Supremo dos EUA suspende lei anti-aborto, mas os conservadores ganham força

O juiz conservador Brett Kavanaugh apresentou-se durante as suas audições no Senado como defensor do princípio da precedência, mas agora votou contra uma decisão do Supremo de 2016.

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O Supremo Tribunal norte-americano suspendeu a entrada em vigor de uma lei no Indiana que poderia deixar apenas um médico em todo o estado para fazer dez mil abortos por ano. Mas a decisão não é final, e a forma como os juízes votaram mostra como as nomeações do Presidente Donald Trump podem vir a ter um grande impacto na questão mais abrangente: a possível restrição, num futuro próximo, do direito ao aborto nos Estados Unidos.

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O Supremo Tribunal norte-americano suspendeu a entrada em vigor de uma lei no Indiana que poderia deixar apenas um médico em todo o estado para fazer dez mil abortos por ano. Mas a decisão não é final, e a forma como os juízes votaram mostra como as nomeações do Presidente Donald Trump podem vir a ter um grande impacto na questão mais abrangente: a possível restrição, num futuro próximo, do direito ao aborto nos Estados Unidos.

Em causa está uma lei aprovada no Indiana em 2014, mas que ainda não foi aplicada por causa das lutas nos tribunais. Se entrasse em vigor, obrigaria os quatro médicos que fazem abortos nas três clínicas do estado a terem privilégios de admissão num hospital próximo.

Na prática, os quatro médicos teriam de obter um privilégio equivalente ao dos médicos que fazem parte dos quadros do hospital – o de internar pacientes sem a autorização prévia de outros médicos.

Até agora, só um dos médicos obteve esse privilégio, pelo que seria o único a poder realizar legalmente os cerca de dez mil abortos por ano no Indiana.

Segundo os críticos da lei, o privilégio de admissão é difícil de obter por motivos que não estão relacionados com as competências dos médicos em causa – por exemplo, os hospitais que se recusam a fazer abortos podem recusá-lo​. E argumentam que essa obrigatoriedade coloca um "peso indevido" sobre o direito constitucional ao aborto.

Os defensores da lei dizem que o privilégio de admissão é essencial para que todos os cuidados de saúde estejam garantidos se algo correr mal num aborto.

Mas segundo as organizações que contestam a lei, os casos de hospitalização são residuais – 0,05% nos primeiros três meses e 1% no segundo trimestre. E, de qualquer forma, as pacientes são aceites pelos hospitais mesmo que os médicos não tenham privilégios de admissão.

Iniciativa anti-aborto

À partida, esta lei do Indiana terá poucas hipóteses de passar num teste final no Supremo Tribunal, porque é semelhante a uma outra, do Texas, que foi considerada inconstitucional em 2016, precisamente por colocar um "peso indevido" sobre o direito constitucional ao aborto. Ou seja, segundo o Supremo, as vantagens de obrigar os médicos a terem privilégios de admissão nos hospitais não compensam os danos que podem ser provocados ao direito ao aborto.

Mas no caso da lei do Indiana, um tribunal de recurso conhecido pelo seu conservadorismo decidiu que o "peso indevido" determinado pela decisão de 2016 do Supremo não é um problema naquele estado em particular. No acórdão final, a maioria dos juízes disse que os médicos em causa não fizeram os possíveis para obterem os privilégios de admissão – um argumento que não respeita a decisão de 2016 do Supremo, que considerou inconstitucional a própria obrigatoriedade dos privilégios de admissão.

Foi por causa da decisão do tribunal de recurso sobre a lei do Indiana que o Supremo se pronunciou na quinta-feira, em resposta a um pedido de emergência, suspendendo a entrada em vigor da lei e indicando que poderá tomar uma decisão final a partir de Outubro, no arranque do próximo ano judicial no país.

As leis do Texas e do Indiana fazem parte de uma iniciativa mais abrangente, das organizações anti-aborto, de ir forçando o Supremo Tribunal a tomar decisões relacionadas com o direito ao aborto.

O objectivo dessa iniciativa, que ganhou um novo alento com as nomeações de dois juízes conservadores pelo Presidente Donald Trump em 2017 e 2018, é fazer com que o Supremo tenha de continuar a discutir este tema, até que um dia aceite debruçar-se novamente sobre a lei Roe v. Wade, de 1973, que descriminalizou o aborto.

Um novo Supremo

Apesar de o Supremo Tribunal ter dito em 2016 que a lei do Texas é inconstitucional, e de esta quinta-feira ter travado uma lei semelhante no Indiana, não é certo que a sua posição contrária às restrições ao aborto se mantenha nos próximos anos.

Em primeiro lugar, a decisão de 2016 sobre a lei do Texas foi tomada por um tribunal muito diferente do actual em relação ao equilíbrio entre conservadores e liberais, e por apenas oito juízes, devido à morte de Antonin Scalia – um conservador.

Na altura dessa votação, após a morte de Scalia e antes da nomeação de um substituto, o Supremo Tribunal era constituído por quatro juízes da ala conservadora e quatro da ala liberal.

Mas um dos juízes conservadores, Anthony Kennedy, votou várias vezes ao lado dos liberais, como aconteceu no caso da lei do Texas. No final, a lei foi travada pelos quatro liberais (Ruth Bader Ginsburg, Sonia Sotomayor, Elena Kagan e Stephen Breyer) e pelo conservador Anthony Kennedy. Do outro lado, a favor da lei, votaram os outros três juízes conservadores (Samuel Alito, Clarence Thomas e John G. Roberts).

Três anos depois, o Supremo tem uma cara muito diferente: não só o Presidente Trump conseguiu nomear dois juízes conservadores e apoiados por grupos anti-aborto (Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh), como o juiz Anthony Kennedy, que votou muitas vezes ao lado dos liberais, saiu do tribunal em 2018.

Na votação de quinta-feira, que suspendeu a lei do Indiana, os quatro juízes liberais votaram a favor e quatro dos conservadores votaram contra. Quem se juntou aos liberais para suspender a lei foi John G. Roberts, o que podia indicar que este juiz conservador vai começar a aproximar-se dos seus colegas liberais – e dificultar a vida aos juízes mais conservadores nomeados pelo Presidente Trump.

Só que John G. Roberts votou a favor da lei do Texas, em 2016, e o voto de quinta-feira para suspender a lei do Indiana foi em respeito pelo princípio da precedência – para não pôr em causa a decisão de 2016.

Quando se reunir para dar a sua decisão final sobre a lei do Indiana, o Supremo Tribunal norte-americano decidirá com base na sua actual composição: cinco juízes conservadores e quatro juízes liberais. E o que vai estar em causa é o princípio da precedência.

Mesmo que tenha votado a favor da lei do Texas, é provável que John G. Roberts vote contra a lei do Indiana para respeitar a decisão de 2016 do Supremo.

Mas a chave do futuro do Supremo está nas decisões do juiz Brett Kavanaugh​, que durante as suas conturbadas audições de confirmação no Senado, no ano passado, garantiu que é um defensor intransigente do princípio da precedência – em resposta, precisamente, às dúvidas do Partido Democrata sobre se respeitaria a lei Roe v. Wade de 1973 se ela fosse posta em causa.

Apesar disso, na sua primeira oportunidade, na quinta-feira, Kavanaugh indicou que poderá não respeitar a decisão de 2016 do Supremo quando se pronunciar em definitivo sobre a lei do Indiana. O juiz conservador foi o único dos derrotados que apresentou uma declaração de voto, onde concordou com a crítica dos juízes do tribunal de recurso sobre a pouca vontade dos médicos do Indiana para pedirem o privilégio de admissão nos hospitais.

Não há indicações de que qualquer desses juízes possa sair até ao final do mandato do Presidente Donald Trump, em Janeiro de 2021, nem até ao final de um possível segundo mandato, em Janeiro de 2025. Mas se isso acontecer, o Presidente Trump poderá ter uma nova oportunidade para nomear mais um juiz conservador, à imagem de Gorsuch e Kavanaugh, e melhorar de forma significativa as hipóteses de vitória das organizações anti-aborto, agora que Kavanaugh deu indicações de poder vir a reverter decisões históricas.

As nomeações para o Supremo são feitas pelo Presidente em exercício, são vitalícias e os juízes só podem ser substituídos por morte, decisão pessoal ou destituição pelo Congresso. E a diferença de idades favorece a ala mais conservadora: a juíza mais velha, Ruth Bader Ginsburg, da ala liberal, fará 86 anos em Março.