O contexto único da sala de Maria João Pires

A pianista portuguesa regressou a Belgais, e abriu ao público as portas da sua casa. Voltará a fazê-lo nos próximos fins-de-semana e também no próximo ano, de Janeiro a Maio.

Foto
Maria João Pires fotografada em 2015 EPA/ELVIRA URQUIJO A.

Ninguém pergunta como foi possível que passasse tanto tempo até que Maria João Pires regressasse a Belgais. O importante mesmo é a sua presença e a generosidade de abrir ao público as portas da casa onde o recebe calorosamente.

O cenário idílico de uma tarde de domingo verde e coroada de sol, em que as aves são em maior número do que os homens, é ainda pequeno, comparado com o encanto a que a música conduzirá o numeroso público. Numa sala quente e cheia, com aconchegante iluminação (algumas lâmpadas e muitas velas), a expectativa é grande. Pontualmente e sem perder tempo, a anfitriã entra e dirige-se ao piano onde ataca, sem surpresa, a Sonata K332 de Mozart, perfeita como a conhecemos das gravações, mas mesmo ali, na sua sala.

No primeiro andamento, não faltou a repetição da Exposição e ouviu-se com perfeita clareza cada pormenor da partitura. Sem apelo à comoção fácil, o Adagio deliciou pela simplicidade despretensiosa com que Maria João Pires nos conduziu pelo discurso reflexivo. O terceiro andamento mostrou-nos uma pianista em forma.

O adocicado Mompou, “...pour endormir la souffrance...”, funcionou como uma antevisão da magistral segunda parte deste memorável recital. Antes do intervalo, haveria de se ouvir ainda a última sonata de Beethoven, uma surpresa apresentada numa leitura muito pessoal que não será, certamente, o que melhor condiz com a personalidade musical que reconhecemos na pianista.

Após uma visita a outra sala quentinha, em que se tomavam bebidas quentes e se podiam petiscar sandes de presunto ou fatias de bolo, o regresso à sala do piano foi feito para a mais subtil poesia. Maria João Pires partilhou a sua muito íntima leitura de seis Nocturnos de Chopin (op. 9 — 1 a 3, op. 27 — 1 e 2, e n.º 19 — obra póstuma), poemas que parecem mesmo ter sido compostos para ela. Não se conhece outra interpretação que eleve a música de Chopin a tão sublime manifestação.

Os aplausos de franco agradecimento valeram ao público diversos regressos de Maria João Pires ao centro da sala, mas apenas um número extra programa: a Valsa n.º 7 em dó sustenido menor, op. 64 n.º 2.

Tornar-se-á Belgais local de culto? Todo o ambiente transmite um conforto acolhedor, uma experiência incomparável à das grandes salas de concertos, quase sempre dotadas de características acústicas menos favoráveis do que as daquela sala.

Na próxima sexta-feira e no sábado terão lugar os concertos de Natal, com Schubert em piano solo e a quatro mãos (Maria João Pires e Milos Popovic) e canções arménias com a soprano Talar Dekrmanjian. Sobre os concertos de Ano Novo (a 28 e 29 de Dezembro), contrariamente ao que figura no sítio electrónico do Centro de Artes de Belgais, o programa deste primeiro ciclo de concertos anuncia a presença de Maria João Pires e Lilit Grigoryan, mas também de Ema Neves de Sá (soprano) e Francisco Alpoim (guitarra), com sonatas de Mozart a solo e a quatro mãos e com música portuguesa à capela.

Novos concertos estão previstos, já com datas anunciadas para 2019, de Janeiro a Maio, com a participação de Maria João Pires e de diferentes artistas.

Longa vida a Maria João Pires! Longa vida a Belgais!

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