Como medir o desperdício alimentar? Ainda não há uma fórmula mas há que "actuar já”

Até Março será definido um modelo para medir o desperdício alimentar na UE. Em Portugal o INE e outras entidades estão a estudar como. Iva Pires, autora de um ensaio sobre assunto, defende medidas já.

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DANIEL ROCHA

Foi depois de ler um livro de Tristam Stuart, um activista britânico contra o desperdício alimentar, que a investigadora Iva Pires despertou para o tema. “Nunca me tinha dado conta de quão grave era a situação.” A partir daí, começou a trabalhar a questão e em 2011 obteve financiamento para estudar o desperdício alimentar em Portugal. Foi nessa altura que surgiu o PERDA — Projecto de Estudo e Reflexão sobre o Desperdício Alimentar. O grupo de investigadores que o integraram chegaram então a uma estimativa que continua hoje a ser a usada quando se fala do tema: um milhão de toneladas de alimentos são anualmente desperdiçados em Portugal.

Mas é preciso um melhor conhecimento da realidade. “A existência de dados é muito importante para poder informar quem tem poder de decisão.” O conhecimento, diz Iva Pires, doutorada em Geografia Humana, autora do ensaio Desperdício Alimentar, recentemente publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, permite “desenhar políticas mais eficientes e eficazes”. O problema é que a cadeia “longa e complexa” dos alimentos torna “muito difícil” quantificar, por exemplo, quanto é que as famílias estão a deitar fora, ou quantas maçãs perdeu um agricultor por causa de chuvas fortes ou do granizo.

“Existem várias definições. Da FAO — Organização para a Alimentação e a Agricultura das Nações Unidas; da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico; do projecto Fusions na União Europeia; da nossa Comissão Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar (CNCDA), mas todas têm pequenas variações”, diz a professora e investigadora do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa, em entrevista ao PÚBLICO. Por isso, o essencial é chegar "uma definição consensual” e encontrar “formas de medir o desperdício que sejam standardizadas e que permitam, mais tarde, comparar o valor dos vários países”. Por enquanto, o que existe “são estimativas” que têm origem em diferentes metodologias e que, por isso, não são comparáveis.

O problema terá de estar solucionado até 2020 — ano a partir do qual Portugal e todos os Estados-membros da União Europeia serão obrigados a reportar as suas estatísticas sobre o desperdício alimentar. O Instituto Nacional de Estatística, que integra a CNCDA, “está em articulação com outros membros desta comissão, e em particular com o Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral, a desenvolver os trabalhos preparatórios para a operacionalização da monitorização a iniciar em 2020”, faz saber o Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral, em respostas ao PÚBLICO.

Este organismo dependente do Ministério da Agricultura informa ainda que “está, nesta altura, em discussão, ao nível da Comissão Europeia, a legislação complementar para definir a metodologia comum para medir o desperdício alimentar, que estará publicada, no máximo, no final de Março de 2019”.

Mas Iva Pires defende que não devemos esperar até lá para tomar medidas. Há vários estudos que mostram que “a dimensão do problema" é tal que se deve "começar a actuar já”.

Mais desperdício no Natal

“A maior parte dos estudos mostra que um elevado volume de desperdício acontece nas famílias”, nota. Elas "devem ser as primeiras a ser envolvidas no combate a este problema”.O potencial contributo dos consumidores é enorme. “Somos quatro milhões de famílias [em Portugal] e portanto podemos encontrar quatro milhões de soluções para reduzir o desperdício”. E "investir na consciencialização das famílias custa muito pouco”.

Iva Pires propõe que as estratégias de sensibilização “mostrem às pessoas que sempre que estão a deitar alimentos para o lixo, há implicações económicas sociais, éticas e ambientais”. Sugere ainda que se inspirem no exemplo dado pelo Reino Unido, onde foi criada uma campanha que apela ao impacto do desperdício no orçamento familiar.

Mas o trabalho não deve ser só feito junto das famílias. “É um tema que podia ser trabalhado por muitas disciplinas [na escola], para começar a consciencializar estes jovens, que um dia vão ter a sua casa, e vão ser responsáveis por comprar alimentos, para as implicações associadas a deitar alimentos para o lixo.” Além disso, "é preciso também pedir a colaboração da produção, da distribuição”.

A melhor forma de lidar com o desperdício “é a prevenção”, lembra Iva Pires. Mas “quando acontece, o melhor é valorizar os alimentos antes de os deitar para o lixo”.

“Há alguns estudos, não muitos, que contabilizaram o desperdício na época do Natal e mostraram que há um pico de desperdício nesta altura.” E o que é que se pode fazer para contornar o problema? Iva Pires deixa sugestões: congelar os alimentos para depois consumir mais tarde; doar a outras famílias que “não têm mesas tão fartas”; distribuir pelos membros da família e planear melhor aquilo que cada um leva para a ceia.

Ouça a entrevista no podcast Com Tempo e Alma:

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