Futuro de jovens atletas portugueses passa cada vez mais pelos EUA

Compatibilização do desporto com o ensino universitário está a atrair muitos atletas para o outro lado do oceano Atlântico. As condições académicas e de treino têm contribuído para a mudança.

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João Moutinho mudou-se inicialmente para o Ohio e agora joga na MLS DR

O caso de João Moutinho é o mais conhecido: depois der ter feito a formação no Sporting, culminada com o título de campeão nacional de juniores, o jovem lisboeta viu-se na impossibilidade de conciliar os estudos com a carreira desportiva. A opção foi candidatar-se a uma bolsa universitária nos EUA. Um ano depois de alinhar nos Akron Zips, do Ohio, Moutinho foi considerado um dos melhores do campeonato universitário e elegível para a Liga profissional de futebol (MLS). Foi a primeira escolha do Los Angeles FC nesse draft, em Janeiro, e, no mês passado, foi transferido para os Orlando City SC, com um ordenado anual de 190 mil euros — superior ao de muitos jovens das principais equipas portuguesas. Como Moutinho, dezenas de jovens atletas lusos têm optado pelos EUA para continuar os estudos sem hipotecar a carreira desportiva.

A ida de atletas para as universidades dos EUA com bolsas de estudo começou de forma esporádica nos anos 80 e através de conhecimentos e contactos directos. As primeiras empresas especializadas a seduzirem jovens portugueses surgiram em Espanha, mas as queixas de falta de acompanhamento eram muitas. Nos últimos anos, porém, a emigração de atletas/estudantes tem-se massificado graças ao aparecimento de duas empresas em Portugal, dedicadas exclusivamente à consultoria e colocação dos jovens num universo de cerca de 400 universidades espalhadas pelos EUA.

Geralmente, os estudantes requerem uma bolsa para a universidade após concluírem o 12.º ano em Portugal — mas também há bolsas para MBA e pós-graduações até aos 23 anos ou para os mais jovens que queiram concluir o secundário já nos EUA. Obviamente que as bolsas mais desejadas são as “full-ride”, com as despesas pagas a 100%, mas cada universidade dispõe de um número limitado.

Uma bolsa a 70% é a mais frequente e o restante valor, que depende da cotação das universidades (o custo anual de uma universidade norte-americana média é de 35 mil euros/ano e pode ir até aos 58 mil nas de topo), fica a cargo dos atletas. É normal os pais terem de suportar cerca de oito mil euros de despesas no primeiro ano, mas o tipo de bolsa pode melhorar a cada ano, conforme o desempenho do atleta/aluno. 

Os alunos não assinam nenhum contrato, podem regressar se e quando quiserem, ou até trocarem de universidade, mas os casos de inadaptação têm sido raros. A presença de outros compatriotas vai facilitando a adaptação e tem sido mais um factor a ter em conta no momento da escolha da universidade.

Empresas especializadas

A Next Level foi criada a 24 Maio de 2014 (data da final da Champions League em Lisboa) por Tasslim Sualehe, pai de três atletas, um deles a estudar nos EUA. Neste momento, a empresa tem 78 jovens colocados nas universidades norte-americanas, 60 dos quais na modalidade de futebol. Há também um grande número de tenistas, mas também há atletas lusos no pólo aquático e no basquetebol. Neste momento, a Next Level tem em mãos cerca de 70 processos de jovens para colocar em 2019 e as modalidades estendem-se igualmente ao voleibol, atletismo e golfe.

Os honorários da empresa começam com uma mensalidade (100 euros) enquanto dura o processo e um pagamento final: 2500 euros se a bolsa obtida for a 100% ou 1250 euros se for menos. Quem tiver mais dificuldades financeiras pode pagar no final do curso.

Já a Sports4me abriu há dois anos e já colocou 50 atletas nas universidades norte-americanas. No próximo ano, espera levar mais 40. Cerca de 80% desses estudantes são também futebolistas, 15% tenistas e os restantes dividem-se pelo voleibol, golfe e râguebi. À frente da empresa está João Pedro Carvalho, ex-funcionário da NextLevel, que junta a experiência de ter vivido e estudado nos EUA. Os custos da consultoria ascendem a 2500 euros, valor que é pago faseadamente, ao longo do processo de um ano.

O trabalho das empresas começa com o traçar do perfil do pretendente, reunindo as qualidades académicas, desportivas e as preferências de curso, desportivas e até de local. Para cada perfil, procura-se o tipo de faculdade mais adequado. Para a candidatura final, é obrigatória a realização de dois exigentes testes: o SAT, teste padronizado de admissão de alunos às universidades dos Estados Unidos, de três horas, sobre as matérias de matemática e inglês; e o Toefl (falar, ouvir, ler e escrever em inglês, durante quatro horas).

Alternativa ao “paitrocínio”

Para os pais, esta é sem dúvida uma forma mais económica de proporcionar aos filhos estudos superiores, aliada a uma experiência de vida única e à possibilidade de se treinarem todos os dias e competirem nos exigentes campeonatos universitários (algo impossível em Portugal), mantendo o seu sonho de prosseguir uma carreira desportiva. As condições de treino são boas em todas as universidades, com a maioria a rivalizar com os maiores clubes portugueses. A qualidade dos treinadores é mais variável, mas nas melhores universidades a equipa técnica é de excelência. Nos casos dos desportos individuais, como o ténis ou golfe, esta é uma opção ainda mais aliciante, pois a alternativa é o “paitrocínio”.

“Estarem quatro anos nos EUA não é igual a estarem no circuito profissional, mas quantos pais é que têm dinheiro para se aguentarem com despesas anuais de 30 mil euros (50 mil com treinador) e a ganhar 10, 15 mil?”, questiona João Maio, cujo filho, tenista, esteve a estudar nos EUA. Na sua Academia de Ténis, na Maia, o treinador conta actualmente com 40 jogadores: “O primeiro objectivo é formá-los para ganharem uma bolsa”. “Em Portugal, é difícil conciliar com os treinos. As universidades não dão hipótese, são muito teóricas e exigem muito deles e deixam de jogar. Nos EUA permitem fazer mais quatro anos de desporto”, frisou.

No ténis, existe um maior número de contactos directos entre jogadores e universidades, que enviam treinadores aos mais importantes torneios de juniores. Os bons resultados e rankings internacionais pesam bastante na escolha das universidades.

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O tenista Nuno Borges é actualmente atleta da Mississipi State University DR

Foi o que aconteceu a Nuno Borges, abordado quando figurava no top 50 do ranking mundial de juniores. “Tinha 18 anos e, se começasse logo no circuito profissional, seria muito difícil, iria passar muitos anos a investir. O ‘college’ é uma boa opção, posso competir todos os fins-de-semana, mais a segurança de tirar um curso”, afirmou o atleta da Mississipi State University, com uma bolsa a 100% e membro do top 10 do circuito universitário dos EUA.

Quando a competição interna está interrompida, Borges pode competir em torneios profissionais. Nos nove torneios que realizou desde Junho, cinco dos quais no Verão em Portugal, mais quatro em Outubro e Novembro nos EUA (incluindo dois qualifyings de challengers), conquistou dois títulos, em cinco finais disputadas no circuito “future”, concluindo a época no 455.º lugar do ranking ATP, a sua melhor classificação de sempre. Aos 21 anos, Borges mantém o sonho de se tornar tenista profissional, mas quer primeiro acabar o curso, já em Maio.

No futebol, a modalidade que fez explodir o número de estudantes emigrantes, a avaliação é feita através de observações periódicas, por parte de treinadores universitários que se deslocam a Portugal. Foi assim que Pedro Cordeiro, ex-capitão da seleção da Taça Davis, viu, em 2015, os três filhos saírem de uma assentada para irem jogar futebol nos EUA — o mais velho para um MBA. “Aos 22 anos estão formados e ainda podem optar pela carreira desportiva. Têm condições extraordinárias, treinos diários e competição com um bom nível”, justificou.

Tasslim Sualehe, fundador da Next Level, criou mesmo uma equipa na Abóboda, que compete no campeonato nacional de seniores, para que a avaliação seja um processo mais fácil e contínuo.

Raparigas ainda são minoria

Depois de concluído o curso nos EUA com uma bolsa, Priscila Alves cumpriu um estágio numa empresa norte-americana e, após esperar dois anos para obter um visto de trabalho, passou a integrar os quadros da ASM (Athletes Sports Media), uma empresa norte-americana especializada na angariação de atletas para as universidades dos EUA.

Os custos do processo ultrapassam os 4000 euros e incluem a criação de um currículo, com o perfil do estudante, resultados desportivos, acompanhado de vídeo e fotos, e a ajuda na preparação para os testes e entrevistas, através de um tutor designado. E para os que forem aceites, assegura o acompanhamento ao longo do curso e um seguro que, em caso de lesão do estudante, permite manter a bolsa académica. Através da presença nas redes sociais e acções pontuais de marketing na Europa, a ASM deu-se a conhecer em Portugal e já levou atletas de râguebi, basquetebol e golfe.

Embora haja já um crescimento de atletas do sexo feminino, inclusive no futebol, 90% destes jovens emigrantes são rapazes. “Talvez tenham algum medo de deixar o conforto de estar em casa”, arrisca Priscila Alves.

O curioso é que as raparigas têm maiores possibilidades de acederem a bolsas “full-ride”, devido às quotas que as universidades têm de respeitar em termos de género — e que são desequilibradas naquelas que apresentam equipas de futebol americano e hóquei no gelo, cada uma com várias dezenas de jogadores masculinos.

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