a sexualidade saudável dos portadores de deficiência. “Se já é difícil numa família normativa abordar questões sexuais, muito mais difícil se torna quando temos características que diferenciam e que tornam mais complexa esta abordagem”.

Em todas as questões que estão a ser discutidas no Salão Erótico, desde os serviços médicos à família, há uma máxima transversal que se impõe: é necessário partir do testemunho de quem vive estas dificuldades na primeira pessoa. “Não podemos falar destes assuntos sem elas”, sublinha.

Assistência sexual a pessoas com deficiência

A regulamentação da assistência sexual a pessoas com deficiência — outro dos temas discutidos este fim-de-semana em Matosinhos — é a solução, apontada por especialistas, para acabar com o estigma em torno do recurso a profissionais do sexo.

Nuno Teixeira relembra que a APF não tem uma posição definida acerca da legalização do trabalho sexual mas considera que é uma discussão “urgente”. “Nós defendemos que as pessoas têm direito à sua liberdade e auto determinação sexual. A questão da assistência sexual a pessoas com deficiência inclui-se dentro desta autodeterminação. Não as podemos limitar na vivência saudável e autodeterminada da sexualidade”, acrescenta.

O serviço de assistência sexual em Portugal, à luz do que existe noutros países sob diferentes critérios, é um assunto que tem vindo a ser discutido nos últimos anos. Em 2015, Daniela Lopes, terapeuta ocupacional de 32 anos, falou ao PÚBLICO sobre a necessidade a assistência sexual, ou, pelo, de um mecanismo facilitador, que “com pessoas que posicionassem, que tivessem formação para o efeito, que soubessem como o fazer. Que dessem estratégias e solucionassem dúvidas.” Porque “se estas pessoas pudessem ter acesso a uma sexualidade livre, saudável, vivida de uma forma plena, eram muito mais felizes, mais bonitas, com mais vontade de fazerem outras coisas.”

Em 2001, os Censos apontavam para a existência de 636 mil pessoas com deficiência (motora, auditiva, visual, mental, paralisia cerebral ou outra), ou seja, pelo menos 6,1% da população. Números que não podem ser directamente comparáveis aos dos Censos 2011, recenseamento em foi tratada pela primeira vez a incapacidade, abandonando-se assim o “diagnóstico de deficiências”. Com este novo critério, foram registadas mais de um milhão de pessoas residentes em Portugal com, pelo menos, uma dificuldade.

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