Xutos & Pontapés: “Os concertos sem o Zé Pedro serão diferentes, mas igualmente bons”

Os Xutos & Pontapés têm álbum novo a editar esta sexta-feira e concertos em Lisboa e no Porto. Quarenta anos depois o grupo passa pelo momento mais difícil da sua história – depois da morte de Zé Pedro – com a firmeza de sempre.

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Rita Carmo

A máquina Xutos & Pontapés nunca parou, mas existem momentos em que está mais em movimento do que noutros. Este é um deles. Nesta sexta-feira há álbum novo, Duro, um registo com alguns convidados (Carlão, Capicua, Jorge Palma) e em que o guitarrista Zé Pedro – que morreu a 30 de Novembro de 2017 – apenas participou parcialmente, mas no qual o grupo mantém a senha identitária rock que fez deles, nas últimas décadas, um dos casos de sucesso transgeracional em Portugal.

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A máquina Xutos & Pontapés nunca parou, mas existem momentos em que está mais em movimento do que noutros. Este é um deles. Nesta sexta-feira há álbum novo, Duro, um registo com alguns convidados (Carlão, Capicua, Jorge Palma) e em que o guitarrista Zé Pedro – que morreu a 30 de Novembro de 2017 – apenas participou parcialmente, mas no qual o grupo mantém a senha identitária rock que fez deles, nas últimas décadas, um dos casos de sucesso transgeracional em Portugal.

Haverá também concertos de apresentação. Para já foram anunciadas duas datas – no Lisboa ao Vivo, este sábado, em Lisboa, e no Hard-Club, no Porto, a 1 de Fevereiro – a que se seguirão muitas outras ao longo do ano protagonizadas por Tim, Kalú, Gui e João Cabeleira. É um álbum em que inevitavelmente se evoca Zé Pedro e a sua sombra paira. Mas é também uma obra sobre ilusões e desilusões, frustrações e partilha de felicidade, de luto e satisfação. Numa palavra, de perseverança, como a existência de 40 anos do próprio grupo, como nos haverá de transmitir Tim.

Como estão a encarar a transposição deste novo álbum para palco?
Vamos apresentar o Duro, que é um disco de rock, em duas salas, em Lisboa e no Porto, que têm essas características de clube de rock. Estamos em ensaios e está tudo a correr dentro da normalidade. 

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Tim José Sena Goulão/LUSA

Podiam ter marcado estes concertos para salas bem maiores, tendo em conta o vosso estatuto. Optarem por espaços mais pequenos tem algo que ver com uma ideia de recomeço?
Não. Pareceu-nos apenas que este disco poderia funcionar melhor nesse tipo de ambientes. A escolha tem que ver com isso. Apeteceu-nos fazer uma coisa um pouco diferente do que temos vindo a realizar. O disco saiu agora do estúdio e como é um disco de rock com as suas características muito próprias pareceu-nos que seria melhor recriá-lo dentro desse espírito. Mas haverá tempo, mais à frente, para variarmos de formato.

O facto de não tocarem agora com o Zé Pedro vai fazer com que o alinhamento dos concertos possa sofrer algum tipo de alteração?
Serão inevitavelmente concertos diferentes sem o Zé Pedro, mas serão igualmente bons, complementados a partir de dentro e com o empenho de sempre. Em relação às canções, talvez existam algumas que imaginemos que serão difíceis de tocar, por razões emocionais e porque o Zé Pedro era importante ali, mas pode ser apenas um fantasma que temos na cabeça. Somos músicos e esse alento haverá de surgir, apesar de um contexto mais difícil. Foi isso que sentimos quando ele estava ainda connosco e tivemos de ir tocar ao Canadá, por exemplo. Quando os concertos metiam viagens de avião, ele já não os fazia. Há essa experiência, portanto. Nessa altura a banda juntou-se, fez os concertos e tocámos todas as músicas, mesmo aquelas que pareciam mais difíceis, porque a presença do Zé Pedro era ali mais preponderante.

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Rita Carmo

Completaram há pouco 40 anos de percurso. Há alguma canção que, tantos anos depois, já se tenham saturado de apresentar ao vivo, mas pela pressão do público se sintam quase na obrigação de tocar?
Isso não acontece, embora existam canções, como A casinha, o Homem do leme ou o Circo de feras, que são obrigatórias. Mas quando se tocam acaba por ser sempre um pouco diferente. É um cliché, mas é verdade. Nem que seja pelas circunstâncias exteriores, a altura em que é, o espaço, as pessoas ou a experiência. A memória vai-se transformando e portanto tocar essas músicas é um desafio também, repeti-las, porque as pessoas gostam e nós também.

O novo álbum foi registado num contexto emocional complexo, por causa do estado de saúde do Zé Pedro. Daí decorreu que o processo criativo foi diferente do que empregaram noutros trabalhos?
Não. O processo decorreu normalmente, como nos discos anteriores. Pelo menos até uma certa fase do procedimento. Depois de termos feito o anterior álbum, Puro (2014), continuámos a trabalhar em novas canções com o Zé Pedro, todos juntos. Eram canções que respeitavam o espírito e andamento do registo anterior, porque havia a ideia de fazer uma espécie de dupla – o Puro e o Duro. Mas, quando chegámos ao terço final do trabalho, que seria ultimar o Duro, o Zé Pedro já não conseguiu e fomos nós que acabámos por finalizar tudo. Essa parte foi difícil em termos emocionais, mas o Zé Pedro já tinha feito muito para este disco.

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Miguel A. Lopes/LUSA

Em algumas letras houve a tentação de reflectir o contexto emotivo que se ia vivendo no grupo, ou, pelo contrário, tentou evitar-se isso?

Era impossível fugir. Aliás, nunca fugimos do que nos rodeia e influencia. Os temas, e, neste caso, as letras, quando aparecem, têm sempre algo que ver com o que se passa ou se sente à nossa volta. Nesse sentido, há duas ou três canções, em que partes da música e da letra têm essa carga evocativa. Era impossível não ser assim. Havia músicas que estavam feitas com o Zé Pedro, com letra e tudo, e em que não se falava de certas coisas. Mas há outras em que se percebe que se evocam essas coisas.

Há participações no álbum de Carlão, Capicua ou Jorge Palma. Que motivos vos levaram a convidar esses elementos exteriores ao grupo?

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Pedro Cunha/Arquivo

No tema com a Capicua e o Jorge Palma havia a vontade de fazer um tema que reflectisse uma confraternização, uma conversa, uma história. Foi uma ideia um pouco tola, mas de concretização rápida. Foi uma música que foi ficando para trás e às tantas sentimos que tínhamos de lhe dar um rumo. E então pedimos ao Palma e à Capicua que escrevessem qualquer coisa sobre o imprevisto ou o risco. E eles responderam na hora da forma que é audível no disco. Em relação ao Carlão e à presença do ambiente do hip-hop, é preciso ver que o Kalú é um baterista que por vezes cai em ritmos mais funk ou em andamentos drum & bass e coisas do género, ou seja, existe algum espaço de comunicação entre o que fazemos e esses géneros musicais. Quando esse espaço se abre, como nesse caso, podemos convidar alguém como o Carlão. É isso. E daí resultou uma colaboração muito imediata e feita em conjunto sem problemas.

Quando assumiram que iriam continuar, depois da morte de Zé Pedro, ficou a ideia que não existiu qualquer reacção negativa. Esperavam um tão grande consenso em relação a esse assunto?
Sentimos um apoio muito forte. De alguma forma foi muito reconfortante esse momento. Não houve ninguém que tivesse dito para pararmos ou para não continuarmos. Pelo contrário. Só ouvimos incentivos. Não posso dizer que foi uma surpresa, mas é verdade que dentro dos Xutos não contávamos com tamanha adesão, amizade e carinho das pessoas. Por outro lado, o facto de o Zé Pedro desejar que continuássemos foi realmente importante e teve peso na decisão final.

Têm afirmado que ele faria questão que continuassem, mas ainda assim deve ter havido momentos de dúvida sobre o que fazer.
 Sim, claro que houve dúvidas, mas elas vêm de há muito tempo, porque o Zé Pedro estava doente há muito. Aquando da feitura de alguns concertos, falámos muito entre nós sobre a sua saúde e o Zé Pedro assumiu algumas situações de risco. Ele queria era tocar. E isso aconteceu ao longo de oito ou nove anos. Na última fase claro que foi diferente, mas ele tocou sempre conforme a sua vontade, porque adorava o palco. E da nossa parte o que tivemos de fazer foi assumir isso também, estando em palco com ele, todos juntos. Houve alturas em que o aconselhámos a não o fazer ou a cancelarmos mesmo os concertos. Mas ele nunca aceitou essa hipótese, a não ser quando esses concertos implicavam viagens de avião.

Por vezes discute-se muito sobre como é que uma banda como os Xutos se consegue manter ao longo de 40 anos. Nos momentos de conflito ou frustração reavivam entre vocês o que os fez começar?Nem tanto. Não é preciso chegar tão fundo. A nossa democracia admite direito de veto. E cada um usa-o. Quando alguém se sente mal a fazer alguma coisa, a banda tenta acatar isso. O bem comum é o mais importante, mas estamos atentos ao individual. Claro que já houve muitos conflitos e confrontos, mas foram suplantados. Tiveram que ver com o crescimento da banda e das pessoas enquanto indivíduos, ou com os egos, com quem faz o quê, enfim, um sem-número de razões – o que é perfeitamente normal. Quando existem pessoas em grupo, é sempre assim.

O facto de ao longo dos anos terem lançado álbuns a solo e tido projectos paralelos (dos Resistência aos Ladrões do Tempo) ajudou a refrescar esse espírito de grupo, quando se voltam a juntar para criar?

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Nuno Ferreira Santos

Sem dúvida. Acaba por ter esse efeito de refrescar a própria atitude do grupo. Quando estou, por exemplo, com os Resistência, acabo por valorizar de forma diferente aquilo que tenho nos Xutos. Essa distância acaba por ser importante. Termos outras experiências acaba por ser também uma maneira de valorizar aquilo que nos une. É importante ter esse espaço para podermos apreciar aquilo que conquistámos e que temos. E é também uma forma de encararmos o futuro com confiança.