Republicanos mudam regra histórica no Senado para aprovar juiz conservador

Falta de entendimento entre os dois partidos levou o Partido Democrata a bloquear a nomeação. Em resposta, o Partido Republicano accionou a "opção nuclear" e aprovou uma alteração que enfraquece o debate no Senado e reduz ainda mais a força da minoria.

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Mitch McConnell, líder da maioria no Senado Aaron P. Bernstein/Reuters

A maioria do Partido Republicano no Senado acabou de eliminar uma regra antiga que permitia ao partido que está em minoria bloquear a nomeação de um juiz do Supremo Tribunal. Com esta decisão histórica, o Presidente Donald Trump vai poder colocar no topo da Justiça norte-americana o juiz Neil Gorsuch, um conservador que recebeu a oposição do Partido Democrata.

Esta decisão já era esperada, mas ainda havia a esperança de que os dois partidos conseguissem chegar a um acordo para evitar a eliminação da regra, uma decisão que é vista como um enfraquecimento do debate entre os 100 senadores. A partir de agora, basta a aprovação de 51 senadores para que um juiz seja enviado para o Supremo Tribunal, quando antes a maioria era obrigada a reunir o voto de 60 senadores se a minoria quisesse bloquear uma nomeação – o que obrigava a maioria a tentar convencer alguns senadores da minoria.

Na votação para pôr fim ao debate e seguir para a votação final, 55 senadores votaram a favor (51 do Partido Republicano e quatro do Partido Democrata), o que ficou aquém dos 60 necessários. Depois, foi perguntado aos senadores se queriam manter a fasquia nos 60 (52 votaram contra, todos do Partido Republicano, e 48 votaram a favor – 46 do Partido Democrata e dois independentes). Pelo meio, o Partido Democrata tentou adiar ao máximo o desfecho esperado, com propostas de adiamento da sessão por algumas horas, mas essas tentativas foram rejeitadas pelo Partido Republicano, e no final a regra foi alterada e a votação final vai ter lugar sexta-feira – com a nomeação de Neil Gorsuch garantida à partida pela maioria do Partido Republicano.

O caminho até ao Supremo

Nos Estados Unidos, o Presidente em exercício nomeia um juiz para o Supremo Tribunal quando um dos nove membros permanentes morre ou se reforma voluntariamente.

Em Abril do ano passado, a morte do juiz conservador Antonin Scalia deixou uma vaga em aberto, que o então Presidente, Barack Obama, tentou preencher com a nomeação do juiz moderado Merrick Garland. Mas o ambiente em Washington foi-se deteriorando nos últimos anos, e o Partido Republicano decidiu que nem sequer iria ouvir Garland no Senado, justificando essa medida com o facto de se estar em ano de eleições presidenciais e no último ano dos mandatos de Barack Obama – apesar dessa justificação, nada na lei norte-americana impede que o Senado aprove nomeações em ano de eleições.

Com essa decisão, a escolha de um juiz para o Supremo passou para o novo Presidente, Donald Trump, que nomeou Neil Gorsuch em Fevereiro passado.

Depois de um Presidente nomear um juiz, é preciso que o Senado o aprove, após dias de audições e de uma votação na comissão responsável pelo assunto.

Depois dessa aprovação, segunda-feira, ficou a faltar o debate entre todos os senadores e a votação final – o debate arrancava esta quinta-feira e a votação está marcada para sexta-feira.

O fim da utilidade do filibuster

Apesar de o Partido Republicano ter a maioria no Senado (52 contra 48), e de bastarem 51 para que o juiz seja enviado para o Supremo, havia uma regra que dava poder à minoria para bloquear essa nomeação – se a minoria accionar um procedimento conhecido como filibuster para adiar o debate por tempo indeterminado, o partido da maioria tinha de reunir 60 senadores para poder pôr fim ao debate e seguir para a votação final. Como raramente um dos partidos tem mais do que 60 senadores, os dois lados eram forçados a negociar uma solução que agradasse a ambos para que o Supremo recebesse o seu novo juiz: ou o partido da maioria escolhia outro juiz, que pudesse ser aprovado pela minoria, ou teria de convencer alguns senadores do partido da minoria para desbloquear a situação.

Mas essa regra – que os senadores mais experientes consideram ser essencial para que o debate continue a fazer sentido e a ter resultados práticos no Senado – foi eliminada esta quinta-feira pela maioria do Partido Republicano. Como as regras podem ser alteradas por uma maioria simples, os 52 senadores do Partido Republicano aprovaram a alteração e, a partir de agora, o filibuster deixa de fazer sentido: como agora bastam 51 votos para derrotar um filibuster da minoria (quando antes eram necessários 60), o partido que está em maioria conseguirá facilmente aprovar o juiz nomeado pelo seu Presidente sem ser preciso dialogar e chegar a consensos com a minoria.

Troca de acusações

O Partido Democrata acusa o Partido Republicano de ser o mais responsável por esta situação, ao recusar-se a pedir outro juiz ao Presidente – um que não seja tão conservador do ponto de vista dos democratas; os republicanos dizem que o responsável é o Partido Democrata, por insistir em bloquear o juiz Neil Gorsuch e, por isso, não lhes deixar outra alternativa para além da eliminação da regra dos 60 senadores.

Os republicanos apontam também o dedo aos democratas porque em 2013 foi o Partido Democrata que eliminou a regra dos 60 senadores para as nomeações de cargos executivos e juízes federais. Apesar desse passo no sentido do fim do diálogo no Senado, o Partido Democrata (que estava em maioria nessa altura) manteve intacta a regra dos 60 senadores para a nomeação de juízes do Supremo Tribunal.

Senadores mais experientes, como John McCain, do Partido Republicano, consideram que estas mudanças são muito perigosas porque podem levar à proposta do fim da regra dos 60 quando está em causa o debate e a aprovação de leis importantes. Apanhado sem saber pelos microfones da NBC, McCain disse quinta-feira que quem defende a eliminação desta regra é "um idiota estúpido". Apesar disso, o senador do Arizona votou esta quinta-feira a favor do fim da regra, argumentando que é a única forma de aprovar o juiz Neil Gorsuch, que ele considera ser o melhor para preencher o vazio no Supremo.

Neil Gorsuch tem 49 anos e um passado de decisões mais favoráveis às empresas e contra a liberdade de escolha no aborto, por exemplo. É visto pelos conservadores como um bom substituto de Antonin Scalia, considerado um dos mais conservadores da história moderna do Supremo norte-americano.

Com esta nomeação, o Supremo volta a ter nove juízes: quatro são progressistas (dois nomeados por Bill Clinton e dois nomeados por Barack Obama) e cinco são conservadores (três nomeados por George W. Bush, um nomeado por Ronald Reagan e, a partir de sexta-feira, um nomeado por Donald Trump).

Entre os juízes mais velhos estão dois progressistas (Ruth Ginsburg, 84, e Stephen Breyer, 78) e um conservador que alinha várias vezes com decisões progressistas (Anthony Kennedy, 80), pelo que o Presidente Donald Trump poderá ter a oportunidade de nomear mais três juízes conservadores, principalmente se for reeleito em 2020.

A votação final está marcada para sexta-feira ao fim da tarde, mas o resultado não será nenhuma surpresa – como todos os 52 senadores do Partido Republicano aprovaram esta quinta-feira a mudança da regra para poderem aprovar Neil Gorsuch, é evidente que o partido terá sexta-feira um mínimo de 51 votos exigidos para a aprovação.

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