O café sertanejo da Fazenda Babilónia

Numa fazenda icónica de Pirenópolis, que foi um dos maiores engenhos de açúcar do Brasil, Telma Machado trabalha receitas antigas.

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A Fazenda Babilónia, em Pirenópolis, foi um dos maiores engenhos de açúcar do Brasil — teria, no final do século XVIII, início do XIX, perto de 200 escravos. Hoje, da senzala não resta nada, mas a casa grande está lá, aberta a visitas desde 1997, e ali toma-se um café sertanejo que é, com certeza, o melhor de todo o estado. Por trás do projecto está Telma Lopes Machado. 

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A Fazenda Babilónia, em Pirenópolis, foi um dos maiores engenhos de açúcar do Brasil — teria, no final do século XVIII, início do XIX, perto de 200 escravos. Hoje, da senzala não resta nada, mas a casa grande está lá, aberta a visitas desde 1997, e ali toma-se um café sertanejo que é, com certeza, o melhor de todo o estado. Por trás do projecto está Telma Lopes Machado. 

“Nasci aqui, esta fazenda pertence à minha família desde 1864, quando os meus bisavós a compraram”, apresenta-se, iniciando uma visita guiada que terminará frente a uma mesa cheia das mais deliciosas especialidades goianas, comida de roça da mais autêntica, resultado das pesquisas de Telma, das suas memórias de infância e de muitas leituras, entre as quais a incontornável História da Alimentação, de Câmara Cascudo.

O botânico e naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire — que pertenceu ao grupo de cientistas que viajaram pelo Brasil durante o período da estadia da corte portuguesa no Rio de Janeiro — passou pela fazenda em 1819 e mostrou-se impressionado com aquela que considerou “a mais bela propriedade que havia em toda a região de Goiás”, na qual “reinavam uma limpeza e uma ordem” que não vira em mais lugar nenhum. No que deixou escrito, refere ainda a “extensa varanda [que] oferecia sombra e ar fresco em todas as horas do dia”.

Telma leva-nos até essa varanda magnífica, mostra-nos a capela e o sino que tem gravada a cara de D. Pedro II, no qual toca um código que aprendeu no colégio de freiras, fala sobre o “massacre psicológico” sofrido pelos escravos, conta muitas histórias antigas. Seria um prazer ficar só a ouvi-la, mas, além disso, temos ainda todas as delícias para provar, das almôndegas guardadas na gordura à paçoca de carne seca, passando pelo bolo de fubá de arroz, a pamonha frita, o bolo da senzala, a trouxinha da sinhá (que as negras faziam para as senhoras, com coalhada azeda, fubá de milho e abóbora madura), o mané pelado (receita criada pelas mulheres portuguesas muito usada no tempo do Brasil colónia), ou as brevidades, feitas de polvilho, ovos e açúcar, tudo acompanhado por sumos de frutas naturais e café feito em cafeteiras sobre o fogo.

A acompanhar-nos na visita está o chef Gilmar Borges que, tal como Telma, se tem dedicado à pesquisa de receitas antigas. “São receitas com influências indígenas, europeias e negras”, explica. “O que a gente faz é dar-lhes um toque de modernidade.” É outra forma, diferente da da Fazenda Babilónia, de olhar para este património, e que provamos mais tarde no recém-inaugurado Café Calliandra, em Pirenópolis.

Também ele fez brevidades, que são “uma quitanda [doce caseiro] feita com polvilho, em vez da farinha de trigo, porque esta vinha de Portugal e demorava muito para chegar”. Com o buriti fez um pão “muito rústico”, com uma laranja que está em risco de extinção uma compota, com o hibisco fez uma torta, além de pickles para acompanhar carnes e, com o porco, uma geleia de bacon. “Cada iguaria tem uma história tradicional. A gente resgata essas receitas das famílias mais antigas, vê os ingredientes, faz a ligação à agricultura familiar.” E assim, entre quitandas (doces) e quitutes (petiscos salgados) vamos descobrindo a comida caipira dos goianos.