A senhora extraterrestre

A partir de um conto de Neil Gaiman, John Cameron Mitchell assina um improvável mas encantador manifesto punk-sci-fi sobre o primeiro amor.

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No papel, isto não devia resultar: uma comédia romântica de ficção científica musical, ambientada na Londres da explosão punk de finais dos anos 1970, sobre o romance entre um liceal suburbano encavacado e uma extraterrestre que só tem 48 horas na Terra. É areia a mais para um só filme, mesmo inspirado por um pequeno conto (vagamente autobiográfico) do escritor Neil Gaiman.

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No papel, isto não devia resultar: uma comédia romântica de ficção científica musical, ambientada na Londres da explosão punk de finais dos anos 1970, sobre o romance entre um liceal suburbano encavacado e uma extraterrestre que só tem 48 horas na Terra. É areia a mais para um só filme, mesmo inspirado por um pequeno conto (vagamente autobiográfico) do escritor Neil Gaiman.

Mas eis que entram em cena as capacidades de John Cameron Mitchell, o criador do musical de culto Hedwig and the Angry Inch e um dos mais interessantes e subvalorizados cineastas queer americanos. Mitchell toma as rédeas do caos para dele fazer uma festa surreal e vale-tudo: krautrock celestial (composto por Nico Muhly e pelos Matmos), figurinos psicadélico-fetichistas de Sandy Powell, referências à ficção científica lisérgica e apocalíptica dos seventies e uma nostalgia mal disfarçada de um tempo em que se podiam sonhar outros futuros. Com uma mão atrás das costas, faz tudo aquilo a que Gregg Araki não consegue chegar nas suas experiências mais desvairadas: acontece que, por trás de todo o fogo de artifício visual e musical, existem personagens sólidas e actores à vontade. Tanto Elle Fanning (a miúda literalmente do outro mundo) como Alex Sharp (o aspirante a punk) são excelentes a ancorar a fantasia em emoções reconhecíveis. Isso é importante porque Como Falar com Raparigas em Festas é um filme sobre o primeiro amor, o primeiro beijo, e o processo de descoberta de si próprio que isso coloca em marcha — só que o transfigura como uma experiência literalmente alienígena.

Bate certo com o percurso do cinema de Mitchell, a partir da adaptação cinematográfica de Hedwig que dirigiu em 2001 e depois nos injustamente desconhecidos Shortbus (2006) e O Outro Lado do Coração (2010): um movimento de acolhimento e aceitação do outsider, da diferença, venha de onde vier. O que Como Falar com Raparigas em Festas diz é que, afinal, outsiders somos todos — o adolescente que cola fanzines para fugir ao cinzentismo do bloco brutalista de apartamentos onde vive com a mãe solteira; a miúda que quer fugir às restrições impostas pela “família”; os turistas extraterrestres que procuram manter viva uma centelha cuja natureza lhes escapa; a matriarca punk (Nicole Kidman) que não percebe como foi acabar em Croydon a ser manager de tarados. Estamos todos à procura de um lugar no mundo que seja só nosso, e que não seja igual aos outros. John Cameron Mitchell conta-o num filme que não é igual aos outros. Felizmente.

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