Esquerda foge do Orçamento, PSD ataca credibilidade de Costa

Primeiro-ministro mantém confiança nos ministros da Defesa e da Justiça num debate que aqueceu os ânimos entre Costa e PSD.

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António Costa foi atacado a propósito do Infarmed Nuno Ferreira Santos
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Tancos foi outro tema quente no Parlamento Nuno Ferreira Santos

“Insinuações” e “lições”: o duelo entre Fernando Negrão e António Costa aqueceu o primeiro debate parlamentar após as férias. Já com a esquerda foi morno, deixando nos bastidores eventuais irritações em torno das negociações do Orçamento do Estado. Depois da polémica dos últimos dias em torno da substituição da procuradora-Geral da República, o tema não chegou ao debate parlamentar.

Fernando Negrão fez do caso da transferência anunciada (e entretanto cancelada) do Infarmed para o Porto a base da sua intervenção, sobretudo para desacreditar a palavra do primeiro-ministro. “O sr. não honrou, não cumpriu, não respeitou a sua palavra dada. Isto mina a sua credibilidade”, apontou o social-democrata, depois de lembrar que Costa tinha garantido ao ex-líder parlamentar do PSD cinco vezes que o instituto que iria mesmo ser deslocalizado.

Conversa quente

Aliás, outro pomo da discórdia entre Costa e Negrão foi precisamente o significado de deslocalização e descentralização, depois de o Governo ter passado para a comissão da descentralização (uma iniciativa de PS e PSD no Parlamento) a responsabilidade sobre o dossier, vinculando os sociais-democratas com a decisão que vier a ser tomada. A troca de argumentos azedou e chegou ao ponto de António Costa prometer explicar-lhe “por escrito” a razão pela qual não aceita “lições” de Negrão sobre a sua palavra.

 O deputado social-democrata acusou o toque: “Chega de insinuações”. Mas nenhum dos dois revelou sobre o que falavam.

Mais tarde, Costa haveria de responder a Cristas, que também os questionou sobre o assunto. “Se isto fosse uma autocracia do António Costa, o Infarmed já estava no Porto”, vincou o primeiro-ministro.

Fernando negrão recuperou ainda um tema – também do Porto - que rondou os debates parlamentares antes das férias: a ala pediátrica oncológica do Hospital de São João no Porto.

Desta vez, o líder da bancada do PSD questionou a decisão do Governo de avançar com um concurso internacional para a construção do edifício. Pediu uma “solução excepcional” e rápida perante o argumento do primeiro-ministro do “cumprimento dos trâmites da contratação pública”.

António Costa haveria de voltar ao caso, já quando respondia a uma interpelação da bancada do PS, para desafiar o PSD a fazer aprovar uma lei especial que permita excepcionar a lei e entregar a obra por ajuste directo. O PSD admitiu um projecto de resolução, mas o primeiro-ministro não gostou da solução – por não ter eficácia legislativa – e exige uma lei. Dirigiu-se então à bancada do CDS para desafiar Cristas a apresentar um projecto de lei que permita contornar o Tribunal de Contas. Mas o CDS estava mais interessado noutro tema de actualidade.

À porta do paiol

No primeiro debate quinzenal após as férias, a líder do CDS não perdeu a oportunidade de agarrar no caso do assalto em Tancos para perguntar se o chefe de Governo mantém a confiança no ministro da Defesa, no chefe do Estado Maior do Exército e no director da Polícia Judiciária Militar. António Costa deu uma resposta global: mantém a confiança no “ministro da Defesa, na ministra da Justiça [que tem a tutela da Polícia Judiciária, que também investiga o caso de Tancos] bem como em “todos os membros do Governo”.

Assunção Cristas insistiu na responsabilidade política em torno do caso do desaparecimento de material de guerra, mas o primeiro-ministro não desarmou: “Não é responsabilidade de um ministro estar à porta de um paiol a guardá-lo para que não seja assaltado.” Costa remeteu para a investigação judicial, acreditando que dela não resultará responsabilização política.

Um Governo do PS

O debate arrancou com a coordenadora do BE a pedir explicações ao primeiro-ministro sobre a demora da apresentação da proposta do Governo para a nova lei de bases da saúde. Catarina Martins quis ver assegurado o princípio da não concorrência entre o sector público e o privado, sendo este último apenas supletivo, criticando o peso dos pagamentos aos privados no orçamento da saúde.

Sem adiantar uma data concreta para a entrega da proposta de lei – estará em vigor “nesta legislatura – António Costa realçou que “este é um Governo do PS”, que o partido é que “foi o fundador do SNS” e que este se manterá como “público, universal e tendencialmente gratuito. ”  

Numa intervenção cordial, a coordenadora bloquista quis saber se já pode ser incluído no OE 2019 a aplicação do estatuto do cuidador informal, lembrando que custa 120 milhões de euros no ano zero.

O problema, lembrou Costa, é que a aplicação plena representa 800 milhões de euros por ano, a que acrescem neste momento mais 1100 milhões de euros em prestações sociais por ano fruto das medidas acordadas na geringonça desde 2016. O primeiro-ministro argumentou ainda com outras propostas dos parceiros que estão em cima da mesa para o próximo ano e que é preciso fazer escolhas.

PCP moderou o tom

Embora tenha sido o penúltimo debate quinzenal antes da entrega da proposta de OE, esta foi uma das raras vezes que se aflorou a questão orçamental. O tom reivindicativo que se ouviu durante o Verão por parte das bancadas à esquerda do PS ficara à porta do plenário.

Até o PCP moderou o tom embora João Oliveira tenha criticado a falta de “resposta aos problemas do país” e feito uma lista dos investimentos necessários nos serviços públicos para dizer que é preciso “mais”. Costa incentivou o líder parlamentar comunista: “Tenha confiança em si, homem! Foi capaz de fazer mais e seremos capazes de fazer mais!”, prometeu, vincando o seu optimismo num “bom orçamento” e repetindo investimentos já anunciados.

Oliveira insistiu na questão dos táxis – que o PCP quer revogar – e foi a ecologista Heloísa Apolónia que levou António Costa a assumir um não frontal às pretensões dos taxistas concentrados à porta do Parlamento.

“Era o que faltava um Governo que depende da Assembleia da República desrespeitá-la!”, disse, lembrando que a lei foi aprovada pelo Parlamento (duas vezes), e promulgada pelo Presidente (com um veto inicial). Depois de argumentar as vantagens dos taxistas sobre os condutores das plataformas como a Uber, rematou que “a situação de desigualdade existe mas é a favor do táxi”.

A questão da não recondução de Joana Marques Vidal esteve ausente do debate, apesar de ter sido trazida à agenda por um protagonista insuspeito. À margem da reunião 28º Digital Business Congress, promovida pela Associação para o Desenvolvimento das Comunicações Cavaco Silva disse: "Sou levado a pensar que esta decisão política de não recondução de Joana Marques Vidal é a mais estranha tomada pelo Governo, que geralmente é conhecido como gerigonça".

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