Furos de Aljubarrota e Pombal ameaçam vestígios arqueológicos

Estudos de Impacto Ambiental das duas prospecções de gás estão em consulta pública até 27 de Novembro. As explorações não estão dentro de zonas de Reserva Ecológica Nacional, mas os estudos indicam que os furos serão feitos em terrenos com “elevada sensibilidade arqueológica”.

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Após muita contestação, o consórcio Galp/ENI anunciou, no final do mês passado, que desistiu da prospecção de petróleo em Aljezur por causa de obstáculos legais MIGUEL A. LOPES/LUSA

As prospecções e pesquisas de gás em Aljubarrota e em Pombal, previstas para o próximo ano, serão feitas em terrenos de “elevada sensibilidade arqueológica”, dizem as propostas de definição de âmbito (PDA) do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) das duas explorações, que estão desde quarta-feira em discussão pública. 

É a empresa Australis Oil & Gas que detém as concessões da Batalha e de Pombal, na região de Leiria, para a exploração em cerca de 2510 quilómetros quadrados onshore — em terra — na Bacia Lusitânica. As prospecções, notam as propostas de definição de âmbito (PDA) do Estudo de Impacto Ambiental (procedimento facultativo que ajuda a afinar as vertentes sobre as quais a Avaliação de Impacto Ambiental deve incidir), serão de “carácter temporário e exploratório”, com uma “duração máxima aproximada de dez meses de trabalho de campo”.

Em Aljubarrota, durante o próximo ano, o projecto dos australianos visa executar uma sondagem de um poço vertical até aos 3200 metros. Será depois feito um desvio na horizontal aos 1200 metros de profundidade, com um alcance de 300 a 700 metros de extensão. Em Pombal, será aplicada uma técnica semelhante. A opção pela tecnologia de sondagem horizontal permite avaliar centenas de metros na horizontal, através de um único furo vertical, e “foi escolhida por forma a minimizar o impacte que teria a perfuração de vários poços exclusivamente verticais”, explica o documento. 

Os impactos mais significativos apontados no documento prendem-se com o facto de o local escolhido para a prospecção de gás natural se integrar num território de “elevada sensibilidade arqueológica e espeleo-arqueológica”. O EIA refere que “as fontes documentais dão nota da existência de vestígios de ocupação humana desde períodos bastante remotos a céu aberto e em gruta”. 

“A diversidade e a abundância de vestígios arqueológicos, arquitectónicos e etnográficos registados numa área alargada à volta da área de implantação do projecto indiciam uma elevada sensibilidade arqueológica. Salienta-se igualmente a profusão de vestígios arqueológicos documentados em contexto de gruta, reveladora de uma elevada sensibilidade espeleo-arqueológica”, pelo que, determina o documento, a “actualização e desenvolvimento dos dados existentes em fase de EIA serão indispensáveis”.

Os projectos serão implantados na Rua dos Prazeres, na freguesia de Aljubarrota, e no cruzamento da Rua do Loural com a Rua de Bouça de Lá, na localidade de Bajouca, Leiria. Em ambas as explorações, os terrenos para onde está prevista a pesquisa de gás não estão integrados no Sistema Nacional de Áreas Classificadas, nem na Reserva Agrícola Nacional ou Reserva Ecológica Nacional.

No entanto, o estudo reconhece que, no caso da exploração de Aljubarrota, o facto estar próxima a locais com “imóveis classificados e em vias de classificação ou outros monumentos, sítios e áreas protegidas por lei, como o Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, Sítio Classificado Monte de São Bartolomeu e Reserva Natural Paul de Tornada” pode “condicionar a configuração ou a execução do projecto”. 

Relativamente à exploração de Pombal, o EIA ressalva que a área de implantação do projecto é atravessada por uma conduta de gás natural. Como tal, foi definida “uma servidão de 10 metros para cada lado do eixo longitudinal da tubagem, a qual será naturalmente respeitada em termos da sondagem a efectuar”, lê-se no documento que está disponível no portal Participa. 

Preocupações com a água

Os documentos concluem que os impactos negativos causados pela prospecção serão pouco significativos e temporários — limitados às fases de construção de infra-estruturas e de avaliação. Terminada a pesquisa, a área de projecto será reabilitada “em termos ambientais prevendo-se que a situação pré-projecto seja restituída”, lê-se no documento.

Os estudos avançam ainda que os “potenciais impactes do projecto sobre a paisagem durante a fase de construção estão relacionados com a potencial degradação visual” típica de um estaleiro de obra — tapumes, viaturas a entrar e a sair. E prevê também que ocorram emissões de poluentes atmosféricos tipicamente associados à combustão de combustíveis fósseis provenientes de geradores e veículos que operarão na zona de estaleiro.

A avaliação de impacte ambiental diz ainda que, “embora seja um cenário pouco provável”, poderá haver um derrame de substâncias químicas durante os trabalhos que poderão atingir a rede de drenagem de águas pluviais num dia de chuva muito intensa. “As águas serão recolhidas por um simples sistema de drenagem para uma bacia de retenção a ser instalada no local”, lê-se no estudo.   

Ainda em relação aos recursos de águas subterrâneas, o projecto prevê “a realização de um furo de água para abastecimento e utilização na operação de sondagem”, caso não esteja disponível ligação à rede de abastecimento local. Esta foi, de resto, uma das preocupações apontadas por autarcas e ambientalistas, num encontro com jornalistas, na semana passada, que contou com a presença da empresa australiana, e em que alertaram para a necessidade de existir um plano de contingência para a água. 

“Temos cerca de 90% da população abastecida a partir de captações subterrâneas de água e essas captações não são muito distantes da sondagem que será feita em Aljubarrota, o que nos deixa preocupados”, alertou, na ocasião, o autarca de Porto de Mós, Jorge Vala. 

O estudo indica ainda que poderão vir a existir impactos em termos de limitação do uso do solo para outros fins, tais como agricultura, embora na fase de pré-projecto o terreno não estivesse a ser utilizado com esse fim.

No caso de descoberta de gás natural, proceder-se-á ao teste do poço. Segundo explica o documento, este teste tem como objectivo “caracterizar o recurso em termos de qualidade e quantidade”, sendo que terá depois de ser feita “uma série de análises físicas e químicas, que podem ser de curta ou de longa duração”. 

Na reunião da semana passada, o presidente da empresa australiana, Ian Lusted, garantiu que caso seja descoberto gás natural e avance para a comercialização, “o impacto será mínimo, pois a distribuição do gás será realizada de forma subterrânea”. E estimou ainda que, até ao momento, a empresa tenha investido “cerca de meio milhão de dólares [cerca de 440 mil euros]”.

Os dois estudos estão em consulta pública até 27 de Novembro no portal Participa. 

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