“O rendimento básico incondicional é um remédio para a armadilha do desemprego”

Philippe Van Parijs, professor da Universidade de Lovaina, é um dos mais acérrimos defensores do rendimento básico incondicional (RBI) e esteve em Braga, com o ministro Vieira da Silva, para explicar a ideia.

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Philippe Van Parijs, professor da Universidade de Lovain Ana Paganini/DR
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Durante dois dias, o professor belga esteve em Braga Ana Paganini/DR
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Vieira da Silva também falou sobre RBI Ana Paganini/DR

É na Faculdade de Economia e de Ciências Sociais e Económicas da Universidade de Lovaina, na Bélgica, que Philippe Van Parijs tem desenvolvido os seus estudos sobre o rendimento básico incondicional (RBI), um apoio a que todos os cidadãos teriam direito, se fosse implementado, sem precisarem de trabalhar. Ricos e pobres, jovens ou menos jovens. Em Renda básica – Uma proposta radical para uma sociedade livre e económica sã, o autor explica o conceito. A curiosidade que o rendimento básico incondicional tem despertado trouxe-o a Braga, esta semana, para participar num seminário que teve o ministrodo Trabalho, Vieira da Silva entre os oradores.

A ideia de que a robotização da produção vai criar desemprego que não será absorvido está na base da proposta do rendimento básico incondicional. Mas há estudos que apontam para a criação de novos empregos. Acredita que a sociedade poderá ajustar-se?
Essa percepção não é a base da proposta do rendimento básico incondicional. É uma das causas de sua actual popularidade mundial. Pessoalmente, não acredito numa rarefacção absoluta dos empregos. O RBI não é uma forma de tornar tolerável a exclusão do trabalho remunerado. É, antes, uma forma de tornar possível para todos a inclusão através de um trabalho remunerado de forma significativa.

O RBI é um instrumento que pretende responder a uma alteração futura. Não será um erro antecipar um futuro que não sabemos como vai ser de facto?
É um erro acreditar que o futuro será uma cópia do passado e que as soluções passadas permanecerão válidas para sempre.

Numa sociedade em que o trabalho é o meio de inserção social, será possível aceitar a ideia do RBI?
Será possível, se entendermos que o RBI não é uma alternativa ao direito ao trabalho, mas uma maneira de tornar possível a realização desse direito nas condições actuais. E sabendo que esta solução não faz nada para abolir o dever moral de trabalhar, no sentido de fazer esforços, pagos ou não, que são úteis para os outros.

Teme que a criação de tal mecanismo seja entendida como um incentivo ao não-trabalho?
Os esquemas de assistência social existentes, que recorrem à ideia da condição de recursos, reduzindo os benefícios quando as pessoas encontram trabalho, já implicam tais desincentivos, comummente designados por armadilhas do desemprego. Em contraste, num sistema em que existe o RBI, os desempregados mantêm esse apoio quando encontram trabalho. O RBI é um remédio para a armadilha do desemprego criada pelo Estado social tradicional.

Tal medida não poderia provocar revolta por parte das populações que têm de trabalhar para viver?
Quem trabalhar para sobreviver receberá um RBI como todas as outras pessoas. Aqueles que têm baixos salários verão o seu rendimento líquido aumentar, já que a sua contribuição para o sistema fiscal, necessária para financiar o RBI, será menor do que o apoio que recebem. Por que razão haveriam de se revoltar? Haverá, claro, perdedores líquidos, cujo número e características variarão de acordo com a generosidade do esquema e com o seu financiamento – essas serão as pessoas com altos rendimentos. Algumas delas não vão gostar. Mas se preferirem parar de trabalhar e viver uma vida mais austera, com nenhum outro rendimento além de RBI, podem fazê-lo – mas acredito que não o farão.

Do ponto de vista moral, ético e cultural se o trabalho deixa de ser o factor de inserção social, quais serão então os seus substitutos? Qual será o cimento das sociedades futuras?
Numa sociedade que implemente o RBI, não há razão para esperar que o volume total de trabalho remunerado diminua. Mas a sua qualidade melhorará, porque ninguém será forçado a aceitar trabalhos precários com medo de passar fome. E será distribuído mais equitativamente entre as pessoas, e pelos diferentes períodos da sua vida, porque o sistema permite que seja mais fácil para alguém parar ou reduzir o trabalho remunerado sempre que for preciso, permitindo-lhe optar mais facilmente pelo trabalho a tempo parcial e por continuar no mercado de trabalho até uma idade mais avançada.

A adopção do RBI poderá pôr em causa a existência do Estado-providência que caracteriza o modelo social europeu?
O RBI não pretende substituir nenhuma das duas componentes do Estado-providência – a segurança social e a assistência social –, mas sim capacitá-las para funcionarem melhor no século XXI. Os níveis dos benefícios em dinheiro que delas advêm podem ser reduzidos sem agravar a situação material de seus beneficiários. Uma vez que funcionam como reforços condicionais acima do rendimento básico incondicional, elas podem continuar a cumprir a sua função específica, reduzindo outros efeitos secundários, como as armadilhas do desemprego, a estigmatização ou a não-aceitação.

Que Estados europeus têm situação orçamental para avançar para tal tipo de mecanismo?
Para um nível suficientemente modesto de RBI, todos.

Acha que o Governo português tem algum interesse em aplicar o RBI?
Os portugueses estão mais bem colocados do que eu para responder a essa pergunta e os meios de comunicação social estão mais habilitados para ajudar o Governo português a entender o que é o RBI e o que não é, e por que razão levar a ideia a sério é tão importante para que os nossos Estados sociais saibam lidar os desafios dos tempos modernos.

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