Começou a ser julgado em Madrid o “fracasso político” na Catalunha

Advogado do ex-vice-presidente catalão Junqueras, que surge em público pela primeira vez em 15 meses, denuncia um "processo geral contra o independentismo". Outros questionam a imparcialidade dos magistrados.

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A sala de audiências do Supremo, com os réus à direita Emilio Naranjo/EPA

O “fracasso colectivo, o fracasso político” catalão e espanhol. Para muitos, para os catalães, é essa a sensação que trespassa dos ecrãs dos computadores ou telemóveis onde todos puderem ver a primeira sessão do julgamento do processo onde são acusados de “rebelião”, “sedição” e “desvio de fundos” 12 líderes independentistas. Alegações finais continuam esta quarta-feira, seguindo-se uma réplica das acusações.

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O “fracasso colectivo, o fracasso político” catalão e espanhol. Para muitos, para os catalães, é essa a sensação que trespassa dos ecrãs dos computadores ou telemóveis onde todos puderem ver a primeira sessão do julgamento do processo onde são acusados de “rebelião”, “sedição” e “desvio de fundos” 12 líderes independentistas. Alegações finais continuam esta quarta-feira, seguindo-se uma réplica das acusações.

Nove ex-membros do governo catalão, os que não saíram do país; Carme Forcadell, presidente do parlamento da Catalunha nos meses de Outono de 2017, quando se aprovaram as leis do referendo e da transição para a república; e Jordi Sánchez, ex-presidente da Assembleia Nacional Catalã (ANC), candidato nas eleições convocadas pelo Governo de Mariano Rajoy depois de depor a Generalitat e líder do novo partido criado por Carles Puigdemont, e Jordi Cuixart, presidente da Òmnium Cultural. Oriol Junqueras, então vice do presidente catalão, que enfrenta as penas mais pesadas, não era visto em público há 15 meses.

“Nós, uma grande parte da população aqui, vivemos este processo como o fim de um fracasso. Se tudo tivesse corrido bem, se os políticos tivessem feito o seu trabalho, não existiriam as circustâncias de Outubro de 2017”, o referendo inconstitucional sobre a independência de dia 1, diz num programa do jornal El País Argelia Queralt, professora de Direito Constitucional na Universidade de Barcelona. “No fim do processo o conflito político de base vai continuar a existir. Se for uma sentença muito dura será muito difícil seguir em frente na Catalunha”, antecipa.

A jornalista Elsa García de Blas concorda: “É um fracasso político, dos responsáveis políticos em primeiro lugar, e da sociedade, com os Jordis, líderes associativos que estavam a fazer política”. 

Grande parte das intervenções dos advogados (cada um tinha 45 minutos para apresentar questões prévias) foram usadas para petições sobre violações de direitos fundamentais. Queixaram-se desde falta de acesso a documentos de prova ao direito de expressão e associação (é só por isso que Jordi Cuixart está ali, disse o seu advogado, Benet Salellas), reclamaram o direito a preparar a sua defesa (o Supremo autorizou que os detidos tivessem um computador para aceder ao processo, mas o director da prisão de Soto Real, para onde regressaram no início do mês para estarem perto do tribunal, retirou-lhes os computadores que só recuperam quatro ou seis dias depois — o de Oriol Junqueras apareceu com o ecrã partido, foi preciso fazer-lhe chegar outro). Reclamaram até o direito ao culto religioso (o pedido de Junqueras para ir à missa foi recusado).

“Este julgamento é uma derrota colectiva da sociedade espanhola. Não deve começar. Se começa, consideramos que o sistema de direitos e liberdades terá entrado num universo de riscos irreparáveis”, resumiu Benet Salellas, advogado de Cuixart. “Há quem esteja disposto a sacrificar os direitos fundamentais em nome da indivisibilidade da nação espanhola”, acusou.

“Este é um processo geral contra o independentismo”, um “julgamento político”, denunciou o advogado do ex-vice-presidente da Generalitat, Andreu van den Eynde.

Direito ao protesto

“Este processo ataca o direito a protestar. O que está em causa é o direito a protestar, isto é um atentado contra o direito ao protesto”, afirmou, descrevendo como “um protesto” os acontecimentos de 20 de Setembro (a manifestação junto ao Departamento — ministério — da Economia e vice-presidência, quando a polícia lá se encontrava em busca de material eleitoral; a acusação sustenta que a população, mobilizada pelos líderes independentistas, visava impedir a operação policial, ordenada pela Justiça).

Em Berlim (saiu de Espanha a 29 de Outubro de 2017 e já viu juízes belgas e alemães recusarem extraditá-lo para ser julgado por “rebelião” e “sedição”), o ex-presidente catalão, Carles Puigdemont, insistiu na ideia de “processo político”. “A única acusação particular que há é de um partido de extrema-direita [foi permitido ao partido Vox apresentar acusação, ao lado do Ministério Público e da Advocacia do Estado, que integra o Ministério da Justiça]. Isto demonstra o que denunciámos desde o primeiro dia e é um facto provado: é um julgamento político”.

Quim Torra, o seu sucessor, exigiu o “arquivamento do caso”. Em Madrid, onde assistiu ao arranque do julgamento, o actual líder da Generalitat teve palavras duras:

“O julgamento é uma vergonha e uma vingança contra um povo”.

A maior parte das defesas assumem esta tese, sustentando que o Supremo não tem legitimidade para julgar o processo por se tratar de um tribunal que defende os interesses do Estado, questionando a legitimidade dos sete juízes. “Precisamos que façam de juízes, não de heróis”, pediu Jordi Pina, que representa os ex-conselheiros Jordi Turull e Josep Rull, e o ex-presidente da ANC Jordi Sànchez. “Sejam juízes, não salvadores da pátria.”