Renovação? Estamos entendidos...

As ideias de encenação, as poucas que há, são catastróficas. Ficamos pois com o maravilhoso protagonista de Piotr Beczala. Mas para “renovações” destas, por importante que seja Bayreuth aderir também às transmissões live, melhor é ver antes o cenicamente tradicionalíssimo DVD dirigido por Thielemann em Dresden.

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Bayreuther Festspiele/ Enrico Nawrathn

Foi com Peter Gelb na direcção do Met de Nova Iorque que se iniciou em 2011 a era das transmissões directas de ópera para salas de todo o mundo. Seguiu-se a Ópera de Paris, que no entanto difunde apenas para uma cadeia de salas de cinema em França, e a Royal Opera House do Covent Garden em Londres.

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Foi com Peter Gelb na direcção do Met de Nova Iorque que se iniciou em 2011 a era das transmissões directas de ópera para salas de todo o mundo. Seguiu-se a Ópera de Paris, que no entanto difunde apenas para uma cadeia de salas de cinema em França, e a Royal Opera House do Covent Garden em Londres.

Em Portugal as transmissões do Met tiveram a adesão da Gulbenkian, então sendo difundidas na Culturgest, dadas as obras de remodelação do Grande Auditório da Fundação que estavam em curso e, com menor notoriedade pela escassez de uma mais alargada informação, as transmissões do Covent Garden nos cinemas UCI El Corte Inglês, entretanto, a partir da última temporada, adoptadas também no Centro Cultural de Belém — com esplêndidas condições, diga-se.

Pode ter havido por parte de alguns a resistência “purista” em assistir a representações de ópera tecnicamente mediadas. Mas não continuávamos a ter DVDs, em ecrã muito mais pequeno e sem a emoção do directo?!

Poderá mesmo considerar-se, de resto não faltando exemplos de outros, se não haveria casos em que se justificava mesmo uma nota crítica: por exemplo, o genial Parsifal com Jonas Kaufmann e o Amfortas de Peter Mattei no Met (entretanto publicado em DVD), a ansiada estreia do mesmo Kaufmann no Otelo em Covent Garden na penúltima temporada (também acaba de ser editado em DVD) ou a nova ópera de um dos máximos compositores contemporâneos, Thomas Adès, O Anjo Exterminador (inspirada no filme homónimo de Buñuel) no Met em Novembro passado.

Uma transmissão de Bayreuth (como a desta quarta-feira no CCB) é um passo de “dessacralização” (não me venham é com “democratização”!) do Festival: além de por vezes ser preciso uma insistência de anos para enfim obter um bilhete, ainda há devotos wagnerianos que sobem a Colina Verde e tomam o seu lugar na Festspielhaus como qualquer coisa de “sagrado”.

Este é um ano “ohne Ring”, sem a Tetralogia O Anel do Nibelungo, embora, caso inédito, da produção encenada por Frank Castorf haja três récitas, que serão a estreia na direcção musical de uma ópera de Wagner de… Plácido Domingo (aos 77 anos!), numa obra em que cantou naquele mesmo espaço o papel de Siegmund.

A dupla à frente de Bayreuth, Katharina Wagner (que nessa guerra dos Átridas que é a família Wagner – já é a 4ª geração – acabou por conseguir desembaraçar-se, há três anos, da co-direcção com a sua mais velha e muito mais experiente meia-irmã, Eva Pasquier-Wagner) e o maestro Christian Thielemann, director musical, um cargo que antes não existia, optou por abrir o evento na quarta-feira com uma nova produção do Lohengrin, claro que com Thielemann a dirigir, e a escolha, aparentemente inovadora, de Yuval Sharon, o primeiro americano (e o primeiro judeu, questão que lhe foi inevitavelmente posta) a encenar naquelas paragens, mas com uma dupla de cenógrafos e figurinistas alemães, Neo Rauch e Rosa Loy, que já estavam ao trabalho quando Sharon “aterrou”.

Importa antes do mais dizer que a experiência ímpar que é o fosso invisível de Bayreuth, essa genial encenação de Wagner, se perde evidentemente numa difusão televisiva: parecia estarmos a assistir apenas ao genérico inicial.

Mas as atenções concentravam-se no elenco e, claro, na “inovação” cénica – um Thielemann tão tradicionalista, é-o como poucos nas opções que faz na Ópera de Dresden, mas em Bayreuth tem de “ceder” a roupagens mais “up to date”.

Ao lado da veterana Waltraud Meier (que vi pela primeira vez, genialíssima, na Kundry do Parsifal em 1990), já por completo passada de soprano a meio-soprano, como Ortrud, houve considerável especulação sobre a intérprete de Elsa, avançando-se com a hipótese de Anna Netrebko. Acabou por ser Anja Harteros – mas entre as duas máximas sopranos dramáticos da actualidade venham os deuses do canto e escolham!

Mais inusitada era a indicação de Roberto Alagna no papel titular. Alegando que uma sobrecarga de trabalho não lhe tinha permitido preparar-se convenientemente, ele desquitou-se. Mas foi possível solução.

A melhor realização de Thielemann acaba de ser publicada em DVD, justamente um DVD do Lohengrin captado em Dresden com as estreias wagnerianas de Netrebko e Piotr Beczala – e foi este a substituição, maravilhosa, como o cavaleiro do cisne.

Só que… sem cisne.

Há certos elementos figurativos nas óperas de Wagner que não podem ser omitidos, e o cisne de Lohengrin, como aqui sucede, é um deles. As ideias de encenação, as poucas que há, são catastróficas. Mas lembra a alguém que na câmara nupcial, quando Elsa duvida e quer afinal saber da identidade do marido, este a amarre a uma coluna? E porquê aquela cabeleira que a faz parecer de meia-idade? E com um cesto às costas vai ela no final para uma feira ou trabalhar no campo?!Que catálogos de disparates!

O problema é que Harteros se ressentiu e esteve nitidamente titubeante. Acresce que Meier, grandíssima cantora, digna de todo o respeito, que foi, já não tem voz para um tal papel.

Ficamos pois com a memória de dois grandes baixos, Tomasz Konieczny (Telramund) e Georg Zeppenfeld (Rei Heinrich), e sobretudo o maravilhoso protagonista de Piotr Beczala, além da confirmação de que Lohengrin é a obra de Wagner que o maestro melhor dirige. Mas para “renovações” destas, por importante que seja Bayreuth aderir também às transmissões live, melhor é ver antes o cenicamente tradicionalíssimo DVD dirigido por Thielemann em Dresden ora editado.

Estamos entendidos…