A Singularidade Tecnológica

Existe pouco acordo, entre os cientistas, de que o conceito faça sentido, e muito menos de que virá a ocorrer um fenómeno correspondente a uma singularidade tecnológica, algures no futuro.

O termo singularidade é comum na física e na matemática. Em física, o termo é usado para descrever fenómenos onde as leis da física, tal como as conhecemos, deixam de ser aplicáveis devido às condições extremas como, por exemplo, os buracos negros ou o Big Bang, o evento que esteve na origem do Universo. Em matemática, corresponde, similarmente, a um ponto onde uma função matemática deixa de ter um valor definido, o que pode acontecer por diversas razões como, por exemplo, uma divisão por zero.

John von Neumann, um famoso matemático, físico e engenheiro terá sido o primeiro a conceber a eventual possibilidade da existência do fenómeno que agora é designado por singularidade tecnológica. Von Neumann terá referido, pouco antes da sua morte, em 1957, que “a evolução cada vez mais acelerada da tecnologia e das alterações ao nosso modo de vida parece aproximar-se de uma singularidade na história da humanidade para além da qual a sociedade, tal como a conhecemos, não poderá continuar”. Von Neumann influenciou profundamente a ciência e a tecnologia, e esta ideia foi uma das muitas que deixou para a posteridade. De acordo com os defensores da ideia, a sucessão de inovações tecnológicas cada vez mais rápidas conduzirá a uma alteração tão profunda e tão rápida da sociedade, que se torna impossível prever o futuro da nossa espécie para além de um dado instante no tempo, instante que corresponderia exactamente ao momento de ocorrência dessa singularidade tecnológica.

Existem diversos mecanismos que poderão, conceptualmente, vir a causar uma singularidade tecnológica. Uma rápida evolução das tecnologias de inteligência artificial, que conduzisse à criação de um computador vastamente mais inteligente que qualquer ser humano, é um desses mecanismos, proposto originalmente por Irving John Good, em 1965. Outro mecanismo possível seria o desenvolvimento de nanotecnologias que permitissem reparar, ao nível microscópico, órgãos e células do corpo humano, conduzindo na prática à cura de todas as doenças, à supressão do envelhecimento e à imortalidade. Outros possíveis mecanismos têm sido propostos, embora nenhum deles seja considerado tão plausível como o rápido desenvolvimento das tecnologias de inteligência artificial.

A ideia de poderá vir a existir uma singularidade tecnológica ganhou, rapidamente, adeptos, incluindo aqueles que adoptaram a filosofia do Transumanismo, um movimento que defende que o futuro da humanidade passa, exactamente, pelo uso da tecnologia para transformar radicalmente a condição humana. Escritores de ficção, como Vernor Vinge, e de não-ficção, como Ray Kurzweil, exploraram e divulgaram esta ideia, tendo alguns defendido, muito optimisticamente, que a singularidade tecnológica ocorrerá dentro de poucas décadas. Foram mesmo criadas diversas empresas, entre as quais aquela que é conhecida como Singularity University, que baseiam o seu lucrativo modelo de negócio na exploração do interesse que existe por este conceito.

Apesar disso, existe pouco acordo, entre os cientistas, de que o conceito faça sentido, e muito menos de que virá a ocorrer um fenómeno correspondente a uma singularidade tecnológica, algures no futuro. A maioria dos cientistas acredita, pelo contrário, que a evolução progressiva, e sempre acelerada, da tecnologia, não irá criar uma singularidade, mas apenas um desenvolvimento contínuo e sustentado da sociedade. Acresce que a função matemática designada por exponencial - cujo valor se multiplica por uma constante fixa, a cada ano que passa - que muitos adeptos do fenómeno defendem descrever a evolução de muitas tecnologias não exibe, realmente, qualquer singularidade no sentido matemático do termo.

Alguns autores vão mais longe e argumentam mesmo que a aceleração do desenvolvimento tecnológico, a que assistimos, não irá perdurar e mesmo que é, em muitos aspectos, uma ilusão. Robert Gordon, um conhecido economista norte-americano, argumentou num livro publicado em 2016 (The Rise and Fall of American Growth) que a época dourada do desenvolvimento tecnológico já passou, e que assistiremos daqui para a frente apenas a desenvolvimentos incrementais. Para além da evidência económica (um limitado crescimento da economia nas últimas décadas), os argumentos que suportam esta visão baseiam-se na ideia de que, nos últimos três séculos, foram descobertas, praticamente, todas as leis da natureza, e dominadas as tecnologias que se baseiam nestas leis. O electromagnetismo, a relatividade, a mecânica quântica, assim como a química moderna, a ciência de materiais e as tecnologias nucleares estiveram na origem dos radicais desenvolvimentos que conduziram à sociedade moderna. Não é, de facto, expectável que venham a ser descobertos, nos próximos séculos, novas leis fundamentais da física que conduzam a avanços disruptivos na nossa capacidade para manipular o mundo. As descobertas dos últimos séculos conduziram às duas primeiras revoluções industriais e ao crescimento económico que elas despoletaram. Já a terceira revolução industrial, a dos computadores, conduziu a um mais limitado crescimento económico e teve, na opinião de Robert Gordon, um muito menor impacto na estrutura da sociedade e no nosso estilo de vida. Nesta visão, menos optimista, assistiremos a uma progressiva desaceleração do desenvolvimento tecnológico, e aproximar-nos-emos de um regime mais estável, onde as inovações tecnológicas que vierem a ter lugar acabarão por ser menos disruptivas que a máquina a vapor, o motor de combustão interna, a electricidade ou o computador.

Fica, assim, a dúvida sobre o que acontecerá ao desenvolvimento tecnológico e à sociedade, nas próximas décadas e nos próximos séculos. Teremos, no fim do século XXI, mais ou menos os mesmos telemóveis, computadores e automóveis que temos agora, mais avançados tecnicamente mas a fornecerem, essencialmente, os mesmos serviços que hoje? Iremos, pelo contrário, assistir à introdução de novas tecnologias, a um ritmo cada vez mais acelerado, e teremos, daqui a 80 anos, uma sociedade profundamente diferente da actual? Ou assistiremos, nas próximas décadas a uma singularidade tecnológica e sofreremos, antes do fim do século, uma transformação tecnológica tão radical e tão disruptiva que conduzirá a uma sociedade completamente incompreensível para a nossa mentalidade actual ou mesmo à extinção da humanidade, tal como a conhecemos hoje?

Pessoalmente, inclino-me para a segunda possibilidade. Não creio que venha a existir uma singularidade tecnológica que cause uma disrupção total da sociedade. Também não acredito que o desenvolvimento tecnológico estagne. Continuaremos, com certeza, a assistir a rápidos desenvolvimentos da tecnologia, potenciados por um domínio cada melhor das leis da física que já conhecemos hoje e teremos, no fim do século XXI, uma sociedade que será pelo menos tão diferente da actual como a sociedade actual é diferente daquela que assistiu ao eclodir da segunda guerra mundial. Serão, em todo o caso, décadas interessantes, e já nasceram muitos dos que irão conhecer a resposta a estas perguntas, no dealbar do século XXII.

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