Álvaro Siza em Berlim com os desenhos da família e o legado da Bauhaus

Em Berlim, no ano em que se celebram os 100 da criação da Bauhaus, Álvaro Siza lembrou as marcas "importantíssimas" deixadas na história da arquitectura pela Bauhaus.

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A exposição mostra em Berlim uma centena de desenhos NFACTOS / FERNANDO VELUDO

Siza — Unseen & Unknown, inaugurada na quarta-feira em Berlim na Fundação Tchoban​é a primeira exposição que junta trabalhos da mulher, do filho e do neto do arquitecto português de 85 anos.

​Mostra uma centena de desenhos, um dos quais com cinco metros, tanto do arquivo pessoal de Álvaro Siza, como também de colecções de amigos próximos e familiares. "Metade são desenhos meus, esquissos feitos no decorrer do estudo de determinado trabalho. Outra metade são desenhos livres. Depois há também, conforme o convite que o museu me fez e que muito me honrou, desenhos da minha mulher [Maria Antónia Siza], que era pintora, do meu filho [Álvaro Leite Siza], que é arquitecto, e do meu neto [Henrique Siza], que é estudante de arquitectura", revelou Álvaro Siza, que aceitou o convite motivado pelo desejo de mostrar os desenhos da mulher, "ainda pouco conhecidos na Alemanha".

Siza — Unseen & Unknown, como curadoria de António Choupina e Kristin Feireiss, mostra como os trabalhos de cada membro da família Siza são "autónomos", embora nos do neto, reconhece o arquitecto, "se note uma influência da avó". 

A exposição, aberta ao público até 26 de Maio, ​está dividida em dois espaços temporais, um deles mais dedicado ao percurso internacional do arquitecto português, que começou em Berlim, com o projecto "Bonjour Tristesse", nome que adoptou por causa de um graffito. "Estive lá há uns dois anos, a surpresa foi que exteriormente estão mal mantidos, com as pinturas. Mas interiormente estão impecáveis. Além disso, sobretudo no jardim-de-infância e num clube para idosos, toquei à campainha e abriu-me a porta alguém que me reconheceu, depois desses anos todos", conta Álvaro Siza.

As letras "Bonjour Tristesse" apareceram pouco depois de o edifício estar terminado, em 1984, no bairro de Kreuzberg.

"O título é não sei se uma ironia ou um tiro mal orientado. Aquele dizer era depreciativo porque havia uma grande reacção ao programa que estava a ser desenvolvido voltado para o diálogo com os habitantes, que na maioria eram turcos. Nessa altura estavam em Berlim 100 mil turcos que tinham vindo para o esforço de reconstrução [pós Segunda Guerra Mundial]. Pretendia ser um escrito da população, por isso tem os 's' virados ao contrário, mas foi um tiro mal dado porque aquelas pessoas não conhecem o 'Bonjour Tristesse' e o Françoise Sagan", explica Álvaro Siza.

"O arquitecto que tanto me apoiou aqui em Berlim, Peter Brinkert, estava muito preocupado. Quando vínhamos do aeroporto, eu estava ansioso por ver o edifício, sabia que já estava pintado, mas ele estava preocupado com a minha reacção ao vê-lo. Depois explicou-me que não havia dinheiro para refazer o reboco, e que se se picasse ainda se notaria mais. Acabei por dizer: 'Deixa lá'", contou o arquitecto, vencedor de vários prémios nacionais e internacionais, entre eles o Pritzker (em 1992) ou o Prémio de Arquitectura Contemporânea Mies van der Rohe (em 1988).

Em Berlim, no ano em que se celebram os 100 anos da criação da Bauhaus, Álvaro Siza lembrou a importância da cidade no nascimento da arquitectura moderna, onde essa história está "presente" de uma forma "fixa e sólida". Há marcas "importantíssimas" deixadas na história da arquitectura pela escola Bauhaus, fundada por Walter Gropius no pós I Guerra. O arquitecto falava numa conferência intitulada Álvaro Siza e o Legado da Bauhaus, em que participaram Claudia Perren (Fundação Bauhaus), Sergei Tchoban (Fundação Tchoban), António Choupinha e Matthias Sauerbruch (Akademie der Künste).

"A Bauhaus foi o grande comunicador do que era a transformação essencial da arquitectura em termos da época. E foi cortado e durou pouco porque foi fechada. Seguramente, se não tivesse sido fechada, haveria gerações de professores sensíveis [a esta corrente], teria havido uma outra imagem do que é a Bauhaus. Ou se calhar, não seria tão importante porque aquele período curto, talvez por isso mesmo, foi muito intenso e deixou marcas muito fortes num momento determinante da história e também da história da arquitectura", disse Álvaro Siza.

O arquitecto, que assegura ter trabalho "aqui, ali e acolá", duvida que volte a ter projectos na Alemanha.

"No fundo, um trabalho na Alemanha seria o recordar do que foram esses anos tão intensos e ricos da minha vida. E recordar não é propriamente criar. Por isso, é mais próprio construir na China agora, do que na Alemanha, onde essa carga das recordações seria muito forte", esclarece.

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