Geórgia
Doukhobors, uma minoria religiosa na iminência da extinção
Os doukhobors foram expulsos da Rússia em 1840, após várias décadas de perseguição, por serem anticlericais, pacifistas (recusavam-se a ser recrutados pelo exército do czar) e dissidentes da Igreja Ortodoxa russa. Rejeitam símbolos, ícones e rituais religiosos, motivo pelo qual foram apelidados "lutadores espirituais" por um arcebispo russo, em 1785 — um insulto que decidiram abraçar e assumir como um elogio até aos dias de hoje.
Foi no topo de uma montanha na Geórgia, a 2500 metros de altitude, na região da Mesquécia-Javaquécia, que, em exílio, fundaram as oito aldeias onde vivem, presentemente, cerca de 40 famílias. O número tem vindo a reduzir drasticamente desde os anos 80, quando havia registo de cerca de duas mil a residir no mesmo espaço. "São uma seita religiosa cristã que acredita que Deus está dentro de cada pessoa", explica o italiano Mattia Vacca na sinopse do projecto fotográfico The Last Days of Doukhobors’ Disappearing Community (Os Últimos Dias da Quase Extinta Comunidade Doukhobor, em tradução livre), do qual é autor. "Apesar dos longos e gelados invernos, os doukhobors construíram aldeias que parecem saídas de um conto de fadas, com casas protegidas por telhados de relva e janelas de madeira com portadas azuis", descreve. Em Gorelovka, outrora o centro espiritual do conjunto de aldeias, vivem apenas 145 pessoas. Muito poucas famílias, a maioria composta por idosos, habitam as restantes aldeias. "O incessante êxodo em direcção a norte pode ditar o fim de uma cultura", avalia.
O famoso escritor Leon Tolstoi escreveu sobre esta minoria religiosa, em 1898, num periódico russo, expressando já preocupação perante a sua lenta e iminente extinção. "O governo do Cáucaso cercou a população rebelde e, lentamente, esta população está a desaparecer", redigiu. "Dentro de poucos anos, é possível que os doukhobors se tenham extinguido." Preocupado, Tolstoi doou fundos à comunidade para a construção de uma escola em Gorelovka, que até hoje mantém o seu nome na denominação oficial.
O convívio com a maioria arménia que "tomou conta" desta região após a queda da União Soviética exigiu o confronto dos doukhobors com a modernidade. "Estamos a dar passos em direcção à civilização", afirmou Vasily Slastukhin, um dos "lutadores espirituais" que resistem na região. "Agora temos computadores, telefones e até viajamos para fora do país", comenta. Teme que esse seja o gatilho para a tão antecipada extinção do seu grupo, mas mantém a esperança. "Se nos sentirmos ameaçados, teremos de nos voltar novamente para o trabalho na terra. Quando conhecemos o local onde estão as nossas raízes, não é fácil sermos atraídos por uma estrada."
A história dos doukhobors estende-se para além da Geórgia e conhece várias nuances. Em 1897, o Império Russo prometeu libertar e deixar de perseguir os membros da comunidade dissidente com a condição de estes abandonarem o território russo e não regressarem. Alguns partiram em direcção ao Chipre e cerca de seis mil rumaram ao Canadá. Um ano depois, eram 7500 os Doubkhobors a residir nos arredores de cidades da Colúmbia Britânica, nomeadamente em Saskatchewan e Alberta. O seu destino no país não poderia ter sido mais trágico, como é possível perceber através da reportagem de investigação do canal de televisão nacional canadiano Global News.
O fotógrafo Mattia Vacca (@mattia__vacca no Instagram) pertence ao colectivo de fotógrafos Prospekt. O trabalho do também orador da TEDx já foi distinguido pelos Sony World Photography Awards, pela Unesco Humanity Photo Awards e pelo IPA.