Onde nasceu Portugal? A mim nasce-me em Miranda do Douro!

Um dia, ninguém sabe bem quando, o país pôs-se a caminho de Lisboa e agora não encontra modo de voltar!

A reflexão efetuada nesta crónica, sobre o local onde verdadeiramente terá nascido Portugal, decorre do pensamento maturado que o atual presidente da Assembleia Municipal de Miranda do Douro, Carlos Ferreira, partilhou comigo.

Comummente, reduzem-se a três os “factos históricos” sobre os quais repousa o debate à volta do nascimento de Portugal:

1) O mais antigo data de 1139. Trata-se da vitória sobre os sarracenos na batalha de Ourique e subsequente autoproclamação de D. Afonso Henriques como Rei de Portugal. Entre historiadores não existe consenso sobre o local da dita batalha. Adiantam-se locais concordantes como Ourique no Baixo Alentejo, mas outras hipóteses mais ou menos apoiadas são lançadas para o debate: Vila Chã de Ourique, Cartaxo (Ribatejo); Campo de Ourique, Leiria (Beira Litoral); Campo de Ourique, Lisboa; ou ainda, Colmenar de Oreja a meio caminho entre Toledo e Madrid, …;

2) O que gera mais consenso remonta a 5 de outubro de 1143, data da assinatura do tratado de Zamora entre o imperador da Hispânia, Afonso VII de Leão e Castela, e seu primo D. Afonso Henriques. É com a assinatura deste tratado que Portugal se autonomiza como Reino frente ao hegemónico Reino de Leão, e é ainda o momento em que começa a contagem para o início da dinastia afonsina. Neste dia é feriado nacional porque se comemora a implantação da República em Portugal, mas para o nosso caso, não tem nada a ver;

3) Por fim, a 23 de maio de 1179, o Papa Alexandre III envia a D. Afonso Henriques a bula Manifestis Probatum, libertando-o da vassalagem que tinha para com seu primo Afonso VII de Leão e Castela, passando desde então a ser vassalo direto do Papa, reconhecendo assim, por redundância e arrastamento, Portugal como país independente para todo o sempre, “… Alpohso illustri Portugalensium Regi, eiusque Haeredibus, in perpetuam rei memoriam.”

A primeira das conclusões que facilmente podemos extrair, é que dos três fundamentais “factos históricos” relatados, nenhum deles ocorre dentro dos nortenhos contornos primordiais do primitivo Condado Portucalense!

Sendo assim, impõe-se de novo a pergunta tantas vezes enunciada: onde nasceu Portugal? Em Guimarães, por ser o local onde se travou a desavinda batalha de São Mamede entre mãe e filho, e que, por outras sobejas razões, se autodenomina “cidade berço”?! Em Coimbra, que reivindica o estatuto de cidade residência dos Condes D. Henrique e D. Teresa, assim como o local do nascimento de seu filho Afonso, nosso 1º Rei?! Em Viseu, que recuando à época proto-romana, se apropria de Viriato e insiste que também ali D. Afonso Henriques teria nascido?! Em Braga, porque foi sede de diocese romana, e cidade intimamente ligada ao dote que o avô de D. Afonso Henriques, Afonso VI de Leão e Castela, doou a seus pais pelo casamento, e que depois logo doaram aos arcebispos?! Em Lisboa, qual pagã Babilónia, que para se transformar na grande cápita que tudo passaria a olhar de cima dos seus jardins suspensos, ao primeiro embate, se deixou conquistar por D. Afonso Henriques e permitiu que o desleixo do seu corneteiro tocasse apenas para o início do saque, para depois, assumir, ad eternum, o recompensador papel de Capital do Reino?!

I anton la nuossa tierra: Miranda de l Douro?! Pois, enquanto mirandeses, cabe-nos destacar o seu papel e importância. É a mais oriental cidade lusa, onde primeiro nasce em Portugal, o mais antigo dos deuses da terra, o omnipotente deus sol (Peinha las Torres 41°34'N 6° 1'W). A voo de pássaro, Zamora fica nas imediações de Miranda do Douro, onde D. Afonso Henriques se armou cavaleiro em 1125 na sua catedral românica, e onde, em 1143, assinou o tratado com o mesmo nome. É no concelho de Miranda do Douro que ainda se mantém viva a língua materna de D. Afonso Henriques, o leonês, promovida a língua oficial de Portugal pela lei 7/99 de 29 de janeiro, a que se convencionou dar o nome de “Lhéngua Mirandesa”. Na verdade, D. Afonso Henriques era neto de Afonso VI imperador de Leão, e filho de D. Teresa de Leão, ambos falantes de língua leonesa, a língua do remoto Reino de Leão. Portanto, D. Afonso Henriques, falaria leonês, tal como seu avô e sua mãe, língua a que hoje chamamos mirandês, embora, tal como os atuais governantes, o nosso primeiro Rei, falasse mais que uma língua, nomeadamente, também o galaico-português. Acreditamos que das suas várias idas a Zamora, a língua que falou com seus primos, outra não seria que o mirandês, assentando aí os primórdios do bom costume português, que consiste em falarmos de bom grado as línguas dos outros. E pouco importa o desdém de alguns, quando querem apoucar esta nobre língua mirandesa, ao afirmarem que os seus falantes não vão além de escassos dez mil. Pois fiquem sabendo, que não sendo o mirandês uma mistura de português e castelhano, é língua de transição entre estes dois idiomas, guardando várias caraterísticas linguísticas, ora da primeira, ora da segunda. Sendo assim, é justo dizer, que o mirandês é ao mesmo tempo compreendido, tanto pelos falantes de português, como pelos falantes de espanhol. Assim, se somarmos todos os falantes de português espalhados pelo mundo (250 milhões), com todos os falantes de espanhol (500 milhões), obtemos 750 milhões, elevando a língua mirandesa à categoria da língua mais compreendida no mundo!

Depois da assinatura do tratado de Zamora, cento e cinquenta e cinco anos mais tarde, em 1297, é Don Dinis que passa por Miranda do Douro, para se dirigir à vila de Alcañices, onde assinaria com Fernando IV de Leão e Castela o “Tratado de Alcañices”. É, portanto, nas imediações de Miranda do Douro, que Don Dinis refundou definitivamente Portugal, restabelecendo a paz, e fixando de forma quase irrevogável, os limites fronteiriços definitivos entre o então reino de Leão e Castela e o reino de Portugal.

Em 1494, quando o reino de Portugal de Don João II e a coroa Castelhana de Fernando II de Aragão, quiseram ser donos do mundo, foi em Tordesillas, quase nas imediações de Miranda do Douro, que se assinaria o tratado com o mesmo nome, e assim, como verdadeiros “armanos”, dividíamos o mundo entre nós: duas partes bastaram!

Já em pleno século XVI, a pedido de Don João III, a 22 de maio de 1545, o Papa Paulo III cria a diocese de Miranda, amputando simultaneamente à arquidiocese de Braga a maior parte do seu território transmontano e excisando todas as concessões territoriais que os mosteiros leoneses ainda detinham em Portugal, consolidando a hegemonia do território intrafronteiras para Portugal.

E vem tudo isto a propósito, de l die de la PROUA mirandesa (dia do orgulho mirandês), o dia 10 de julho, aludindo esta comemoração à data de 1545, quando D. João III decide elevar Miranda do Douro à categoria de cidade.

Paulatinamente, a partir do século XVI, a grande cápita Lisboa fez de Portugal uma carreira junto ao mar, o resto são as costas que não se vêm ao espelho. Com o tempo, a minha terra e todo o interior do país, foi-se contentando a viver de sobras, de migalhas, sem nunca ser capaz de se “zangar de verdade”. Um dia, ninguém sabe bem quando, o país pôs-se a caminho de Lisboa e agora não encontra modo de voltar!

Mas tal como acontece com o omnipotente deus sol, que não restem dúvidas: é em Miranda do Douro que Portugal me nasce primeiro!

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