A vergonha que se vive na advocacia

A maioria dos advogados e solicitadores não faz milhares de euros, faz pouco dinheiro por mês, o que torna um desconto obrigatório de 243 euros uma violência contributiva

Taylor Nicole/Unsplash
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Raúl Testa é leiriense. Formação académica
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Raúl Testa é leiriense. Formação académica

Imagina um sistema previdencial em que um advogado com cancro que faz zero euros num mês tem que descontar o mesmo valor que um advogado que faça centenas de milhares de euros por mês. Consegues? Parece absurdo, não é? No entanto, é exactamente isto o dia-a-dia no mundo da advocacia em Portugal.

Vamos então tentar perceber esta situação. Prepara-te que é potencialmente chocante. Os advogados e os solicitadores são profissionais que não descontam para a Segurança Social, ao invés disso descontam para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS).

A CPAS tem muitas diferenças da Segurança Social, concretamente no facto de não proteger adequadamente os profissionais com menor capacidade contributiva. Vejam bem que na CPAS existe um tecto mínimo de 243 euros que se tem obrigatoriamente de descontar. Quem desejar pode descontar mais, mas abaixo deste valor é impossível. Com a CPAS, o rendimento dos advogados e solicitadores não se apura, presume-se; consideram que um advogado após três anos de profissão ganha pelo menos dois salários mínimos nacionais — cerca de 1200 euros — e sobre este valor aplica-se uma taxa de 21 por cento, o que dá a mensalidade de 243,60 euros.

Na CPAS não há subsídio de desemprego, não há baixa médica paga e não há licença de maternidade/paternidade, nem subsídio por risco clínico durante a gravidez. Reforço que um advogado que por doença pouco possa trabalhar, não recebe ajuda de ninguém e ainda mantém a obrigatoriedade de descontar mensalmente para a CPAS. Reforço que, após o parto, uma mãe advogada ou solicitadora tem de continuar a descontar para a CPAS todos os meses e tem, obrigatoriamente, que continuar a trabalhar.

É aqui que temos que entender uma coisa: a maioria dos advogados e solicitadores não faz milhares de euros, faz pouco dinheiro por mês, o que torna um desconto obrigatório de 243 euros (mais um pagamento à respectiva ordem profissional de uma quota de 37,5 euros para os advogados e cerca de 30 euros para os solicitadores) uma violência contributiva, uma espécie de saque. Caso um destes profissionais faça 0, 100, 200, 50 mil ou 1 milhão de euros tem sempre que pagar obrigatoriamente aqueles valores.

A conclusão parece-me clara: para os advogados e solicitadores com maiores recursos terem a possibilidade de pagar a ninharia de 243 euros, a maioria dos advogados e solicitadores tem que pagar a exorbitância de 243 euros. Ao estabelecer o rendimento dos seus profissionais de forma presumida, a CPAS está a usar um artifício que causa uma brutal injustiça social, habitualmente sobre os profissionais mais jovens e com menos dinheiro, protegendo assim a parte mais forte, os profissionais mais ricos, precisamente quem menos precisa de protecção.

Não podemos aceitar esta injustiça para com profissionais que desejamos que sejam sérios e exemplares. Eu não aceito.

Artigo corrigido às 23h18 de 23/05/2018

Foi corrigido o valor das quotas para a Ordem dos Solicitadores

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