Do som dos teares ao silêncio da montanha: eis o Hotel da Fábrica

Durante décadas, viveu ao ritmo das máquinas. Agora, é um verdadeiro templo de sossego, com vistas privilegiadas para a serra da Estrela. A antiga unidade da Ecolã, em Manteigas, transformou-se em hotel e é também uma espécie de museu.

Fotogaleria
Fotogaleria
Fotogaleria
DR

Contrariamente ao que aconteceu a algumas das suas congéneres, a antiga unidade têxtil da Quinta de Santa Clara, em Manteigas, viria a fechar portas por uma boa causa: era preciso crescer e, para isso, urgia mudar para um espaço mais generoso. Foi desactivada em 2012 mas o seu proprietário, João Clara, teimou em não a deixar largada ao abandono - era ali que estava a história da família, protagonizada por três gerações, no ramo da produção de lã. Requalificou-a e transformou-a num hotel, que também é uma espécie de museu das indústrias de lanifícios da serra da Estrela. E o seu nome nem podia ser outro: Hotel da Fábrica.

Ainda está a receber os seus primeiros hóspedes – a unidade abriu portas no passado mês de Dezembro -, mas há já créditos que ninguém lhe tira: a vista para a montanha (pintada de branco, em tempo de frio) e a hospitalidade com que recebe aqueles que procuram abrigo dentro das suas paredes. A estas duas características, junta-se uma boa dose de conforto, espaços generosos e sossego absoluto. A aposta recaiu numa decoração simples, que coloca em evidência as grandes estrelas da casa: a lã e o burel. Afinal, foram elas a razão de ser da fábrica criada em 1925 e que, apesar de ter mudado de instalações, continua a laborar (Ecolã).

Os números das habitações (16 quartos e duas suítes) são apresentados de forma recortada num quadrado de burel, tecido artesanal que está presente, também, nas cabeceiras das camas, nos sofás, nas mantas e até nas bandejas de amenities das casas de banho. Também o pequeno-almoço é servido em bases individuais feitas a partir do tecido artesanal, 100% lã de ovelha, desde sempre associado à serra da Estrela e aos seus pastores.

Foto
DR

Nas áreas comuns do hotel, a grande tónica da decoração é a evocação do passado. Algumas das máquinas que outrora asseguravam a produção que era feita naquela fábrica viraram peças decorativas, ajudando a contar a história não só da Ecolã como também das outras indústrias têxteis da zona. O hóspede irá deparar-se, por exemplo, com uma prensa manual de lã, uma antiga máquina de tricotar, uma revistadeira (mesa na qual a operadora verifica a existência de defeitos no tecido que sai do tear) ou uma mesa de enrolar.

As memórias do passado estão, igualmente, presentes numa das suítes da unidade hoteleira – cada uma delas tem uma área de 50 metros quadrados. Foi baptizada com o nome Mattos Cunha, para perpetuar no tempo o nome e a memória daquela que foi a primeira fábrica de lanifícios de Manteigas. Além do nome, a habitação exibe também um armário original da antiga unidade, doado pela família Mattos Cunha ao Hotel da Fábrica.

Destaque também para a existência, em cada quarto, de uma fotografia alusiva a uma fase do ciclo da lã, desde o rebanho no prado, passando pela preparação da tosquia até chegar ao tecido burel. E para quem quiser ficar a conhecer ainda mais pormenores, há o convite para fazer uma visita (gratuita) às actuais instalações da Ecolã, não muito longe dali. Já lá vamos. Por ora, os holofotes estão direccionados para o Hotel da Fábrica.

Piscina aquecida e um centro de massagem

Uma das principais áreas comuns da unidade hoteleira reside numa sala de estar, em mezzaninne, com uma grande janela para a montanha. Começa no piso inferior, na sala de pequenos-almoços, o que ajuda a que, no Hotel da Fábrica, o início de cada manhã seja vivido de forma especial. À beleza da paisagem, junta-se, depois, a variedade de produtos servidos no buffet: pão fresco, bolo caseiro, fruta, iogurtes, café, chá, sem esquecer essas delícias da Estrela: queijo da serra, requeijão e compotas caseiras.

À espera dos hóspedes está também uma piscina interior aquecida, sauna e um espaço de massagens. A lista de tratamentos vai desde as massagens de relaxamento à drenagem linfática, passando pela biodinâmica (cabeça), com preços a partir de 25 euros e até um máximo de 50 euros. Um conjunto de opções especialmente recomendado a quem faz questão de aproveitar uma viagem até à serra da Estrela para palmilhar os seus trilhos de natureza ou para praticar desportos de neve.

Foto
DR

Se o tempo não permitir grandes passeios de carro ou a pé, tem sempre a (boa) opção de aproveitar o centro de Manteigas, vila que integra a rede Aldeias de Montanha, e onde pode degustar alguns dos melhores sabores da Estrela e testemunhar o acolhimento das suas gentes. O roteiro deve também incluir a visita às actuais instalações da Ecolã, certificada como unidade produtiva artesanal.

No seu interior, irá descobrir como se produzem as mantas, peças de vestuário e acessórios da marca, num processo que começa logo na fase da tosquia. Acontece em Abril ou Maio, e de cada ovelha são extraídos cerca de seis quilos de lã. “Depois, vai para lavar e perde em média 50% do peso”, conta João Clara, proprietário da marca. É ele o rosto da terceira geração da unidade industrial criada em 1925 e a aposta, garante, continua a centrar-se num processo produtivo tradicional. E com uma base ecológica e sustentável. “O tear mais moderno que temos aqui é dos anos 60 [do século passado]”, realça, apontando para as máquinas dos anos 1930 ali instaladas (e ainda em funcionamento).

Trabalham ali 22 pessoas, sendo de realçar “o interesse que alguns jovens estão a demonstrar por esta indústria”, destaca, por seu turno, António Costa, da direcção comercial da marca que já conta com lojas próprias em Lisboa e no Porto. É a partir da unidade de Manteigas que fazem a fiação, tecelagem e a produção final (corte e costura) de cada peça de vestuário ou acessório que segue para vários pontos do país e também para além-fronteiras.

Os artigos em burel vão estando cada vez mais na moda, mas muitos desconhecerão que este tecido, 100% lã de ovelha, “é usado desde a Idade Média pelos pastores”, aponta João Clara. O que o torna tão especial? Uma sequência de operações específicas no processo de fabrico. “A lã, após ter sido tosquiada, lavada, fiada, urdida no órgão e tecida no tear, é pisada numa máquina designada por pisão, que bate e escalda a lã transformando o tecido em burel, tornando-o mais apertado, resistente e impermeável”, desvenddam os responsáveis da marca.

A Fugas esteve alojada a convite do Hotel da Fábrica

Sugerir correcção
Comentar