Família, tradição e exotismo numa quinta de alvoradas optimistas

As casas-espigueiro de Arouca foram concebidas para uma família só, mas abriram-se entretanto a muitas outras. Combinam o conforto moderno com práticas da vida rural, num ambiente em que os animais são as estrelas e a paisagem impõe outro ritmo.

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Nelson Garrido

Era uma vez uma família natural de Arouca que, por imposições da vida e do trabalho, com o passar dos anos se foi distribuindo por diferentes localidades do país. Todos mantiveram o hábito, contudo, de se reunirem a cada Natal na sua terra de origem, para celebrarem a época com um regresso às raízes e ao ritmo próprio da vila, da serra da Freita e das suas aldeias. Durante algum tempo, a casa dos Ferreira parecia assim suficiente para acomodar toda a gente. Mas, à medida que o grupo inicial aumentava e cresciam filhos e netos, houve quem começasse a procurar hotéis para, depois do primeiro dia das festividades, recuperar devidamente até ao próximo banquete.

Para Jorge Ferreira, isso parecia desvirtuar o espírito do encontro. Foi assim que, à primeira oportunidade, o empresário adquiriu os terrenos contíguos à sua casa e criou neles todas as condições para acomodar devidamente o resto da família. Contratou o arquitecto Júlio Caseiro e confiou-lhe a concepção de dois novos edifícios, cujo interior se faz de linhas minimalistas e sofisticadas, enquanto o exterior replica o aspecto de espigueiros ripados em tom vermelho vivo. As duas novas casas foram divididas em três apartamentos T1 e, pelo Natal, toda a família passou a contar com poiso próprio, com privacidade q.b. a poucos passos de distância entre si.

O sentido empresarial de Jorge Ferreira não se coaduna, contudo, com oportunidades desperdiçadas e foi assim que surgiram as Quintãs Farm Houses: as duas casas-espigueiro passaram a disponibilizar os seus três apartamentos para alugueres de curta duração e estendem a sua hospitalidade aos forasteiros que desejem conhecer Arouca em qualquer altura do ano – excepto o Natal, quando a quinta fica para uso exclusivo da família, e a festa de Nossa Senhora de Fátima em Ponte de Telhe, porque a equipa a quem os Ferreira confiou o quotidiano da propriedade não prescinde de, também ela, celebrar com os seus o ponto-alto da vida na sua aldeia. Pois! Que justos e saudáveis são os costumes de Arouca!

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Nelson Garrido

No resto do ano, a gestão das Quintãs cabe assim a Clara, Marisa e Toni – diminutivo que é mesmo nome próprio porque nos anos 1970 o funcionário da Conservatória quis que o menino homenageasse o então grande jogador do Benfica. Às senhoras cabem as boas-vindas: entregam-nos os códigos de acesso para os portões da propriedade, mesmo ao lado da Câmara Municipal; mostram-nos o pátio que funciona como sala-de-estar comum, com a sua mesa comunitária esculpida a partir de um tronco de árvore; dão-nos instruções para o equipamento da bem apetrechada cozinha; revelam-nos os armários escondidos que complementam o mobiliário do quarto na mezzanine; ensinam-nos a manusear os estores da parede de vidro com vista para a quinta e as portadas gigantes que resguardam a generosíssima varanda; e indicam-nos os cestos com lenha para a salamandra e com toalhas de banho para o tanque agrícola agora usado como piscina, rodeado de relva sob a sombra das figueiras. Enquanto isso, já saboreamos a surpresa com que fomos acolhidos por Filipe Ferreira, gestor das Farm Houses e um dos mais jovens da família: “À chegada, os hóspedes encontram sempre um cesto com fruta da época e uma caixinha com alguns dos doces típicos de Arouca, como castanhas doces, morcelas, charutos e trilobites. Depois, de manhã, entre as 9h e as 9h30, também lhes deixamos na porta um saquinho com pão fresco acabado de fazer.” A essa hora já é tarde para fazer o pequeno-almoço? Não sejamos ingratos. O pão chega com Toni, que entra a trabalhar por essa hora e antes ainda foi para a fila da padaria comprar-nos o que comer.

Depois disso, é ele quem garante a generalidade das tarefas agrárias na quinta, que se reparte por áreas para cultivo de legumes e frutas correntes, para criação de animais como galinhas, porcos e coelhos, e para preservação mais pedagógica de algumas espécies tradicionais da região e outras bem exóticas. É certo que as Quintãs Farm Houses sobressaem pela sua arquitectura não-convencional, pela sua decoração casual chic, pelo carácter moderno que conferem ao seu contexto rural e até por uma componente ambiental que este ano já lhes mereceu a distinção de Melhor Solução de Eficiência Energética no âmbito dos Prémios Nacionais de Reabilitação Urbana. Mas o que ali predomina como mais-valia face à concorrência é a diversidade da fauna que, ultrapassando os 500 animais de umas 30 espécies diferentes, se dá a conhecer aos hóspedes e, com particular carinho, às crianças, o que constitui uma experiência especialmente enriquecedora quando partilhada a título familiar.

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Nelson Garrido

O tom animal-friendly define-se logo pelo facto de que todas as dormidas conferem direito a uma aula de equitação, com acesso a coque e botas de cavalgar adequadas, que Toni tem stock em vários números para acertar com todos os tamanhos. Tractores de brincar com pedais também há, se os pequeninos quiserem saber o que custa arar a terra sem assustar o gado. Os mais voluntariosos podem ainda ajudar a alimentar os animais dóceis, no que a classe dominante é a dos patos, já que o fascínio da família por essas aves levou a que sejam dezenas as que se abanam pela propriedade, numa selecção desde as espécies mais comuns até aos coloridos mandarim. Gansos, póneis, vacas arouquesas e zebras também se deixam tocar com jeitinho – sim, nas Quintãs há zebras – e, quanto às restantes espécies, não dá para replicar aqui toda a lista de nomes científicos que Toni sabe de cor, mas, com mais ou menos cuidado na aproximação a cada espécimen, pelos três hectares da quinta ainda há para conhecer pavões, grous, cães da serra da Estrela, cabras, veados, gazelas, antílopes, etc.

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Nelson Garrido

Às vezes também esses animais sofrem de insónias e dá-lhes para falar durante a noite, preenchendo o vazio entre as ténues badaladas com que o sino do Mosteiro de Arouca marca o passar das horas, mesmo ali ao lado, separado da quinta só pela sua centenária cerca de pedra. Mas ainda assim compensa dormir (ou não) com as portadas bem abertas, para nos deixarmos envolver pela sucessiva escala de tons com que a vila se exibe ao longo da noite, entre o negro puro de uma paisagem quase sem poluição luminosa e a patine baça e fresca de uma alvorada optimista. “Qualidade de vida, meus senhores! É isso que aqui temos”, diz Toni, a deliciar-se com o nosso deslumbramento.

Quando ele deixa de nos contar histórias, já não há tempo para mais banhos no tanque nem para Pilates na sala maravilhosa da nossa Farm House, nem sequer para se trabalhar ao computador no pátio-sala com vista para o picadeiro. Estivemos muitas horas a conversar com gente da vila – na quinta, no parque junto ao mosteiro, no Terreiro de Santa Mafalda, na Praça Brandão de Vasconcelos. Aliás, convém contar com isso ao fazer as reservas, porque as Quintãs Farm Houses são só uma (excelente) desculpa para se conhecer o território: Arouca vale pela gastronomia, pela história e pelo seu ímpar património natural, mas o melhor da terra são mesmo as pessoas e há que conhecê-las.

A Fugas esteve alojada a convite das Quintãs Farm Houses

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