Empresas portuguesas perderam quota de mercado em Angola

Nos últimos cinco anos, Angola passou de ser o quarto maior cliente das empresas portuguesas para a oitava posição do ranking.

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Valor das exportações chegou aos 3178 milhões em 2014 Manuel Roberto

As empresas portuguesas que exportam para Angola não só têm assistido a um recuo das vendas para este país, devido à crise que atravessa Luanda, como perderam terreno para a concorrência. De acordo com uma análise divulgada recentemente pelo Gabinete de Estratégia e Estudos (ligado ao Ministério da Economia) sobre as quotas de mercado das exportações para os principais destinos, Portugal pesava 21,8% no total das compras angolanas em 2013.

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As empresas portuguesas que exportam para Angola não só têm assistido a um recuo das vendas para este país, devido à crise que atravessa Luanda, como perderam terreno para a concorrência. De acordo com uma análise divulgada recentemente pelo Gabinete de Estratégia e Estudos (ligado ao Ministério da Economia) sobre as quotas de mercado das exportações para os principais destinos, Portugal pesava 21,8% no total das compras angolanas em 2013.

Em 2014 (ano da queda do preço do petróleo), esse valor tinha caído para 14,9%, e chegou mesmo aos 7,2% em 2016, de acordo com os cálculos do GEE. Já no ano passado assistiu-se a uma recuperação, com a quota de mercado a chegar aos 12,4%, mas ainda abaixo dos valores de 2014, e principalmente dos de 2013. Ainda assim, Portugal rivaliza com a China o estatuto de maior abastecedor de produtos a este país africano (a China é também o maior comprador do petróleo angolano) e é o segundo país onde as empresas nacionais detêm maior quota de mercado (acima está apenas Cabo Verde, com 39%). 

Mercado a descer

Nos últimos cinco anos, Angola passou de ser o quarto maior cliente das empresas portuguesas para a oitava posição do ranking. Os números, aliás, são bastante expressivos: se em 2014 as vendas para Angola chegaram ao pico de 3178 milhões (a queda do preço do petróleo só se verificou no segundo semestre), dois anos depois tinham caído para menos de metade. Isso levou a que milhares de empresas desaparecessem deste mercado, com o número de exportadoras para este país a descer 41% para 5523 durante este período (destas, 2749 exportavam apenas para Angola).

Desde Janeiro de 2015 a Setembro deste ano, só 11 dos 45 meses que decorreram tiveram uma variação positiva, ligadas ao ambiente eleitoral e pré-eleitoral de 2017 (as eleições que levaram João Lourenço à presidência ocorreram em Agosto). Numa análise aos primeiros noves meses deste ano o recuo, de 15%, está contabilizado em 199 milhões de euros, com destaque para sectores como máquinas e aparelhos (com menos 49 milhões).

Aqui, a questão que se coloca é que dificilmente se voltará aos grandes valores de exportações. Angola, com falta de receitas petrolíferas (nomeadamente por via da produção), está prestes a assinar um acordo de intervenção com o FMI que promete acentuar a conjuntura de controlo das despesas públicas (com impacto geral ao nível da economia do país). Por outro lado, e embora seja uma tendência mais a médio e longo prazo, Angola parece decidida a apostar na diversificação da economia, com muito mais produção local.

Investimento local

Com o enquadramento de novas leis como a do investimento privado (que retirou a obrigatoriedade de parcerias com sócios angolanos), o discurso tem sido o de que este é um novo ciclo onde se inclui o combate à corrupção, de modo a captar dinheiro estrangeiro. 

Ao PÚBLICO, o economista angolano Manuel Alves da Rocha afirma que Angola “não pode continuar a ser o receptáculo de exportações portuguesas de bens primários para os quais existem condições naturais e técnicas para serem produzidos localmente”. “O que eu gostaria que acontecesse era que os empresários portugueses, em vez de levarem mercadorias para Angola, levassem investimentos, tecnologia, know-how para se produzirem localmente os bens que são importados de Portugal”, diz.

Na entrevista que deu ao Expresso, o Presidente de Angola, João Lourenço, foi bastante claro ao afirmar que quer “cativar os investimentos privados portugueses em todas as áreas que for possível”. “Mas”, sublinhou, “estou a referir-me a investidores e não a comerciantes, não aqueles que queiram apenas vender coisas a Angola”.

Actualmente, Portugal já tem vários investimentos fora do sector petrolífero (onde está presente por via da Galp), através de pequenas e grandes empresas (cerca de 400 ao todo, passando por áreas como banca, construção ou comércio).

Construção a desinvestir

No ano passado, de acordo com os dados do Banco de Portugal divulgados em Outubro (por via do relatório sobre as relações com os PALOP), o fluxo de investimento directo em Angola foi negativo em 131 milhões de euros. Numa análise sectorial percebe-se que foi o sector da construção civil quem penalizou o resultado, com -165 milhões de euros, enquanto as indústrias transformadoras contribuíram de forma positiva com 41 milhões.

O presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portugal Angola (CCIPA), João Traça, não tem dúvidas de que Portugal deve apostar mais em Angola. Este, diz, “é um país com futuro e é disso que os empresários necessitam de se consciencializar: a mesma língua, recursos naturais em abundância, uma grande proximidade dos sistemas legais e administrativos, uma enorme empatia cultural, uma economia onde as empresas portuguesas conseguem acrescentar valor, uma população jovem, uma significativa fidelização dos consumidores angolanos às marcas portuguesas. Sem esquecer, obviamente, a maior riqueza de Angola: a paz em todo o território. Algo que naquela região de África, é bastante relevante”. “As crises”, refere o advogado da Miranda & Associados, acabam por converter-se “em momentos de crescimento e nessas alturas, aqueles que melhor anteciparam as oportunidades estão em melhores condições”.

Para haver mais investimento português, “para além da confiança dos empresários”, é também necessário “que exista um «ecossistema» estruturado de apoio”, defende o presidente da CCIPA. “Mais concretamente, são necessários instrumentos de financiamento adequados às necessidades das empresas portuguesas e o conhecimento da situação e das oportunidades de Angola”, acrescenta.

Questionado sobre o problema das dívidas em atraso, devido à crise que o país atravessa, João Traça diz que o seu pagamento “é certamente um factor adicional para os empresários ganharem mais confiança para realizarem os seus investimentos”. No entanto, o presidente da CCIPA diz que “não se antecipam grandes novidades sobre este tema no âmbito da visita do Presidente João Lourenço”.

Já questionado sobre as expectativas da visita oficial, afirma que são "elevadas". "Não pelos eventuais resultados em termos de acordos assinados entre ambos os países, mas antes pelo facto de estas visitas serem um sinal da importância das relações empresariais e culturais entre os dois países. As relações empresariais entre Portugal e Angola sempre estiverem para além das questões políticas", acrescenta.

São, realça, relações entre dois países irmãos, em que "umas vezes estão melhores, outras piores", mas "estão lá e são para durar". "Enfim, esta visita é como aqueles namorados que decidem ir jantar fora a um bom restaurante. Mesmo quando a relação é madura (como as existentes entre os povos angolanos e português), os momentos especiais fazem a diferença!", sintetiza.

Dívidas a pagamento

Na sequência da visita do Primeiro-ministro português a Luanda, em Setembro, o Estado angolano reconheceu cerca de 390 milhões de euros de dívidas em atraso (o valor contabilizado pelas partes portuguesas, citado pela Lusa, oscilava entre 400 e 500 milhões), dos quais só 90 milhões estavam certificados por entidades públicas angolanas. Nessa altura, prometeram-se avanços no universo de dívida certificada, a concluir até este mês de Novembro.

Em entrevista por escrito ao Diário de Notícias, o ministro das Finanças de Angola, Archer Mangueira, afirmou no sábado que o valor das dívidas certificadas é agora de 200 milhões de euros, e dizem respeito a 24 empresas (construção e serviços). Deste valor, 40% já foi regularizado, diz o ministro, e o restante será “ainda este ano”. O acerto de contas está a ser feito com recurso a títulos de dívida de Angola, “compensação de créditos fiscais” e dinheiro.

Ao PÚBLICO, fonte oficial da secretaria de Estado da Internacionalização afirmou que o Governo “e em particular a Embaixada de Portugal em Luanda, acompanham com atenção o processo de certificação de dívidas que se encontra a decorrer entre o Governo de Angola e as empresas portuguesas”. “Neste contexto”, diz a mesma fonte, “o Governo Português sublinha os esforços efectuados pelas partes, ao longo das últimas semanas, para chegar a um acordo satisfatório que se aguarda para breve”. 

Na visita de António Costa foi também assinada a convenção para acabar com a dupla tributação entre Portugal e Angola. Esta medida, que regula quem tributa o quê e onde (se uma empresa ou pessoa paga impostos cá ou em Luanda), está bem encaminhada para entrar em vigor. Se em Angola estão a ser dados passos, em Portugal o diploma foi a Conselho de Ministros e está prestes a chegar ao Parlamento.

Outra medida que dará melhores condições às empresas que trabalham com Luanda é o aumento de 1000 milhões para 1500 milhões da linha de créditos da Cosec ligada à exportação de bens e serviços para Angola. Com garantias estatais (seguros de créditos), a linha tem apoiado projectos como obras públicas, escolhidas por Luanda. A cobertura de crédito abrange também financiamentos a importadores angolanos. Anunciado por Costa na visita a Angola, o reforço de 500 milhões ainda não foi efectivado.

De acordo com fonte oficial do Ministério das Finanças, o aditamento à convenção em vigor terá ainda "de seguir os trâmites internos de aprovação". "A entrada em vigor do instrumento renovado permitirá estender a cobertura de crédito às exportações (de bens e serviços) para Angola a um maior número de projectos e em maior valor, pelo que promove o fortalecimento das relações económicas bilaterais", diz a mesma fonte ao PÚBLICO.

De resto, falta ainda fechar, e implementar, o Acordo de Promoção e Protecção Recíproca de Investimentos entre os dois países. Rubricado na visita de José Sócrates a Luanda em 2008, nunca chegou a ver a luz do dia. Em Setembro, dez anos depois, Portugal e Angola afirmaram o seu compromisso para concluir o processo de entrada em vigor, o que pode incluir “uma adenda para a sua adequação ao actual quadro de desenvolvimento económico dos dois países”.