Após ultimato na Alemanha jogo da imigração atirado para o palco europeu

A disputa entre Angela Merkel e o seu ministro do Interior ficou em suspenso até ao fim do mês, enquanto a chanceler procura acordos bilaterais com alguns países e um quadro europeu para a política de imigração.

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Angela Merkel recebeu o primeiro-ministro Giuseppe Conte CLEMENS BILAN/EPA

Um jogo político de ultimatos e consequências imprevisíveis desenrola-se na Alemanha e na Europa: a chanceler, Angela Merkel, conseguiu uma pausa no conflito aberto com o seu ministro do Interior, Horst Seehofer, por causa da política de imigração, para poucas horas depois receber o seu homólogo italiano, Giuseppe Conte, e ver a questão dominar o encontro de terça-feira com o Presidente francês, Emmanuel Macron, marcado para discutir a zona euro.

Segundo o Politico, Berlim concordou com medidas suficientes na reforma do euro para poder, agora, pedir a Macron alguma flexibilidade na política de imigração (Macron criticou a recusa italiana em receber o navio Aquarius, mas França não tem recebido mais refugiados do que Itália).

A questão ameaça ensombrar as discussões sobre o euro também na cimeira europeia da próxima semana, que com o ultimato de Seehofer (se não houver um acordo europeu, começará a reencaminhar migrantes de modo unilateral) ganha outra urgência.

Esta segunda-feira, a chanceler e o ministro do Interior alemão deram conferências de imprensa separadas sobre asilo e refugiados, após encontros das lideranças dos seus partidos - a União Democrata-Cristã (CDU) e União Social-Cristã (CSU, o partido-gémeo da CDU na Baviera).

Chegaram a um entendimento relativo para uma trégua – Seehofer poderá ordenar à polícia que não deixe entrar migrantes já anteriormente recusados pelas autoridades alemãs, mas não, como queria, de requerentes de asilo com processos abertos noutros países da União Europeia.  

Seehofer em risco

Na Alemanha, muitos vêem a insistência de Seehofer, da CSU, nesta questão como uma manobra eleitoralista: haverá eleições na Baviera em Outubro, e a CSU está a ver a sua maioria absoluta ameaçada, com pouco mais de 40% nas sondagens, uma descida de 7 pontos percentuais em relação à última votação. A direita radical da Alternativa para a Alemanha, muito dura na imigração e asilo, está com cerca de 13% nas sondagens. (Há ainda outras teorias: que esta poderia mesmo ser uma manobra conspirativa da CSU para afastar Seehofer, que ainda é o líder do partido embora se tenha afastado da chefia do governo da Baviera, numa luta de poder com o seu rival e actual governador Markus Söder).

Merkel, sublinha o jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung, repetiu que como chanceler tem a prerrogativa de decisão sobre as políticas do Governo. Isto foi visto como o sublinhar de uma “linha vermelha”: se o ministro Seehofer agir sozinho, Merkel deverá demiti-lo.

Como o fim da coligação não é do interesse de ninguém, e também não é do interesse de Seehofer, espera-se que haja um compromisso. Apesar disto, a intensidade do conflito é enorme para os dois partidos gémeos. E ao ser muito pública, poderá ter efeito no modo como Merkel é vista, e enfraquecê-la em negociações europeias (basta ver como a questão é tratada nos tablóides britânicos, agências de informação russas, ou até pelo Presidente norte-americano, Donald Trump, que aproveitou para criticar a política de asilo de Merkel num tweet). 

Numa sondagem do instituto Civey, 62% dos inquiridos dizem concordar que migrantes sem documentos não devem poder entrar no país, a mesma posição do ministro do Interior. 

Ainda assim, muitos sublinham que a crise acontece apesar da descida do número de requerentes de asilo na Alemanha: de mais de 720 mil em 2016 para 200 mil em 2017.

Se de facto chegasse a haver uma cisão entre CDU e CSU (como foi especulado na semana passada, após um tweet de um humorista ter sido levado a sério por alguns sites), seria um pequeno terramoto na política alemã. Mas outros partidos deveriam assegurar a estabilidade: os Verdes já deram a entender que apoiariam o Governo.

Mesmo assim, seria uma situação absolutamente inédita, o que abriria uma série de possibilidades (de um governo fraco a eleições antecipadas, diz a revista britânica The Economist; de um compromisso a um voto de não-confiança no Bundestag, diz de uma forma menos radical a emissora alemã Deutsche Welle).

"Solução europeia"

A Comissão Europeia veio repetir ontem o mantra de Merkel: que é preciso uma solução europeia. Numa conferência de imprensa, o porta-voz Margaritis Schinas disse que havia “boas perspectivas” para um acordo. No entanto, há posições radicalmente diferentes, de países onde têm chegado muitos refugiados como a Grécia, Itália ou Espanha, que querem uma redistribuição mais justa dos refugiados que chegam a território europeu, de países como a Alemanha e Suécia, que têm recebido números significativos, e outros como a Polónia e Hungria, que não querem receber refugiados, alegando que por serem de outra religião ameaçariam a sua coesão.

Segundo a agência Reuters, Schinas deu a entender que a União Europeia poderia decidir usar um voto maioritário para ultrapassar o bloqueio para uma política comum, que dura há três anos: foi instituído um esquema com quotas de redistribuição pelos vários países dos requerentes de asilo, mas os Estados-membros que se têm recusado a receber a sua quota não têm sido penalizados.

Um voto deste género, sublinha a Reuters, “é legal e tecnicamente possível mas politicamente muito sensível”.

Em cima da mesa estão agora propostas como cada Estado-membro que recuse receber a sua quota de refugiados pague uma quantia para um país que os receba, ou escolherem directamente um candidato no país de origem. Também estão a ser consideradas medidas para o fortalecimento do controlo das fronteiras da União Europeia através de um reforço da agência Frontex, e centros de acolhimento nos países de onde partem a maioria dos refugiados para a Europa, como na Turquia.

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